O
italiano Antônio Gramsci, em tempos de crise, sempre volta ao recinto político
para, com suas reflexões, questionar os rumos dos processos. Sua criatividade
intelectual é admirável no sentido de reformular e colocar “alertas
conceituais” em ordem mais abrangente.
Um primeiro alerta é o de que na
política a classe se estabelece por meio de duas formas: dominante e dirigente.
Quando essas duas formas não andam juntas é porque, dentro da classe desfez-se
o consenso. Nesse caso, se a classe dominante perdeu o consenso, deixa de ser
“dirigente”, mas não deixa de ser “dominante”. Neste caso, para manter-se no
poder utiliza ou se prepara para utilizar forças e medidas repressivas.
Esse desfazimento de consenso há
algum tempo que viemos presenciando no Brasil e em alguns países vizinhos. O
neoliberalismo, como modelo de economia política em sua fase superior, para
satisfazer os interesses do capital ataca os direitos sociais, a burocracia
estatal e a soberania nacional. No entanto, o governo atual fez a inversão das
expectativas de classe da elite e da classe média, em busca de resultados
rápidos, levou à frustração e a quebra do consenso entre eles. Nesse sentido o
governo antes tido como a expressão do ajuntamento das forças para composição
da hegemonia política, está sendo deixado a mercê da possível fúria das
revoltas populares como ocorre nos países vizinhos. Os capitalistas agarram-se
às exigências rentistas para assim exercerem em particular a “dominação
econômica” e o governo, agarra-se às ameaças de reinventar o Ato Institucional
número 5 e piorar a lei contra o terrorismo para manter-se no poder por meio da
coerção política.
Há, no entanto, um segundo alerta
que Gramsci oferece na forma de conceitos classificadores das sociedades
“ocidentais” e “orientais” e que, para cada uma delas estimou que haveria a “contrariedade”
na aplicação das táticas de ação, denominadas de “guerra de posição” e “guerra
de movimento”.
Segundo Gramsci, as “sociedades ocidentais”,
portanto, europeias haviam alcançado um certo patamar de “equilíbrio” entre a
sociedade civil e o Estado. Diante desse equilíbrio as lutas girariam em torno
dos aparelhos privados de hegemonia, pois a direção política
seria constituída por consenso. Essa caracterização indicaria que, para esses
países a tática a ser empregada seria a “guerra de posição”, compreendida como
processo de conquistas progressivas no interior da sociedade civil.
De outro modo, as “sociedades
orientais”, por não terem alcançado ainda o desenvolvimento da sociedade civil,
o Estado praticamente responsabiliza-se por tudo. As lutas tenderiam a ser de
explosão repentinas e, nesse caso, a tática correspondente a essa reação
poderia ser chamada de “guerra de movimento”, cujo principal objetivo é
conquistar o poder por intermédio do confronto.
A questão incômoda, dispensando os
critérios geográficos, nos cobra a descobrir em que tipo de sociedade,
juntamente com os demais países latino-americanos nos enquadramos? A resposta
teórica poderia fazer algum sentido, mas o próprio Gramsci indica em seu texto,
“Maquiavel, a política e o Estado Moderno”, que, na política, além das guerras
de movimento e de posição, existem outras formas. Portanto, o alerta indica
que, para qualquer tipo de sociedade, há que escolher as diferentes formas de
luta. Ele próprio citou o exemplo da Índia onde Gandhi utilizara três “tipos de
guerra”, transmutando-se de uma para outro: de movimento, posição e subterrânea.
O que vemos nas reações
desencadeadas em diversos países é a utilização da “tática de movimento” que,
por ocasião das injustiças governamentais, carentes de capacidade e consenso
para garantirem a “direção política”, a população reage explosivamente. Não
chegam ser reações estratégicas devido à pouca clareza dos objetivos
estruturais que se fazem ausentes.
Para compreendermos qual será o
desfecho desses processos vizinhos devemos observar o terceiro alerta que
Gramsci nos proporciona, que é o da organização política. Então diz ele:
“Estabelecido o princípio de que existem dirigidos e dirigentes, governantes e
governados, verifica-se que os “partidos” são até agora o modo mais adequado
para aperfeiçoar os dirigentes e a capacidade de direção...”. Por que? Segundo
o mesmo, a política é a ação permanente e dá origem a organizações permanentes.
Gramsci então nos coloca dois dilemas,
que obrigatoriamente devem ser resolvidos ou não se romperá a posição de
dominação assemelhada, presente em todo o continente. O primeiro é que na contemporaneidade,
na medida em que a institucionalidade passou a ser o espaço para a construção
dos consensos políticos, no máximo encontramos ali duas posições denominadas de
situação e oposição e, por causa disso, os partidos, em geral, foram
aniquilados, existem apenas como siglas. Alguns se assemelham às antigas
facções que se apresentam como a parte que luta contra o todo.
O segundo dilema situa-se nas
reações populares; elas não são permanentes e, portanto, não conseguem
constituir expressões políticas. Por que não conseguem? Porque não há a
estrutura partidária permanente. Esse vácuo que separa as mobilizações dos
resultados, se deve, em grande medida, à falta de organismos, conforme disse Gramsci,
de “aparelhos privados” para que de fato se possa valorizar as ações políticas.
Para que isso aconteça, talvez
devêssemos acrescentar um quarto alerta que dependeria de responder a pergunta
sobre: que objetivo queremos alcançar com as lutas políticas de “posição” e de
“movimento”? Se é para reavivar o capitalismo, os esforços empregados estão na
direção correta, basta repeti-los como veio sendo: na organização de mobilizações,
disputas eleitorais e governos progressistas. Caso o objetivo vise a superação
do capitalismo, os esforços devem ser maiores, mais conscientes e mais
organizados.
A espontaneidade nas reações
populares é fundamental para iniciar um processo de transformação, mas elas, ao
mesmo tempo em que amedrontam também morrem, porque já nascem com os limites de
baixa expectativa de vida, por isso é que, mesmo sem consenso e com governos com
baixa popularidade, a classe dominante quase sempre continua com dominante. Só há
um caminho: a organização.
Ademar
Bogo
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