A todo instante somos chamados a posicionar-nos sobre
aspetos pontuais. Os outros precisam saber o que pensamos, e nós, nem sabemos
bem o que pensar. A economia oscila entre o crescimento e a estagnação, às
vezes desce para a recessão. Na política a esquerda e a direita buscam ser de
centro para atraírem os mais conservadores, mas há diversas posições e
candidaturas que pregam divergências; no fundo pendem para a manutenção da
velha ordem. Nas religiões tudo é ainda mais confuso. Já não se embatem os
crentes e os ateus, mas os evangélicos e os comunistas. Os primeiros sentem-se
ameaçados por uma força que é contra o capital, tudo a ver com o pecado
original, mas daí achar que estão lutando contra um mal, já é demais.
Cotidianamente, de um modo ou de outro estamos nos atualizando.
Em grande medida, os problemas do passado se repetem no presente e as posições
mais apaixonadas geralmente são as mais equivocadas por serem também as menos
elaboradas. Marx, destacou que a luta de classes dos antigos desenvolvia-se
“principalmente sob a forma de credores e devedores”. Se tomarmos as palavras, crédito,
crentes e credores elas possuem o mesmo radical que compõe o “crer”; isto
talvez explique porque os personificados pelo capital especulativo, credor da
dívida pública, as empresas dos templos evangélicas e as forças do crime
organizado, uniram-se em torno do “mito da governabilidade”.
O filósofo Georg Lukács, identificou que uma parte da
sociedade leva uma vida econômica inteiramente parasitária e, usa o poder
econômico como uma mediação para manter a dominação. E por que exploradores e
setores explorados, separados na economia, na política colocam-se do mesmo
lado? A resposta pode ser dada de imediato, que a origem dessa junção das
partes está na falta de consciência da parte dominada.
Falta, no entanto, para completar o entendimento,
acrescentar na análise a categoria da totalidade. Por falta da visão do todo,
nas sociedades pré-capitalistas, os indivíduos não alcançavam ter uma
verdadeira consciência e os elementos fundamentais da organização e manutenção
da exploração, ficavam obscuros. Foi com o “Materialismo Histórico” que os
explorados puderam ter as condições intelectuais de desvendarem o funcionamento
da sociedade capitalista, desde a sua base econômica produtora da exploração,
às estruturas política, jurídica e ideológica.
De certo modo estamos no capitalismo, mas uma parte da
sociedade, principalmente, esta que se atrela à classe dominante e se sujeita a
ela, vive como se estivesse presa ao passado e, ao invés de ir em direção ao
entendimento da totalidade, prende-se às vociferações e particulares, como:
“Deus, pátria, família e propriedade”, deixando de lado a exploração e a
acumulação do capital, interesse a ser garantido pela estrutura estatal aos que
dominam.
Se as condições pré-capitalistas não permitiam a formação
da consciência de classe, não impediam, porém, que as religiões figurassem como
dominação moral. Esta visão anticomunista no presente, embora desde o início
tenha sido formada pela ideologia burguesa, sustenta-se, ao longo do tempo,
pelo pensar das religiões e dos meios de comunicação que praticam o obscurantismo
ideológico. Se ser burguês e anticomunista é uma obrigação de sobrevivência, no
entanto, como essa classe não se constitui de grandes contingentes, precisa do
apoio das massas religiosas. Sendo assim, estas sendo impedidas de terem acesso
ao Materialismo Histórico, são impedidas também de apreenderem a categoria da
totalidade e são facilmente amestradas e conduzidas como rebanhos.
O acesso ao Materialismo Histórico presente na teoria
social de Karl Marx, conduz à formação da consciência, porque desvenda a
totalidade e as particularidades das contradições e, por consequência, revela a
superação do capitalismo para a transição socialista e o comunismo. Essa teoria
social, no entanto, somente pode ser disseminada por forças conscientes
organizadas e intelectualizadas, dedicadas ao estudo das contradições com o
objetivo de tornar as ideias força de ações. Desgraçadamente, vivemos um tempo
avesso em que vemos multiplicarem-se as seitas religiosas e minguarem os
partidos revolucionários e as mobilizações sociais.
O investimento desesperado em campanhas eleitorais para
convencer o eleitor singular pertencente a um rebanho particular, contribui
para manter o distanciamento do entendimento da totalidade. Sendo assim, se for
promissor este intento, os convencidos a saírem do rebanho hoje, serão os
mesmos que, revoltados, voltarão voluntariamente para os currais amanhã.
As consciências acostumadas a verem apenas as
particularidades e não a totalidade, orientam-se pelos detalhes dos interesses
pessoais. Qualquer variação nos ganhos ou diante de uma promessa que oferece
mais, o suficiente para desconvencer-se. A importância de ter uma parte
consciente e organizada na sociedade é fundamental para propor, fazer e
sustentar as mudanças nas estruturas sociais. Se há décadas que não vemos a
História rumar para esta direção, é sinal que a inconsciência prevalece sobre a
consciência. Por isso, importante é observar o conteúdo dos discursos das
forças de esquerda, se elas ignoram a totalidade e atém-se ás promessas
particulares, estão mais próximas de também formarem seitas e rebanhos e muito
mais longe de proporem uma revolução.
Parece tão difícil sair da situação de retração e do
acovardamento atual, no entanto, as respostas podem estar à vista se soubermos
levantar a cabeça e vislumbrarmos a totalidade das contradições e transformarmos
esta visão em conteúdo de análise nas consciências individuais, aos poucos elas
serão unificadas e organizadas em torno de um propósito maior, deste prometer apenas
salvar os crentes obedientes.
Ademar
Bogo
Autor do livro: Parâmetro esquerdo
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