O
filósofo Georg Lukács ao tratar da estética, demonstrou que o modo de ser da
obra de arte se manifesta em todas as suas determinações, mas, sobretudo “pensar
a obra de arte como totalidade intensiva das determinações relevantes para o
mundo que conforma”.
Para
além disso, o caminho da produção subjetiva de um ser humano coexiste com múltiplas
determinações, vistas como, “influências” do meio, anseios pessoais, concepções
políticas, desejos estratégicos e utópicos, pontos de resistências, protestos,
instigações, valorização e, acima de tudo, discernimento entre o belo e o bom,
em oposição ao feio e ao ruim.
Quando
Thiago de Mello escreveu, “Faz mormaço na floresta”, quis, no seu mundo
particular, falar de um bem universal. “Sombra ardente que guia, tua cabeleira
baila, na esparramada alegria”. Ao desconhecedor da floresta tropical, cujo mormaço
é parte constitutiva da formação daquela natureza, revela que a própria sobra é
quente, e a copa das árvores formam cabeleiras alongadas, femininas, elevadas
acima de qualquer preconceito e que, se esparramam sobre todas as espécies
posicionadas embaixo, desfrutando da natural alegria.
Um
particular interessante que despreocupa o não-ser, pois, “nunca sei como sou
(só sei que sou contente) quando contigo me vou”. Me ir, é conviver contente, é
ser gente e ser floresta; hora árvore, ora humano, tudo é uma coisa só. E, “na
glória de saber, que inteiro me recebes, desaprendo o que é ter”. Nada tenho,
quem me tem é a floresta; ela é eterna, dona do mormaço, da sombra, da umidade,
dos cheiros, das festas e do poder de receber-me com glória porque a respeito.
E
nos versos de Thiago de Mello a floresta viaja pelo mundo. Levam o real do
convivente para os espaços urbanos destrutivos, para fazer inveja de algo que o
tempo de ocupação não pode ser. O mormaço da floresta não é calor que faz suar o
ser cansado. O mormaço é o jeito, naturalmente composto para atrair os
diferentes; visitantes de si mesmos, no lugar que faz viver e reviver com a
floresta que sempre recebe, os vivos e os mortos.
Universalizado
o mormaço, com ele ebulem os direitos que precisam, para expressar valores,
serem estatutários. A poesia converte-se em “Estatutos do homem”, abertos com o
imperativo do artigo primeiro: “Fica decretado que agora vale a verdade, que
agora vale a vida, e que de mãos dadas trabalharemos pela vida verdadeira.”
Para
ter de recorrer e fazer valer a verdade é porque vigora sobreposto a ele, o
valor da mentira. A civilização mentirosa cheia de Cartas, Leis e Declarações
universais, não habilitou a verdade. A política perdeu. A ética inverteu os
juízos impondo as interpretações convenientes para os propagadores da mentira.
Sobrou a voz da arte para chamar a atenção que há uma vida verdadeira a ser
retomada. E, a arte critica é a própria política.
A
particularidade dos atos não reduz a universalização dos fatos e, se “fica
decretado que o homem nunca mais precisa duvidar do homem”, como afirma o artigo
quarto, é porque a transparência pessoal ganhou a transcendência universal.
Quando duvidamos do homem? Quando negociamos com ele. A mercantilização é
enganosa, porque junto com os objetos vão os desejos pessoais. As vontades
reduzem o alcance das consciências e as pretensões particulares, mesquinhas e
obscuras, entram como critérios para avaliar o lado oposto. Então, o homem
duvida do homem, porque, como mercador, somente poderá viver se enganar quem
poderá enganá-lo. Mas a arte sabe que há o certo. De algum modo, ele já percorre
as relações nas asas da solidariedade. E, se houve um tempo que foi preciso
duvidar, é porque esse tempo foi autorizado pelo homem enganador, cultuador de
um modo de ser da sociedade enganosa.
E,
por fim, “fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual fica suprimida dos
dicionários, e do pântano enganoso das bocas”. Então a liberdade não se fala,
se vive. Por que então usamos as palavras? Para lembrar-nos que precisamos
viver os conteúdos antes de pronunciá-los. A palavra liberdade, antes de ser um
substantivo feminino na comunicação é uma reinvindicação. Reinvindicamos tudo o
que não temos. Se a liberdade de fato existir, ao ser experimentada, deixará de
ser pronunciada; pois, a liberdade e a verdade são como as nossas pernas, não
precisamos falar nem lembrar delas para movê-las.
Salve Thiago de Melo, o poeta
singular que, a partir do seu lugar, soube universalizar o bom e o belo como causas
da arte política.
Ademar
Bogo
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