O século 16 foi o século da
política. A Europa (Portugal e Espanha) lançou-se ao mar para descortinar o que
havia além dos oceanos; Maquiavel, na Itália, escreveu o livro “O príncipe”; na
Alemanha, Mantinho Lutero, com as suas 95 teses provocou um racha na Igreja
católica e, na Inglaterra, William Shakespeare escreveu a tragédia denominada de Hamlet.
Talvez a obra mais importante tenha sido
escrita na França, quando Étiene de La Boétie, elaborou o “Discurso da servidão
voluntária”, contrariando toda a euforia do Renascimento. A obra escrita por
ocasião da “guerra do povo” contra o rei que havia aumentado o imposto sobre o
sal reflete profundamente sobre a natureza da servidão. A monarquia sanguinária
francesa subjugava o povo que, até certa altura, se mantinha servil e
obediente. Mas, segundo o filósofo, a tirania
sempre é um sistema autodestrutivo porque se sustenta sobre a troca da
liberdade pela suposta segurança oferecida pelo ditador. O rompimento vem na medida
que o vínculo se enfraquece.
Mais grave do que a população submissa é
nunca ter certeza do que ditador irá fazer; isto porque, não há como acreditar
que exista algo “público” em um governo no qual tudo depende de um só
indivíduo.
A preocupação de La Boétie era saber
o porque, pessoas, cidades e a nação se submetiam a um só tirano que só tinha o
poder que lhes era dado e que poderia fazer o mal enquanto quisessem
suportá-lo. Segundo o autor, é uma coisa realmente admirável ver um milhão de
homens servir miseravelmente e dobrar a cabeça pelo simples fato de estarem
fascinados ou enfeitiçados por um homem
só. Mas se o país não consentir, o tirano se destrói sozinho. Para isto as
pessoas precisavam não fazer nada contra si mesma. “É o próprio povo que se
escraviza e se suicida quando, podendo escolher entre ser submisso ou ser
livre, renuncia a liberdade e aceita o jugo...”.
Se
no “século da política” as reações deveriam voltar-se contra a servidão e deixar
para as pessoas deixarem de serem submissas, no “século da barbárie” que estamos
vivendo as reações, se quisermos continuar vivos continua sendo contra os ditadores.
O conceito de “servidão voluntária”
hoje volta a nos preocupar. Embora aquele que nos oprime tenha só dois olhos,
duas mãos, um corpo, igual a qualquer um habitante, como tinham os ditadores do
século 16, é certo que ele tem instrumentos mais qualificados para executar a
dominação, no entanto, esses instrumentos continuam sendo dados e sustentados
pelo povo. Então, se La Boétie tinha razão em perguntar, de onde tirava tantos
olhos para espiar, se não na própria população? Como tinha tantas mãos para
bater, se não as tomasse emprestas do povo? Os pés para pisotear as cidades se
não das próprias pessoas que apoiavam? Ou seja, existiria algum poder que não
fosse do próprio povo? Por que não nos fazemos as mesmas perguntas hoje?
É de fundamental importância que, o
caminho que leva à servidão e a quietude da submissão é cheia de contradições,
como se fossem buracos que impedem o ditador a ir mais rápido em direção ao seu
objetivo. São essas contradições que devem servir de ânimo para que haja a
reação em busca da superação das investidas destrutivas. O que os animais que
vão ao abatedouro fariam se soubessem que no final de um longo corredor,
existisse uma lâmina que decepasse a
cabeça de cada um? A barbárie é a navalha colocada ali no final do corredor do futuro
próximo, no entanto, a humanidade segue pacientemente pelo corredor em direção
à navalha que cortará coletivamente a maioria das cabeças.
Há décadas e séculos que certas
práticas se repetem no Brasil. A destruição dos povos indígenas desde a chegada
dos portugueses; o roubou dos minérios e da madeira; mais recentemente, do
petróleo e a depredação da Amazônia que fica a mercê da decisão de um indivíduo
rodeado de ministros, tomados pelo ódio de tudo e de todos que se autorizam a
liberar a matança de pessoas, de árvores e de direitos enquanto ameaçam com
golpe militar.
Tudo, supostamente autorizado pelo
voto ingênuo digitado sem que haja o conhecimento das relações e interesses
escusos que estão por trás daquelas candidaturas. Então votamos e ficamos a
espera de que “os governantes” tomem as decisões e façam os encaminhamentos que
venham substituir a barbárie pela servidão. E o que vemos? Mais barbárie e mais
autorização para que ela continue.
Desconhecemos que acima do poder de
voto está sempre a força da iniciativa privada que, sob o comando político dos
ditadores, o Estado passa a realizar os interesses dos dominadores que se
atrelam aos ditadores.
É tempo de perceber que
as servidões sempre são perversas e, mais ainda, quando são voluntárias ou
ingênuas, pois, evitam perceber de onde vêm os males que enfrentamos. Só há um
caminho para a liberdade: a derrota definitiva dos ditadores, exploradores e
colaboradores da servidão. Só a luta salva o povo.
Ademar
Bogo
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