O italiano Antônio Gramsci, vivido na primeira metade do século vinte, elaborou e discorreu mesmo na cadeia, sobre diversos temas que, vez em quando ressurgem atualizados como este da “Espontaneidade e direção consciente”.
Para ele “a espontaneidade pura não existe”, isto porque,
ela não funciona como na mecânica. No entanto, sendo o movimento espontâneo uma
característica das classes subalternas, o problema maior que ele traz em si é a
falta de uma “direção consciente”. Há muitíssimas formas de direção encarnadas
na espontaneidade das massas, mas nenhuma delas ultrapassa o nível da “ciência
popular”, ou se quisermos do “senso comum”; e é essa concepção de mundo que,
segundo Gramsci, se opõe ao marxismo.
Essa forma de fazer política equipara-se ao nível da
visão histórica do folclore e da feitiçaria convertidas em “ciência política”;
hoje podemos dizer ela se reduziu
às mensagens escritas nas redes sociais. Isto também, segundo Gramsci é
uma “teratologia”, ou seja, uma especialidade
médica que estuda as anomalias da gravidez. Mas a palavra nos inspira a
convertê-la em “teatrologia intelectual”, que seria o estudo da performance
teatral dos contextos conjunturais. Podemos citar como exemplo, a oscilação
para cima que teve ultimamente a aprovação do governo. E o que faz a
“teatrologia intelectual” contrária? Estuda o por que dessa performance de
direita das massas? A resposta é curta. Porque não existe espontaneidade
consciente. Para que haja consciência de massa de esquerda e, mais ainda,
revolucionária, precisa existir uma ou várias direções conscientes e
revolucionárias que estejam vinculadas, por ideias, propostas, objetivos, ações
etc., e não apenas programas assistenciais como aqueles que sustentaram o “lulismo”,
até o dia que o neo-fascismo ofereceu mais em dinheiro.
Diante disso é possível dizer que, estando as direções
“folclóricas” no nível do senso comum,
enquanto as reações espontâneas de descontentamento não acontecem, as mesmas
direções tidas como “conscientes” ficam inoperante, pois, não sabem o que fazer
senão “teatralizar” por meio de eventos políticos, mas que, pela repetição, tornam-se
folclóricos e ficam cada vez menos
atrativos, como é o caso das eleições. No passado elas empolgavam as massas
porque havia alguma recompensa imediata; agora, com as proibições de doações,
os currais eleitorais foram transferidos para o sistema virtual, no qual o
esforço reside no movimento dos contrários da informação: afirmar e desmentir.
A espera da espontaneidade, sem uma direção consciente e
capaz de orientar as massas, é o mesmo que parar e esperar pela própria morte.
Um exemplo bastante ilustrativo pode ser rememorado através das mobilizações de
2013 que ocorreram no Brasil. É verdade que, infladas pela mídia de direita e
dirigida pelas redes sociais e grupos neofascistas, conseguiram afastar os
partidos e os movimentos organizados dos postos de comando. É uma lição a ser
aprendida. A espontaneidade contribui para ambos os lados, direta e esquerda,
quando uma direção consciente se vincula, desde que as reações apontem para
recompensas ainda maiores daquelas imaginadas pela “ciência popular”.
Nisso, parece que,os “artistas da teatralização” que se
utilizam das ideias de Gramsci para fortalecer a concepção da “revolução
pacífica”, pela via eleitoral, esquecem de, como ele, fazerem a distinção entre elementos puramente “ideológicos” e
elementos da “ação prática”, entre a sustentação da espontaneidade como
“método” de transformação histórica, e os politiqueiros que sustentam a
espontaneidade como forma de fazer política no nível do senso comum.
Para os marxistas, em toda a História do capitalismo, as
crises econômicas são inevitáveis. Elas são criadas no próprio movimento de
ascensão do capital e, por isso, ninguém pode evitá-las. A orientação materialista
histórica sempre foi para que as forças revolucionárias estejam preparadas para
estes momentos de acasos.
No intrigante momento em que vivemos, no qual confluem
para o mesmo lugar, a mansidão das massas e a brutalidade das autoridades
governamentais, as forças de oposição encontram-se alijadas do processo. Por
quê? Só há um processo que alimenta em
si o movimento dialético de afirmação e desgaste. Não existe outro processo em
vias de avolumar-se para estabelecer um enfrentamento entre os elementos
contrários no movimento da totalidade da política. Ou seja, se há contradições
elas estão polarizadas no próprio governo e não entre o governo e uma reação
contrária de esquerda.
Confiando no desgaste político do governo, devido ao uso
de métodos que prezam pela “brutalidade vingativa”, e o descaso pela vida, as
forças de esquerda apoiam a agenda “humanitária”, como foi o caso da ajuda
emergencial, no entanto, cruza os braços em termos e não se move para elevar o
nível de consciência e organização das massas, que ainda guardam nos recantos
da memória, a dinâmica da troca assistencial do coronelismo, com um agravante,
de que, se antes as práticas coronelistas controlavam as massas em redutos
locais, agora, essa base ampliou-se para um controle coronelista federal.
Iludem-se aqueles que, pelo PT ter governado por 13 anos
o país, que isso seja, na memória social coletiva, um “patrimônio histórico”
indestrutível. Esquecer de considerar que esse patrimônio foi construído sobre
os ombros frágil de, um agora idoso líder chamado Lula, próximo a sair de cena,
fará cair o patamar da aceitação de outros indivíduos que não sejam da elite coronelista
ou representante dela, é desconsiderar o movimento dialético para trás.
A brutalidade coronelística nunca deixou de ser um método
eficiente de fazer política no Brasil. Por intermédio da memória da figura
paterna enérgica que se estendeu para o poder judiciário, vinculado a coação
jurídica e policial sobre os grandes contingentes populacionais empobrecidos e
perseguidos cotidianamente, a voz de uma autoridade forte, cria um sentimento
dúbio que mistura temor e admiração. Foi assim que os militares voltaram ao governo,
não apenas por seus méritos, mas também por conivência das forças de esquerda
que confiaram no Estado, no emprego e nos programas assistenciais, como eixos
da condução política. Estes são os mesmos eixos utilizados pelos capitalistas e
malfeitores que hoje governam o país.
Sendo assim, ao tirar de alguém as mediações daquilo que
ele sabe fazer, torna-se inútil. Na família ninguém gosta de pais inúteis,
assim como as massas não gostam de inúteis na política. É o que vemos
acontecendo com as esquerdas fora do governo, estão ficando cada vez mais
inutilizadas e, dento dos governos, concorrem para saber quem é mais eficiente
no embelezamento do capitalismo. Ou seja, aonde foi colocada a perspectiva de
transformação social?
Por fim, mansidão e truculência na política e na vida
social, não deveriam, mas podem não ser contraditórias e sim complementares.
Culturalmente, o patriarcalismo impôs o poder paterno; o machismo o poder do
macho; o capital o poder de exploração; o Estado o poder das leis; a religião o
poder moral; o racismo o poder do branco e, o coronelismo, o poder político. E
os defensores da política do senso comum querem desmanchar tudo isso com as esparsas
disputas eleitorais?
Conscientemente devemos acreditar que, a espontaneidade
que virá pela onda de reação das massas, não será favorável às esquerdas se
elas não assumirem agora uma posição que aponte para a superação do sistema que
gera a miséria, a fome, a doença, o analfabetismo, o autoritarismo, o fascismo,
o racismo, a exploração e a dominação capitalista. Emprego e política pública
são oferecimentos do descaramento daqueles que querem manter a ordem manejando
o Estado, por meio das disputas eleitorais. Faz parte da capacidade de uma
elite de esquerda que se profissionalizou alimentando as ideias do senso comum.
Essas ideias e essas forças devem desaparecer, se o marxismo voltar a ser a
verdadeira ciência dos movimentos revolucionários a serem com ela construído.
Ademar
Bogo
Excelente texto, parabéns!
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