Que não se pode tapar o Sol com a
peneira todos sabemos, mas, sempre há aqueles que, por conveniência momentânea,
enquanto não encontram uma sombra para abrigarem as suas cabeças tentam
praticar a manobra de cobrirem-se com o utensílio todo cheio de furos. No
entanto, se na vida normal a peneira para tapar o Sol não é uma atitude correta,
correto é aplicarmos a combinação metafórica ao comportamento moral.
Para satisfazer as vontades dos
arautos da ideia da “escola sem partido” (atualmente derrotada no Congresso
Nacional), não chamaremos Karl Marx para provar que os furos da peneira deixam
passar os raios do Sol tornando a iniciativa de cobrir a cabeça com a peça,
inepta. Chamamos para este fim Émile Durkheim; um intelectual respeitado pelas
forças retrógradas e de direita, que um professor de esquerda poderia
relacioná-lo e ensiná-lo sem correr nenhum risco de monitoração de orientação
fascista.
É verdade que a ignorância na
História cumpriu, por um lado, a função de incentivar a humanidade a buscar
sempre mais conhecimentos, mas, por outro lado, como uma fera no meio do
caminho, estraçalhou grandes contingentes de estudiosos, críticos e formuladores
de conceitos que pretendiam passar para o futuro.
Durkheim é um pensador funcionalista
que acreditou ser possível coagir o indivíduo pela ação da coletividade,
forçando-o a adaptar-se à ordem para cumprir ali a função que lhe é destinada.
Logo, o indivíduo não poderia agir como gostaria; deveria agir como estava prescrito
nas normas formuladas pela “sociedade” e pelo Estado.
Essa relação ficou mais complexa
quando foi transportada para o comportamento moral, isto porque, a priori nos orientamos pelo conjunto
das leis do país e pelas normas morais culturalmente praticadas. No entanto, as
normas morais se diferenciam das demais por duas razões: a primeira é pela
“noção de dever” que obriga o indivíduo a buscar sempre o bem comum e, a
segunda, é pelo “desejo do bem”, que desperta, por meio dos atos, a
sensibilidade para aquilo que é desejável. Portanto, obrigação e desejo
caracterizam o “ato moral” diferenciando-o dos demais atos sociais.
Mas eis que quando parece que tudo
está nos conformes, Durkheim mergulha num paradoxo e talvez nunca mais tenha
conseguido sair dele, ao defender que as regras morais são constituídas e
subdivididas em duas espécies: as que se aplicam a todos os homens
indistintamente e as que se aplicam à apenas aos grupos profissionais.
Em relação às normas que se aplicam
a todos os homens, elas tem a função de fixar na consciência do indivíduo as
bases fundamentais de toda a moral que determinará todas as demais normas; por
sua vez, as normas ligadas à categoria profissional, dizem respeito àqueles
indivíduos que integram entidades, ordens e associações específicas, como exemplo podemos citar a
categoria dos médicos e dos advogados que, além das normas morais gerais possuem
normas internas de comportamento profissional que um professor, um soldado, um
agricultor etc., não precisam cumpri-las aquelas, mas cumprirão outras diretamente voltadas para as suas profissões. De algum modo, cada indivíduo em
qualquer função social que ocupe, têm esses dois referenciais de normas morais
a seguir.
Até aqui, se fosse em sala de aula,
o discurso estaria satisfatório ao que os indivíduos defensores da “escola sem
partido”, com as suas câmaras filmadoras ligadas querem. No entanto, vem a
surpresa paradoxal, quando Durkheim leva a disciplina moral para dentro da
economia. Essa área, no capitalismo, adquiriu vida própria; suplantou as
funções militares, administrativas e religiosas. De certo modo, tal área
respeita as funções científicas, na medida em que a ciência é útil para as
profissões econômicas.
As forças econômicas, portanto, no
capitalismo, adquiriram tamanho lugar que se julgam libertas dos controles
morais e, com isso, utilizam-se de todos os subterfúgios para praticarem as
disputas entre si, tendo os acordos firmados sempre com validade temporária.
Dentre as categorias que cultivam o caráter amoral, Durkheim cita os
industriais e os comerciantes, cuja função, caracteriza-se como um “perigo
público”. Primeiro, porque aquilo que os une é o mesmo que os divide que é a
concorrência e, em segundo lugar, porque esses indivíduos das atividades
industriais e comerciais passam a maior parte da vida dentro dos seus negócios
e, como consequência, os leva a viver a maior parte da vida à margem da ação
moral.
Nesse momento, você deve ter notado
que as diversas câmaras que filmavam a aula, foram desligadas e os seus
operadores saíram da sala para alimentarem-se com as coxinhas vendidas na
cantina ali próximo.
Com isso podemos voltar ao título da
aula: “O Sol e a peneira” e mostrar que a sociedade comercial capitalista está
impregnada de imoralidades e os seus agentes profissionalmente, por natureza do
ofício, são portadores da conduta imoral. Por isso, aquele que, malditamente
dissera que preferia “ter um filho ladrão, do que um filho gay”, já o tinha
quando o disse; isto porque, segundo o próprio Durkheim, uma forma de agir,
seja qual for, só se consolida pela repetição e pelo uso. Logo, não há nenhuma
vingança do destino contra aquele indivíduo imperioso, o fato é que, desde a
origem do capitalismo, a política no âmbito estatal transformara-se em um
negócio altamente lucrativo, depende porém da infidelidade moral dos funcionários
consigo mesmos para entregarem parte dos seus salários, e dos comerciantes que
lavam o dinheiro desviado da política, para fazê-lo retornar para ela.
O que dizer agora sobre a tese de que
os médicos cubanos eram escravos aqui no Brasil por que recebiam para uso
próprio 30% dos salários? Com quanto daquilo que constava da folha de pagamento
dos funcionários dos parlamentares, até aqui citados, ficavam estes indivíduos?
Em termos de comparação, os próprios
médicos brasileiros, com exceções gloriosas, se não fossem tão corporativistas,
deveriam revelar qual é o valor de cada consulta paga a eles por intermédio dos
planos de saúde e veríamos que não passa de 30% de uma consulta normal nos
consultórios particulares. Logo, facilmente podemos perceber que o “trabalho escravo”
continua sendo uma prática do capitalismo desde a sua origem.
Não há mais como tapar o Sol com a
peneira. Cada vez mais as práticas imorais mostram que é da natureza do capitalismo
e do Estado capitalista, garantir a reprodução material pelas ações imorais de
uma porcentagem significativa de indivíduos. E, aqueles que se julgam os consertadores da ordem já estão tão desconcertados que mal conseguem sustentar os próprios argumentos.
O paradoxo durkheimeniano está em
que, inicialmente ele crê que o indivíduo está submisso à sociedade e coagido
pelas leis e normas morais, mas, no final depara-se com essa excrescência
amoral profissional que podemos, além da indústria e do comércio incluir o
Estado, isto porque, os indivíduos que atuam nessas profissões, antecipam pela
ação imoral, aquilo querem que seja transformado em lei e praticado como
conduta moral posteriormente. Sendo assim, alguns indivíduos, sustentados pela
natureza imoral do capitalismo, impõem as leis e as normas morais que todos
devem cumprir ou aceitar como justas.
A sala de aula não pode ser um lugar
para tratar de frivolidades é o lugar motivador, produtor e publicador do
conhecimento. O olhar critico da professora e do professor, deve fazer brotar
das contradições e incoerências dos “mitos”, a coerência da verdade e, esta,
mesmo que venha da boca de um conservador, se for verdadeira, será sempre uma verdade. Há olhares e olhares por trás das mesmas
lentes. Olhos que filmam para o mal, mas a maioria que busca conhecer, pode
filmar para o bem. É a disputa das ideias que nos fará construir novas práticas
e derrotar o mito da ignorância e da truculência.
Ademar
Bogo
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