Há um pensamento atribuído ao filósofo
Plutarco que expressa a dependência humana da religião. Disse ele: “Viajando
poderás encontrar cidades sem muros e sem caracteres; sem rei e sem casas (!),
sem riquezas e sem uso da moeda, sem teatros e sem ginásios. Mas uma cidade sem
templos e sem deuses, que não faça preces, nem juramentos, nem divinizações,
nem sacrifícios, para obter o bem e afastar o mal, ninguém a viu nem a verá
jamais”.
Se já na antiguidade o conteúdo religioso
povoava a consciência social, com um forte alinhamento com a política, na
contemporaneidade isso foi ampliado em grandes dimensões e já não precisa ir de
cidade em cidade para perceber tal proliferação, basta mudar de esquina e
encontraremos um templo com um nome adequado aos interesses particulares de
criadores de seus próprios mitos.
Longe de igualar e depreciar as
instituições religiosas, isto porque, há àquelas que prezam pela coerência
teológica e pela conscientização. Na verdade o que deveria ser feito, seria
aprofundar os conceitos e as definições com o objetivo de separar o que é
religião e o que é mitologia.
O filósofo italiano Antonio Gramsci
considerou que as religiões são heterogêneas ideologicamente; assemelham-se ao
senso comum e ao folclore. Para ele, uma religião expressa “diversas outras
religiões”. “Há o catolicismo dos camponeses,
um catolicismo dos pequenos burgueses e dos operários urbanos, um catolicismo
dos intelectuais...” Poderíamos atualizar essa caracterização e acrescentarmos
a religião dos governantes, dos pastores, dos exploradores dos mais pobres, das
seitas imperialistas e tantas outras. Há diversos elementos que podemos extrair
do fenômeno religioso e suas vinculações econômicas, políticas e ideológicas.
Quando voltamos às atenções para a
política com seu formato de “democracia representativa”, facilmente percebemos
que não é possível alcançar um objetivo neste rumo, sem o contato direto com
indivíduos e grupos sociais. Em outros
tempos quando as organizações políticas e sociais reuniam grandes contingentes
de massas, as lideranças, não somente eram incentivadas a filiarem-se aos
partidos políticos, como também a candidatarem-se para os cargos eletivos, e
representarem posteriormente aquelas agremiações.
A junção da luta social com as disputas
eleitorais fazia sentido, quando se tomava como referência da análise que, as
lutas reinvindicatórias não alcançariam vitórias se do outro lado não houvesse
governantes sensíveis aos clamores sociais. O aparelhamento político, sindical
popular e também pastoral, era evidente, no entanto, objetivava-se alcançar
coletivamente a justiça social.
As encadeadas vitórias eleitorais alcançadas
por essa integração de forças mostraram a justeza das táticas adotadas;
afirmaram a importância da unidade na luta para garantir os direitos e alcançar
as conquistas desejadas. No entanto, o entusiasmo acentuado engoliu a
ingenuidade de acreditar que o Estado capitalista, criado para garantir a ordem
constitucional e assegurar os interesses do capital, poderia almejar o
bem-comum. Se as lideranças populares e sindicais chegaram aos mais altos
cargos da política e, as massas populares ao nível mais alto do poder de
mobilização, a ruptura com o sistema de exploração não aconteceu. E como qualquer
processo tem avanços e recuos, depois de um tempo em ascensão, ocorreu a desmobilização
e o enfraquecimento da articulação das forças históricas.
O retrocesso nem sempre elimina todas as
fortalezas construídas. Os princípios políticos e os valores morais
revolucionários aprendidos ficaram retidos nas consciências como pontos de fixações,
para onde a memória sempre convida a voltar e a retomar os desafios renegados.
Porém, como não há Estado sem poder e nem política sem forças mobilizadas,
outras referências foram construídas ao longo do tempo e formaram um senso
comum significativo.
Concretamente, na ausência significativa
da formação de entidades populares e sindicais, bem como o enfraquecimento das
lutas reinvindicatórias, com perfil de esquerda, proliferam os partidos
políticos de direita que, por necessidade de vínculo social, optaram pelas seitas
religiosas, atraindo os pastores e agentes dos setores marginais, para serem os
sujeitos da política representativa.
Diante destas duas observações, embora
com certa diluição, permanencem as referências estabelecidas pelos campos de
esquerda e direita e um não conseguiu anular o outro. No entanto, se para a
direita os aparelhos de cooptação foram atualizados e tecnicamente modificados
para mitificar a política com vínculos nas religiões, do lado da esquerda
permanece a lacuna entre a posição de classe e organização de classe e popular.
Diante
de tudo isso, podemos considerar que há pelo menos três formas de fazer política:
a primeira com boas intenções relacionadas sociais organizadas que preza pelos
valores civilizatórios. A segunda com más intenções transformando a alienação
em mitos, vinculado-os às presas mais acessíveis que são as seitas religiosas,
grupos extremistas e forças armadas voltadas para a repressão. Dentre elas, é
evidente que a primeira representa o mínimo desejável, no entanto, do ponto de
vista dos interesses da classe trabalhadora e das massas populares exploradas,
nenhuma delas pode ser aceitável.
Quando pensamos que nas disputas
eleitorais, as pesquisas valorizam a posição dos evangélicos e não e a posição
de classe, começamos a duvidar se já não estamos em um estágio avançado de
barbárie social irreversível. A perda do interesse organizativo e de
mobilização permanente é fruto das contradições formadas no próprio interior do
capitalismo, mas, lado a lado aos interesses vagueiam as ilusões, de que o
atalho eleitoral é o mais adequado para pôr fim ao pior estabelecido. A ingenuidade
não mata, mas é útil para aceitar a morte, atribuindo-a ao destino ou à vontade
de Deus.
Contra a essa ilusão parece haver apenas
a ameaça de golpe que um bufão na presidência, cada vez mais isolado, teima
questionar a idoneidade tecnológica das urnas, com as quais ele mesmo já foi
eleito. O capitalismo, o imperialismo, a exploração o domínio do capital etc.,
parecem já não incomodar tanto aqueles que no passado já defenderam o
socialismo.
É tempo de voltar a pôr a centralidade
na organização de classe e popular para suplantar os mitos sustentados pelas
religiões e pelo crime organizado.
Ademar
Bogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário