O filósofo holandês Baruch Spinoza (1632-1677), ao tratar
“A servidão Humana ou a força dos afetos”, procurou dar atenção à razão,
mostrando que, “quem vive sob a condução da razão se esforça, tanto quanto
pode, por retribuir com amor ou generosidade, o ódio, a ira, o desprezo etc., de um outro para com ele”.
Do ponto de vista da bondade, o filósofo nos mostrar que,
quem se conduz racionalmente se esforça para não ser atingido pelos afetos
contrários, e poderíamos chamá-los de “irracionais”. Esse entendimento, de
forma simplória, nos apresenta um retrato da civilização contemporânea, que nos
levaria associar as duas denominações: “crise da razão” ou “derrota da razão”.
O período mais intenso do embate sobre a razão ocorreu
deu na modernidade. Os acertos feitos por Immanuel Kant pareciam ter pacificado
o conflito entre os racionalistas e os empiristas, mas, na medida em que a
ciência e a tecnologia ganharam expressão no âmbito da civilização capitalista,
o próprio emprego da razão, ao penetrar em todos os espaços, serviu mais à
competição e a concorrência do que aos cuidados e a formação da consciência
social, trazendo para os dias atuais, ondas de reações, irracionais, imorais e
anti-sociais.
Na contramão do que pensou Spinoza, a civilização
capitalista construiu relações que tornou vencedores aqueles que não se
conduzem puramente pela razão, mas sim, pela alienação. Portanto, aqueles que
deveriam retribuir generosidade para os outros que agem com ódio, ira e desprezo,
encontram-se exprimidos entre as paredes do senso comum cooptado e a exaltação
da tecnologia.
A superação repentina pela globalização das relações
estruturadas, orientadas pelas ideias bibliográficas, formadas pelas diferentes
concepções conservadoras, progressistas e revolucionárias, trouxe enormes
dificuldades para o aprofundamento do conhecimento. As redes sociais hoje
manobram, como diria o filósofo Hegel, os “espíritos”, fazendo que o tempos de
trabalho e de estudo sejam engolidos por um só tempo, o da superficialidade da informação.
O pensamento crítico, de reflexões profundas, diante das
multidões mal informadas, mas seguras de que “estão por dentro”, desfez-se das
categorias estruturantes das análises e voltou-se para esclarecer os efeitos,
em grande medida, fantasiados pela ideologia das classes dominantes que atuam
criando ondas de hegemonia por meio de conceitos que visam alimentar a falsa
guerra do bom contra o mal.
Dominada pela “democracia representativa”, a humanidade,
sob o domínio das redes sociais e da própria mídia tradicional, passou a
acreditar no oposto de que essa suposta conquista se opõe ao “totalitarismo”. Aristóteles,
na Antiga Grécia já havia igualado as duas formas de governo como sendo a mesma
coisa, “o governo de um” e “o governo de um grupo”.
A crise ou a derrota da razão levou ao domínio das forças
políticas e sociais obrigando-as a se colocarem diante do mesmo comando,
formado pelo capital produtivo, mas, principalmente pelo capital especulativo.
São esses dois senhores que, atordoados pelas sequentes crises, manejam as
servidões, em parte impositiva e, em maior parte voluntária.
Diante dos avanços tecnológicos, nos encontramos
atordoados pelo dilema do “quefazer”. Aparentemente revivemos os tempos do
início da revolução industrial inglesa, quando os operários, ao verem os
empregos sendo suprimidos pela presença das máquinas, sem sucesso, optaram por
destruí-las. Nosso dilema é ainda maior porque a intervenção tecnológica não
desarruma apenas o mundo do trabalho, mas também a ordem das organizações e a
capacidade das ideias para enfrentar a alienação cultural dominante.
É uma “engenharia do caos” como disse Giuliano da Empoli,
que cria e manobra as circunstâncias de fazer com que o mal venha para o bem.
Ou não é? O que está ocorrendo no Brasil hoje é o espelho de que as
perversidades e ofensas são relevadas quando se dá a recompensa. A mais de uma
centena de mortos na pandemia, não abalou, pelo contrário, melhorou a aprovação
do governo, isto porque, a ajuda emergencial para uma massa sem consciência
critica, leva a compreender que, sem o pior presidente seria ainda pior viver
neste malfadado tempo.
As saídas? Muitos são que as procuram sem ainda chegar ao
ponto da reação. Muitos outros não procuram porque seguem com a agenda posta
pelos senhores da ordem dominante. No entanto, é importante, antes de qualquer
coisa, voltar-se para o entendimento da razão contemporânea, como fizeram Marx
e Engels em 1845, quando interpretaram “A ideologia alemã” e estabeleceram ali
os fundamentos do Materialismo Histórico. Isto porque, não haverá mudanças
sociais revolucionárias, sem que as forças sociais se tornem revolucionárias e,
uma revolução só ocorre quando houver consciência de sua condução.
A derrota do capitalismo virá também, se houver no mesmo
movimento a derrota do espiritualismo, do moralismo e do ilusionismo. O resgate
da razão permitirá a correta orientação das ações desencadeadas pelas forças
que suplantarão o capital e o Estado. A nova ordem afirmar-se-á pelas diversas
negações que hoje afirmam a servidão.
Ademar
Bogo
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