Desde a Antiga Grécia é que a
alegoria é utilizada como método para manejar as ideias. Ela é construída quando
uma imagem se forma simbolizando algo pensado. Sendo assim o inexistente irreal
passa a figurar como real e acredita-se existir, pois, se vê, se sente e se
confia.
A alegoria mais conhecida é a da
Caverna descrita por Platão. Nela um pequeno foco de luz projeta as sombras dos corpos
dos escravos trabalhando, na parede da caverna escura. Por essa razão, essas
imagens são também chamadas de “mitos” porque são criadas pelas explicações
humanas, que personificam, por meio dos pensamentos e confundem a existência
das sombras como se fossem seres reais.
Misturam-se, portanto, nesse
processo criativo, as impressões e os simbolismos no pensamento humano. As
imagens não correspondem à realidade, mas, na cabeça de cada indivíduo elas são
reais e atuam como convicções, por isso fazem os olhos enxergarem aquilo que
não é como se fosse.
Deveríamos convir que, no século 21,
com o avanço das ciências e da tecnologia, ambas prometendo em poucos anos
levar a espécie humana para morar na Lua e em Marte, que as ilusões fossem
purificadas pela clareza da razão. Ninguém mais deveria acreditar em mitos nem
em alegorias porque toda e qualquer imaginação seria atacada pela consciência
e dizimada imediatamente dos pensamentos iludidos.
Mas, o que vemos é o contrário. Dia
após dia a humanidade parece regredir e ameaçar extinguir a si própria em nome
do progresso. Compreendemos então, que, se a alegoria surgiu com os escravos
acorrentados, confundindo as próprias sombras com as pessoas reais, é porque,
embora a ciência e a tecnologia tenham evoluído e, supostamente, alcançado o
mais alto grau da liberdade, no pensamento humano ainda vivem o senhor e o
escravo que se sustentam um no reconhecimento da necessidade da existência do
outro. A civilização não foi apenas incapaz de superar os mitos antigos, como
também criou tantos outros novos que condicionam os comportamentos ainda mais
perversos.
Comparativamente o que temos de real
e de imaginário na alegoria grega? A caverna, a escuridão, os escravos e a
submissão. O imaginário são as sombras, a dependência do senhor e a ilusão de
que a luz é uma invenção e, portanto, um incômodo. Não há ali, o entendimento
que justifique o porquê aqueles homens precisam, mesmo presos, dentro da caverna,
de usarem as pesadas correntes enquanto produzem, sem saber para onde vai nem
a quem serve aquela produção.
Para entendermos porque o agora está
voltando a ser o antes, no real e na imaginação, é preciso reconstruir a
caverna e, na escuridão, analisarmos a convicção das ideias que se
transformam em comportamentos destrutivos.
Tomemos
como referência a
“globalização”. O mundo visto pela abóbada celeste assemelha-se a uma
caverna
que, imaginariamente começou a ser construída como alegoria no
pensamento da classe dominante por volta da década de 1970. A luz acesa,
colocada no alto do teto, é a força do mercado.
Este passou a produzir as sombras, compreendidas em todas as partes da
terra, como a
verdadeira salvação para o crescimento econômico. Mostrou que haveria a
transferência de
investimentos, a superação do desemprego, o acesso aos bens, aos
serviços, às tecnologias
e, acima de tudo, mesmo acorrentados ao salário, às leis e a competição,
a
liberdade de poder ir por todos os lados da caverna seria para todos.
Passou-se quase meio século, os
produtos produzidos na caverna inundaram o mundo que, devido ao baixo poder
aquisitivo dos escravos, começaram a sobrar e, quanto mais sobram, mais
desempregam e menos pessoas compram. A riqueza que combinava-se por meio de
três formas: mercadoria, capital produtivo e dinheiro, este último representado
por moedas, títulos, créditos e aplicações, deixaram de cooperar entre si e
trouxeram a crise de crescimento das economias mundiais.
Grosso modo, uma sociedade funciona
equilibrada, quando as mercadorias transformam-se em dinheiro e o dinheiro
excedente, na forma de capital, volta a ser investido para produzir mais
mercadorias. No entanto, é importante compreender que, no capitalismo, temos dois
tipos de mercadorias: a força de trabalho e os produtos produzidos por essa
força. Ambas são trocadas por dinheiro. Corriqueiramente sabemos que o dinheiro
do salário converte-se em consumo exigindo mais trabalho para
produzir novas mercadorias e assim tudo flui.
Acontece, porém que, de tempos em
tempos ocorre um desencontro; os trabalhadores produzem mais do que consomem e
o dinheiro que eles ganham não é suficiente para tirar as mercadorias do
mercado para que possam colocar outras no lugar e, assim, ocorre com toda a
população, ou seja, dentro da caverna passa a ter mais produtos do que escravos
para consumi-las.
Diante
disso, o capital, aquela sobra
de rendimento em dinheiro vinda das mercadorias consumidas, deixa de ser
investido para produzir novas mercadorias e passa a ser emprestado a
altas taxas de juro para os
senhores da política fazerem obras e depois devolvê-lo com o
recolhimento dos impostos.
Porém, com a crise de crescimento econômico, o Estado não arrecada o
suficiente
e as dívidas vencem sem ter como pagá-las. Para resolver o problema do
pagamento, os governos emitem títulos como dinheiro vivo. Esses títulos
transformam-se em capital especulativo que não
volta mais para a produção e circula como uma luz produzindo sombras
para esconder o real. As sombras são criadas pelo pensamento dos
capitalistas que administram esse capital e que hoje amedronta, isto
porque, o valor dinheiro fora da produção hoje girando pelo mundo é de
680 trilhões de dólares.
Esse dinheiro girando fora da produção não seerve para nada. Ou
serve apenas, como a luz no alto da caverna para projetar sombras na
parede confundindo o real com o imaginário.Para além ser inútil ele
vive sob dois dilemas: o primeiro é que não
pode ser aplicado em produção porque não terá consumo para novos
produtos e o segundo é se os seus controladores
quisessem destruir ou comprar todas as mercadorias de uma só vez, para
abrir espaço para novas mercadorias, o Produto Interno Bruto
(PIB) de todas as nações do mundo juntas, soma
apenas 60 trilhões de dólares.
Diante
das sombras vistas dentro da
caverna grega, os escravos foram induzidos a culparem um dos escravos
que se soltou das correntes
e foi ver de onde vinha aquela luz. Percebendo que as imagens eram
sombras enganosas projetadas, ele
voltou e tentou convencê-los, mas foi morto antes de revelar o segredo
da ilusão. Na caverna do mundo
globalizado, os capitalistas do capital especulativo que vivem dos juros
pagos regularmente pelas nações mais pobres, produzem sombras para que
os escravos de hoje não se revoltem e aceitem a dominação.
Sendo
assim, a humanidade conduzida
pelo capital especulativo embarcou em um movimento regressivo e
destrutivo da
civilização. Esse capital sem corpo é quem produz as ideias que
funcionam como a luz que projeta as imagens nas
paredes da economia, da política, da justiça e da moral, confundindo
quem são os verdadeiros culpados pelas crises. Fazem imaginar que são os
pobres, os aposentados, as florestas, as reservas
indígenas; a Petrobras; as universidades; os comunistas e os
progressistas; o Papa,
os bispos, a imprensa, as Ongs etc., menos eles que são a causa de todos
os males.
Os mitos e as alegorias são produtos
dos pensamentos propositalmente projetados para que as sombras figurem como
imagens verdadeiras. Essas mensagens no Brasil de hoje são sustentadas pelas
forças destrutivas que usam uma linguagem desbocada, violenta e ameaçadora,
juntamente com a edição de medidas legais que favorecem o aprofundamento dos
desmandos.Quais são alguns desses mitos? A Lava Jato, a reforma da previdência, a reforma trabalhista etc.
Somente com a reação dos escravos é
possível reverter essa situação. As alegorias são frágeis, mas dependem de
ação e da conscientização para, co ma luz do conhecimento as sombras desapareçam das consciências.
Ademar Bogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário