No livro, “Marx e a superação do Estado” que publicamos em 2018, pela Expressão Popular, procuramos mostrar que Marx e Engels para defenderem o processo de transição socialista tiveram de enfrentar as forças conservadores de direita e as ideias confusas do movimento operário da Europa. A primeira explicação mais organizada deu-se com a publicação do Manifesto do Partido Comunista, em janeiro de 1848. Apontaram ali três visões equivocadas do socialismo. A primeira, a mais atrasada, foi denominada de “socialismo feudal”; a segunda, “socialismo burguês” e, a terceira alimentava a perspectiva do “socialismo utópico”.
A critica às posições equivocadas sobre o socialismo
vinha sendo apresentadas pelos dois autores desde 1845, quando haviam escrito,
“A ideologia Alemã” e lá indicaram que, “O comunismo distingue-se de todos os
movimentos anteriores por transformar radicalmente o fundamento de todas as
relações de produção e de intercâmbio anteriores e por tratar conscientemente,
pela primeira vez, todos os pressupostos naturais como criação dos homens
anteriores, por despi-las da sua naturalidade e submetê-las ao poder dos
indivíduos associados”. Demonstraram
assim, que um processo de transformação somente se afirma se for capaz de se
diferenciar dos que não são e, para tanto, até mesmo o conceito precisa ser
diferenciado. Por tanto, mesmo sabendo que a transição seria socialista
afirmaram o comunismo como a referência estratégica.
Definir-se como socialista ou comunista, naquela época,
fazia muita diferença, como ainda hoje faz, embora sem as mesmas convicções.
Mal comparando os socialistas do passado comparam-se aos que defendem hoje as
mudanças pela via institucional e, os comunistas, aos que defendem a ruptura
pela via revolucionária.
Por que foi e ainda é importante a diferenciação entre as
concepções políticas? Pelo simples fato que muitas posições não visam conduzir
os processos para onde indicam as palavras. Dizer-se socialista na época de
Marx, como agora, não é uma posição a favor da superação do capitalismo e nem
tampouco significa provocar ruptura com a ordem estabelecida e mantida pelo
poder do capital. A defesa do comunismo por Marx e Engels afirmava o processo
constituído em três momentos: pré-revolucionário, no qual se desenvolveriam
todas as formas de luta; a tomada do poder pela insurreição das forças sociais
e a organização da “ditadura do proletariado” vista como a “associação dos
indivíduos” em torno de interesses revolucionários. No entanto, o socialismo
era visto como uma passagem; uma transição obrigatória; um tempo necessário
para fazer as “superações naturais” ou naturalizadas, tidas como normais na
sociedade capitalista.
Atualizando a hermenêutica conceitual, gritar hoje: “Viva
o socialismo!”, seria o mesmo que gritar: “Viva a transição!”. No entanto,
essas palavras deveriam fazer entender que elas resumem os três momentos:
processo de lutas, insurreição e organização das novas relações sociais e
políticas, rumo ao comunismo.
Se observarmos detalhadamente as proposições das
concepções socialistas: “feudal”, “burguês” e “utópica”, elas estão presente
nas forças políticas partidárias atuais, ocupadas com o pêndulo institucional,
o qual, para se mover deve ser empurrado
por duas forças de oposição: direita e esquerda. Ou seja, quando a direita
governa, faz de tudo, mas acaba empurrando o pêndulo para o lado oposto; o
mesmo ocorre com as forças de esquerda, quando governam empurram o pêndulo para
a antiga situação. Essa naturalização da política é a expressão da adorada
“democracia representativa” que legitima as inversões por meio do processo
eleitoral avesso à revolução.
O pêndulo político da “democracia representativa” no
Brasil, sem ser preciso, mas iniciado mais claramente em 2016, está indo do
centro esquerda para a extrema-direita que antes era oposição e ora é situação.
O movimento do pêndulo é importante simbolicamente porque ele nos indica que,
se o impulso de saída da esquerda com destino à extrema direita, iniciou-e com
um golpe, este já foi dado e por isso não cabe mais o discurso de que “o
governo prepara um golpe”, já vivemos nele. O que é não vem a ser o que é.
Para melhor entender e despertar para os posicionamento,
lembremos que o golpe de 1964 ocorreu com um assalto, a destituição dos
poderes e a intervenção das forças armadas em praticamente um dia de manobras.
Em 2016 o golpe foi desferido gradativamente sem destituição dos poderes e em
nome da legalidade. Aparentemente foi empossado o vice presidente para evitar o
desgaste da militarização. No entanto, para a “assessoria” do presidente do STF
foi destinado um general e outro para o Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República. O Congresso Nacional renovado, nunca ofereceu perigo,
com mais de uma centena de pedidos para abertura de processo contra o
presidente da República, nada é feito.
Mas, para além da comparação para a quebra e a manutenção
da legalidade do regime, há o processo gradativo e de método totalitário. Mesmo
na década de 1960, o processo de fechamento foi lento e levou praticamente
cinco anos (1964-1969), quando os Atos Institucionais impuseram a ordem
desejada. Deveu-se esse endurecimento às reações sociais e armadas. Na
atualidade a correlação de forças tornou-se favorável à extrema-direita e, por
essa razão, o processo de desconstrução da democracia institucional e
representativa, endeusada pela pequena-burguesia e concepções socialistas
reformistas, conforme já descritas, é mais lento, mas o golpe está em vigência,
assegurado pelas forças armadas, policias e milícias; como também, legitimada
socialmente por cerca de 25% da população favorável a um regime mais
totalitário, capaz de enfraquecer e punir a oposição.
Favoravelmente à autodefesa da institucionalidade, temos
a derrota de Ronald Trump e de Benjamin Netanyahu, bem como, algumas vitórias
eleitorais, mesmo que apertadas, em países vizinho, dando indicações de que o
Brasil seria “uma ilha” antidemocrática, se algo mais radicalizado venha ocorrer
no golpe iniciado em 1916. Mas o Brasil também é um continente e muitos
interesses externos precisam ser assegurados. Se aqui já foi o último reduto
oficial para abolir o trabalho escravo, porque não poderia ser uma exceção a
mais para um regime nazifascista, pinochista e totalitário?
De outro lado, a dispersão e confusão mental da
militância é enorme. Não há um ponto de apoio que seja comum para a iniciação
da construção do processo de transição verdadeiro. Isso se deve primeiramente à
tradição alimentada pelas posições socialistas conservadoras e
institucionalizadas da classe média. Qualquer iniciativa que aponte para além
do processo eleitoral é desmoralizada e pejorativamente qualificada como
“socialismo já”. Se fôssemos apenas socialistas, poderíamos classificar esses
detratores de “socialismo nunca”.
Fica evidente que, enquanto as forças de esquerda tiverem
chance de ganharem os governos não deixarão de seguir a linha das disputas
eleitorais dissociadas de outras formas de lutas que levem a questionar a ordem
capitalista. E, mais grave ainda, enquanto os partidos políticos forem
dirigidos pela classe média, não surgirá por meio deles o sujeito da revolução
e a forma de organização partidária não será atrativa para as novas gerações.
E a alternativa? Sempre nos perguntamos. A juventude
precisa ser educada para o comunismo para que se distancie das ilusões e
soluções conciliatórias. Ela própria terá de tomar em suas mãos o comando da
reação que preveja o mesmo processo de superação do capitalismo descoberto por
Marx, que se compõe dos três momentos interligados: Lutas de todas as formas;
insurreição e organização da transição socialista. Esses momentos precisam ser
tornados objetivos a serem alcançados.
Se o objetivo estiver estabelecido, todos os atos e ações
são válidos para alcançá-lo. Se o objetivo está claro, como diziam os
antepassados: “Todos os caminhos levam a Roma”, o principal é que se queira lá
chegar em um período estimado. Sabemos que reações virão. Já vemos que os povos
se levantarão. Só nos falta ver o horizonte.
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