Desde que Pitágoras, quando foi
qualificado como “sábio”, e prontamente corrigiu a atribuição: “sábio não,
amante do conhecimento” é que a Filosofia passou a fazer parte da vida e da
morte da humanidade.
É verdade que o “amor ao
conhecimento” não se prende apenas à Filosofia. Qualquer forma de conhecimento
exige dedicação, empenho, gosto e persistência para que se realize. No entanto,
sem a Filosofia, não apenas os motivos do conhecimento fica comprometido como
também os sentidos que nos levam a cultivá-los.
Conhecer é desvendar aquilo que a
aparência esconde. Queremos a essência, por isso buscamos sem cessar, por meio
de cálculos matemáticos, pesquisas comprovadoras de hipóteses que, com a
experimentação consolidam a revelação do até então desconhecido. Sabe para onde
nos conduzem as ideias, por que pensamos e acreditamos em certas verdades e não
em outras, é fundamental.
Visto dessa maneira, o “amor ao
conhecimento” não compete apenas aos filósofos, mas a todos aqueles que buscam
responsavelmente melhorar o mundo. No entanto, sem a filosofia, a ciência perde
o juízo; a tecnologia perde o respeito e a política, a humanização.
Desde a antiguidade a humanidade
aprendeu a conviver com duas correntes filosóficas denominadas de idealismo e
materialismo e, até os nossos dias, mesmo sem perceber, pensamos e agimos
baseados nesses fundamentos. De tempos em tempos essas duas formas de pensar e
ver a realidade, mudam de nome, como por exemplo, o realismo de Aristóteles
frente o idealismo de Platão. Na modernidade, o “empirismo” de Francis Bacon,
frente o “inatismo” de Renné Descartes. Na contemporaneidade o obscurantismo
totalitário, contra o marxismo, o que simploriamente na política cotidiana se
denomina de direita e esquerda. Vejamos concretamente como essas formas de
conhecer se diferenciam.
Para os pensadores da direita atrasada, ou extrema direita, a sociedade existe, no entanto o funcionamento
da mesma é vista de maneira natural como se a evolução se desse somente pela
manutenção da ordem estabelecida. Para eles, a parte dinâmica da sociedade é
aquela que traz resultados práticos, como o crescimento do Produto Interno
Bruto (PIB) e a arrecadação de impostos. No mais tudo continua estático, seja
na lógica da organização da produção econômica, seja na administração das
instituições do Estado.
Para essa visão, os problemas
sociais e as catástrofes naturais, não se relacionam entre si, cada qual tem a
sua causa e devem ser tratados isoladamente desvinculados do processo
histórico. Logo, usam do mesmo raciocínio para explicar uma epidemia de dengue
e o problema da violência, “cada caso é um caso”. No final, as vítimas se
transformam em números e as medidas tomadas momentaneamente servem para
naturalizar os próximos acontecimentos. Nesse sentido, a pessoa humana tem pouca
importância para essa visão; valem as estruturas de poder e os resultados
alcançados pelas medidas tomadas isoladamente.
Vendo a sociedade pelas estruturas
econômicas que funcionam naturalmente pelas leis tendenciais do capitalismo e
as estruturas políticas e jurídicas que cuidam da administração e da coação da
parte “perigosa” da sociedade, no caso brasileiro: os pobres, os negros, os
gays, os índios, os trabalhadores sem-terra e outros, para os conservadores não
há necessidade do conhecimento, basta um indivíduo que mande, um juiz que
formule leis para que o parlamento aprove e, as forças de repressão preparadas
para manter a ordem, tendo como reforço as milícias particulares e parte da
população interessada em consumir armas no mercado ilusório da segurança. Daí
cortar 30% do orçamento das universidades é tão tranquilo para eles, como
passar um risco de caneta sobre um número.
Chegamos então no ponto explicativo
do porque a Filosofia, a Sociologia e a Antropologia, as Ciências Políticas, e
a História, para essa visão conservadora, não são áreas necessárias para o conhecimento
humano e, quanto a isto não há novidade alguma. Se quisermos podemos recorrer à
História do colonialismo e veremos que alguns poucos privilegiados eram levados
para a Europa para estudarem principalmente Direito. As primeiras faculdades
criadas no Brasil foram: a Escola de Cirurgia em 1808, na Bahia, e a faculdades
de Direito em 1827, em São Paulo e Olinda em Pernambuco.
Para essa visão, governar, significa
reduzir os “excessos” e, nesse caso, o excesso é a quantidade de estudantes nas
universidades que chega a apenas 8,5 milhões; por isso os cortes no orçamento,
e a condenação de cursos de Filosofia e Sociologia, inicialmente, é a
demonstração clara da quantidade mínima de indivíduos que deve ter acesso ao
conhecimento universitário. O mesmo tratamento tivemos na Ditadura Militar
ocorrida no Brasil de 1964-1985, quando, não apenas esses cursos foram
proibidos, como também muitos professores dos mesmos foram perseguidos e
exilados, livros censurados e retirados de circulação.
A outra visão, fundamentada no
materialismo compreende de forma diferente e coloca como elemento essencial da
evolução a História, na os elementos estruturais e conjunturais se articulam. O
“sujeito histórico” não é a estrutura econômica nem o Estado, mas o ser humano
que, ao transformar a natureza ao mesmo tempo transforma a si próprio e os seus
semelhantes, porque reflete e age na mesma direção.
Para essa forma anti demência de
pensar, um problema social faz parte dos problemas estruturais. Não há como
solucioná-los sem que se interfira sobre o dinamismo do progresso e a ordem
capitalista. Os problemas têm causas que se utilizam das consequências para se
manifestarem, por isso não há separação entre as formas de produção e a
preservação do ambiente, a contaminação da água e dos alimentos e as doenças
físicas e mentais.
Condenar o pensamento filosófico
crítico é como dirigir à noite com os faróis apagados. O motorista, um
verdadeiro estruturalista, imagina que a estrada não muda de lugar, e por isso
confia no vulto para manter a direção. Nessa situação, certamente poderá seguir
por alguns metros quando sairá da estrada e acidentará, não apenas a si mesmo,
mas todos aqueles que vão com ele no veículo. Em se tratando de um veículo o
motorista sacrificará poucas pessoas, em se tratando de um país, o governante
sacrificará toda a nação.
Não é verdade que a anulação dos
cursos de Filosofia e Sociologia se deve ao “não retorno imediato ao
contribuinte”, isto porque, entre os 13 milhões desempregados somando aqueles
que possuem o ensino médio completo até a graduação, chega-se ao número de 31,7%
dos trabalhadores que querem dar retorno ao contribuinte, mas o sistema não
permite.
Os regimes totalitários se afirmam
sempre sobre dois pilares: a ignorância dos dominados e a truculência do poder.
Por isso, não existe totalitarismo sem obscurantismo, são as duas pernas dos
regimes que se fortalecem em períodos de profundas crises econômicas,
políticas, sociais e morais.
O movimento contrário à demência, e para manter a filosofia viva, a solução é a mobilização universitária junto com
o empenho educativo de transformar os problemas sociais em problemas filosóficos,
aprendendo e ensinando a perguntar e a debater: O que é segurança? O que é conhecimento? O
que é democracia? O que é justiça? O que é liberdade? O que é pobreza? O que é
transformação? O que é educação? O que é governar? E tantas outras questões que
surpreendem as conversas sem conteúdo.
Ademar
Bogo
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