Há leituras que acompanham as análises
de conjuntura que recuperam com certos deslizes a metodologia de Karl Marx,
feita na Introdução à critica da economia política de 1857/58 e, adaptam àquele
entendimento ao gosto do conteúdo das ideias que querem afirmar. Atribuem a
Marx e não a Hegel a ideia de que o real é resultante do pensamento e não o
contrário. O método que consiste elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a
maneira pela qual o pensamento se apropria do concreto e o reproduz como
concreto pensado, é a conclusão de Marx. Isto ocorre porque o concreto, antes de ser concreto pensando é concreto real.
Talvez a confusão de tudo esteja um
pouco acima, quando, no mesmo parágrafo Marx considerou que, “o concreto é
concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é a unidade do
diverso”. As determinações não são das ideias, mas do próprio movimento do
concreto.
É de suma importância, em qualquer análise,
entender a expressão conceitual do “processo”. O real concreto existe
independente das ideias. Mesmo não sendo compreendido, ele está lá. As ideias
cumprem o papel de abstraírem do real concreto os aspectos que o constituem,
por isso, descobre-se que o concreto é o que é por causa das múltiplas
determinações ocorridas e, por meio do estudo tornam-se o concreto pensado.
Mas a realidade pode ser mudada? Pode. O
filósofo Tcheco, Karel Kosik ao escrever
a “dialética do concreto” apontou para isso, ao dizer que “a realidade pode ser
mudada de modo revolucionário... só na medida em que nós mesmos
produzimos a realidade e na medida em que saibamos que a realidade é produzida
por nós”. Deveríamos aqui fazer uma longa discussão para considerar se o
“concreto” tem a mesma composição da “realidade”, mas não é o caso. Apenas
digamos que o concreto é a representação de um composto todo estruturado que
segue no processo de superações constantes, enquanto que, a realidade, sem
deixar de representar também o real concreto, inclui também os aspectos
transitórios e passageiros, como por exemplo, a colocação das forças, as
reações populares contra as políticas governamentais etc., que, num momento
seguinte se desfazem ou mudam de comportamento.
De acordo com esse entendimento, se o
concreto é algo dado pela estrutura, cujo processo segue determinada ordem como
é o caso das leis tendenciais do capitalismo, a relação entre capital e o
Estado capitalista etc., a realidade pode ser produzida de acordo com as
reações das forças políticas e sociais, quando o próprio movimento das
contradições reúne necessidades, ideias e perspectivas.
Há um elemento que está subentendido na
análise de Marx, que parece sempre escapar: o princípio da totalidade. Na
medida em que um aspecto particular começa a ser visualizado e, sobre ele
jogam-se todas as energias, os demais aspectos da composição do real concreto e
da realidade em geral, quase sempre, com maior relevância, deixam de colaborar
para que de fato haja uma ascensão em direção à superação, pelas múltiplas determinações
do real concreto, ou seja, pelas mudanças estruturais na economia e no
funcionamento do Estado capitalista.
Há quem queira insinuar que, o reforço
das particularidades e não da totalidade, na política, fazem parte do jogo das
táticas, mas que, no fundo, todos têm em mente os objetivos estratégicos e,
portanto, é apenas uma questão de interpretação.
Sem ter vinculo algum com os propósitos
aqui demonstrados, apelamos para a Filosofia da Linguagem e destacamos a
distinção feita por Ludwig Wittgenstein, em relação à diferença entre a
“informação” e a “afirmação”. A pergunta
formulada por ele diz tudo: Qual é pois a diferença entre a informação ou
afirmação, “cinco lajotas” e o comando “cinco lajotas!”? Como podemos ver, tanto
na formulação quanto na expressão das ideias, a intencionalidade das palavras
faz toda a diferença. Aproveitando do apoio destas duas categorias, façamos uma
relação com os aspectos conjunturais.
Primeiramente tomemos os limites da
tática da “informação”. Tendo em vista que os governantes e estrategistas da
direita, inverteram o princípio maquiavélico aplicando o mal a “conta-gotas” e
as medidas do bem, “de uma só vez”, ou seja, raramente; as “notícias”
sobre as maldades, emitidas, seja pela direita ou pela esquerda, não passam de
informações que vão sendo recebidas e esquecidas. Por se tratar de um aspecto
apenas da realidade, como por exemplo, a reforma da previdência, na medida em
que ela foi aprovada, deixou de ser noticiada e outro tema, “a reforma
administrativa” passou a ser noticiado. Logo, o impacto criado sobre a
consciência de cada um é semelhante à informação passiva recebida por qualquer
indivíduo desinteressado sobre a informação de “cinco lajotas”.
Por outro lado, quando a notícia traz
consigo uma ordem, como essa que solicita que alguém traga “cinco lajotas!”,
expressa uma convocação para que se proceda uma ação. Podemos considerar que
temos a necessidade concreta que, por meio da ideia, ou seja, da abstração,
desperta uma reação e o indivíduo age porque a informação tornou-se uma afirmação.
De pronto, poderíamos sugestionar que,
transportada para a política bastaria afirmar algo, que teríamos uma reação
imediata. Se considerarmos que o ajudante de pedreiro age quando ouve a ordem
de “cinco lajotas!”, é porque ele está organizado para fazer aquela atividade
indicada, mas, na política, o cidadão comum não está. Então a ordem cai no vazio. Por
outro lado, temos uma segunda limitação que é de onde vem a voz ouvida. A
ordem de “cinco lajotas!” emitida por alguém, fora do canteiro de obras, não
causa reação alguma. E, uma terceira limitação, em se tratando de coletividades
e não de indivíduos, nem todas as “ordens” motivam a todos; como esta de “cinco
lajotas!”, somente mobiliza o servente, enquanto que os demais trabalhadores
daquela obra, nada farão com a ordem dada.
De maneira geral, o que temos em nossa
frente são alguns limites: primeiro, o recebimento de informação corriqueira que
não desencadeia nenhuma reação organizativa. Segundo, a prática de contestar uma
“afirmação” de cada vez de acordo como
aparecem e assim que elas deixam de ser informadas, caem no esquecimento.
Terceiro, complementa a prática de pegar a afirmação em particular, a
incapacidade de relacioná-la, pela antevisão do que virá pela frente nas
políticas encadeadas, que o capital e o Estado impõem; dessa forma quem dita os
temas a entrarem na conjuntura é a classe dominante. Em quarto lugar, as vozes
que ordenam “cinco lajotas!” não são reconhecidas, porque não apontam uma
sequência abrangente e estratégica de superação. Quinto, não tendo claro o que
propor, misturam-se sentimentos de afeto e de saudade como motivações para o
retorno ao que foi desconstruído.
O que significa a política do afeto e da
saudade? Grosso modo é a reunião da maioria das forças em torno da
reinvindicação “Lula livre”, apenas. Sem
desprezarmos a importância simbólica do que Lula representa, nas ideias que
passeiam sobre o concreto estrutural e a realidade conjuntural é o desejo da
volta ao governo neo-desenvolvimentista e, portanto, mais capitalismo. Não há
um horizonte possível para o socialismo. A palavra de ordem, “Lula livre”, para
além de ser uma ordem que atinge limitadamente a população, facilita para que a
classe dominante, pela tática de impor uma medida de cada vez, reformule as
políticas que deseja.
A falta de amplitude da visão
estratégica leva a um desgaste e perda de esforços fundamentais, contabilizando,
no calendário histórico, um novo bloco de derrotas das “insurreições sociais”.
Para quem, pelo estudo conhece a História da insurreição alemã de 1919,
facilmente perceberá que o que ocorreu no Equador e agora ocorre no Chile, só
não se transformam em insurreições revolucionárias, porque não se constituiu a
tempo o comando revolucionário com autoridade para emitirem a ordem correta. Quando essa onda
chegar ao Brasil, lembremo-nos das palavras de Bertoldo Brecht: “É preciso
assumir o comando”. Sem isto, os levantes são como o rio que transborda e logo
tende a voltar a descansar no próprio leito.
Ademar
Bogo
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