Compreende-se por mito, uma narração que
afirma a criação de algo estranho feito de qualquer natureza, e que, além de si
próprio, origina também certos efeitos que ganham muita força enquanto não são
esclarecidos.
São as palavras ditas
para um determinado público que formam o mito. Por isso, ele se afirma pela oralidade
vinda do narrador que, com sua própria voz, cria expectativas incontroláveis no modo de pensar.
No entanto, o mito só faz história enquanto se fizer temer ou admirar pelas crendices
produzidas nas consciências ingênuas ou interesseiras. Para tanto, precisa que
a mesma versão sobre os seus poderes seja recontada muitíssimas vezes e, se
possível, sempre com acréscimos que o torne ainda mais temido ou admirado.
Por sua vez, o mito enfrenta dois
grandes dilemas para se garantir existindo: o esclarecimento da verdade e a
depreciação de seu poder. O primeiro diz respeito aos avanços dos conhecimentos.
O conhecimento é a força da verdade que esvazia o mito de seu conteúdo
promissor ou ameaçador. O segundo problema diz à depreciação do poder do mito
que não consegue praticar aquilo que a narrativa prometeu. Neste caso, as palavras vão
perdendo a rigidez. A força de intimidação não encontra as ações correspondentes
para alimentar a grandiosidade imaginada e, aos poucos, os atributos positivos
tornam-se defeitos.
Ao perceber que a sua força converte-se em fraqueza, mais fraca que
a força dos próprios criadores e mais desmoralizada que a imagem dos oponentes difamados, o mito depara-se com a verdade e, uma profunda dúvida penetra o seu crânio esvaziado: "será que me fizeram preparado para essa função?"
Produzido pela oralidade o mito não
gosta de nada escrito, para não ter nenhum programa a seguir. Ele é então uma
ideologia mentirosa. Mente para esconder a sua incapacidade de pensar e agir.
Quando pensa, erra; quando age, mais destrói do que constrói.
Um mito no passado era mais
duradouro do que um mito do presente. Na Antiga Grécia todas as coisas e seres
existiam por causa das intimidades entre os deuses e as pessoas que chegavam a
ter relações sexuais entre si. Agora não, os deuses foram
substituídos pela figura loira do imperador e as relações não são imaginárias, mas reais.
Por outro lado, internamente, a homoafetividade, a educação, o desarmamento,
os radares, a aposentadoria, a urna eletrônica e, até a soberania nacional,
passaram ser coisas e relações incômodas, que o mito procura desestruturar com a sua
esferográfica.
O mito do presente também vive da
própria oralidade sua e de seus ajudantes. Se muito falam pouco escrevem e,
quando escrevem brigam com as palavras. Confundem “cheque” com “xeque”. Acertam
quando oferecem os cheques preenchidos para pagarem a dívida pública, liberar
emendas e outros pagamentos emendados. Erram quando dão ultimatos, “xeque mate”
nos direitos sociais.
O mito não sabe separar o certo do
errado; usa os próprios critérios para as classificações. Acha que a ditadura
militar é a nova política e, a velha política é a democracia, sendo que, na
História da humanidade os impérios interventores sempre foram os mais
duradouros.
Não tendo escrita, o mito valoriza
os palavrões e despreza a educação. Para ele, como as labaredas que saem das narinas do dragão, as armas de fogo educam e defendem. O
professor deve pôr sobre a mesa um livro e um revólver, que é para os alunos se
sentirem seguros da violência. O revólver é a “nova
palmatória”, que não bate, mas intimida e, se precisar, atira para matar.
Como
o diabo que teme a água benta, o mito teme as ideias criticas, porque, com as ideias vêm
as ações. As ideias formam as consciências e as ações derrubam os pedestais.Surgem então os dilemas do mito: insurgir-se ou implodir-se. Para insurgir-se, precisa produzir atos de violência e ignorância. Para implodir-se precisa admitir que de fato foi uma ilusão que nasceu para morrer rapidamente.
Mitologia é uma invenção perigosa do passado
recriada no presente. O mito sempre é uma ilusão acordada que desperta com
uma promessa verbal encantadora.
De outro lado, é preciso acreditar na força iluminada que desvenda as impossibilidades de uma mentira dar a luz a um libertador. Como disse o filósofo Nietzsche, “Ontem a Lua,
ao nascer, pareceu-me que ia dar a luz a um Sol...”. Não deu, porque o Sol já
havia nascido e, com a sua luz iluminou o caminho a seguir
derretendo o mito feito pelas ilusões mentirosas.
Ademar
Bogo
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