O filósofo Nietzsche ao trata da
“genealogia da moral” fez um recorrido histórico em busca de compreender a
crueldade justificada, ou seja, sempre houve uma explicação para o mal
praticado e oficialmente justificado nas consciências dos povos, geralmente
coagidos e intimidados. “A letra com sangue” sempre foi a expressão da velha
pedagogia e, por desgraça, a que mais durou na História desde o início até aqui.
A crueldade histórica, para se
tornar memória, acontece acobertada por “cores sombrias”. É por meio das
representações expressas por tais cores que ficam os vestígios de espanto de
algo que será cobrado. Diz o filósofo que, noutros tempos, quando, um homem que
fosse, julgava necessário criar uma memória utilizava-se dos suplícios,
martírios e sacrifícios cruentos, que passavam pelo holocausto do primogênito,
mutilações, como a castração e outros rituais cruéis. Tudo isso era para fixar
as ideias na memória a fim de hipnotizar o sistema nervoso e intelectual,
suprimindo a concorrência de outras ideias.
O mais intrigante na “Genealogia da
moral” de Nietzsche, não é, por assim dizer, o conteúdo das justificativas, mas
a pergunta que ele se coloca, incluindo a crueldade alemã: “Mas como foi que
“esta coisa”, esta consciência da falta, todo este aparato da “má consciência”
pôde vir ao mundo?”. Diante de tudo o
que vemos, é o que também nós nos perguntamos.
Suspeitamos que agora, os caminhos
se desencontram e, aquilo que Nietzsche atribuiu à moral, em nosso tempo,
embora ela seja a expressão da forma do discurso, pesam mais, para o
fortalecimento da “má consciência” os fundamentos do capital. Nesse sentido, a
moral não é a causa principal do surgimento das “cores sombrias” que assustam
quando ameaçam cobrar uma dívida inventada.
A causa do surgimento dessas cores está na crise estrutural do capitalismo
que, sem beber o sangue dos mais pobres, ameaça exaurir-se. Logo, a moral do
mal, como combatente de vanguarda, entra em cena para gerar sombras e responsabilizar
os mais velhos pela ameaça dos desejos dos mais ricos.
Ironicamente, os criadores das
memórias sombrias, como as aves de rapina buscam convencer os cordeiros, que
não são más e que também não querem o mal dos mesmos, ao contrário, acham-nos
muito saborosos. E, a cada vôo rasante, arrancam pedaços dos direitos,
mutilando o corpo da seguridade social. O fazem tão astutamente que, após terem
o mal causado, oferecem conselhos para que cada um cuide de si, sacrificando-se
mensalmente para levar ao Banco uma quantidade de dinheiro para constituir uma
previdência privada que retirará, se viver, em prestações reguladas no futuro.
Ou seja, não é a consciência da moral individual que está desajustada e que por
isso o “egoísmo do idoso” venha a fazer faltar dinheiro para pagar as
aposentadorias do futuro. São os desajustes do capitalismo que quer
individualizar as responsabilidades, para atrair o contribuinte para a
armadilha aonde não haja saída para que as aves do mal possam mutilar os
cordeiros desde a infância até a velhice que ameaça os interesses dos
capitalistas.
O discurso moral escrito com “letras
de sangue” assombra as multidões, da mesma forma quando ocorreu a decadência de
Atenas e a praça onde se reuniam para tomar as decisões coletivas já não servia
para nada, pois, os cidadãos ateniense não tinham a quem recorrer. O assombro
dos gregos é mesmo assombro que estamos experimentando na atualidade, o de
termos que nos virar por conta própria se quisermos viver na velhice. E, se lá
as ideias coletivistas incomodavam, atualmente são as ideias socialistas que
ameaçam pôr abaixo os sonhos burgueses, por isso os discursos violentos contra
as mesmas, ao Foro de São Paulo e aos partidos de ideais socialistas.
A crueldade das medidas que mutilam
os direitos são amenizadas com palavras como, “transição” e “capitalização”. A
primeira visa anular as reações dos mais velhos e, a segunda, convencer os mais
jovens que eles têm a solução de capitalizarem-se para o futuro e, certamente,
quem estiver “capitalizado” estará com o futuro garantido.
De quando em quando voltam a lembrar
das velhas memórias sombrias e, por meio delas criam outras que induzem a não
reagir. A sombra da verdade tornou-se a verdade real que se sustenta pela
circulação da mentira. O mal foi invertido e aparece como bem. Isto tudo leva a
fortalecer a “amarga prudência”, de que os fracos são fracos e que não podem
fazer nada, apenas esperar a redenção.
É importante perceber que toda a
moral obscurantista que se molda a cada medida, vai criando, por meio do ódio e
da vingança, os desamparados do futuro. Como criados e rejeitados os filhos
bastardos no passado, teremos agora, os direitos, pela força das leis
“desassegurados”. No entanto, nunca é demais lembrar a indicação de que, “só o
povo salva o povo” e, em qualquer idade, sempre há esperança de fazer as
memórias sombrias se recolherem para o fundo do inconsciente.
Ademar
Bogo
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