Freud nos disse que há três profissões
difíceis: educar, curar e governar. As razões para tais dificuldades são
múltiplas, dentre elas, a necessidade de estabelecer relações entre sujeitos
que, dominados pelos instintos agressivos contra as pessoas, fazem com que a
civilização para se preservar precise impor limites e manter as manifestações
dos homens sob controle. Portanto, a inclinação para a agressão constitui em qualquer
indivíduo, uma disposição instintiva original e auto-subsistente que aparece naturalmente.
Para corroborar com a teoria freudiana,
tomemos os instintos vingativos, ligados aos comportamentos individuais e
sociais, relacionando-os com o mundo do Direito e da justiça, para compreendermos
os instintos punitivos contra as pessoas. A primeira disposição instintiva para
a agressão está relacionada ao direito do direito justo que o acusado tem. No
entanto, essa forma de pensar não corresponde ao entendimento das vitimas ou de
seu círculo social mais próximo, isto porque, se dependesse deles, haveria
linchamento direto e não o julgamento. A segunda disposição de agressão instintiva
refere-se ao condenado que, por direito, deve pagar a dívida com a sociedade na
prisão e depois reintegrar-se a ela. Nessa direção, já descrevemos em outros
estudos que, quem gosta do presidiário é a família, a sociedade em geral, torce
para que ele permaneça na prisão nas piores condições possíveis e nunca mais
saia de lá.
Essa “pobreza psicológica” diria
Freud, têm origem na formação do comportamento cultural que veio se formando
desde a antiguidade, quando mal se entendia a criança “como gente” e que devia
ser educada em casa com palmadas. Com o avanço da civilização, melhoraram as garantias
jurídicas e, no processo educativo, alguns desses instintos foram sublimados, mas
não eliminados, podem voltar a qualquer momento como instintos violentos na casa em que cada indivíduo vive. Mas,
é evidente que, pela vontade de muitos pais, governantes e maus educadores,
jamais largariam a vara e a palmatória.
A “pobreza psicológica” imagina que,
mesmo existindo diversas leis coercitivas, pode prosseguir a violência contra a
mulher, como se a relação afetiva tivesse o seu braço afetivo ligado à
ignorância e à brutalidade; contra índios, negros, pobres e LGBTTI. como se
fossem seres não merecedores da vida em sociedade.
A tradição da “pobreza psicológica” tem
também na violência política a sua transmissão na crise sistêmica, Nero culpou
os primeiros cristãos; na inquisição foram culpados os hereges; os liberais em
1848 culparam Karl Marx e os socialistas; Hitler culpou os judeus; as ditaduras
nas Américas a partir da década de 1950 culparam os comunistas e, na atualidade, os
novos golpistas subservientes ao império, culpam os socialistas, Paulo Freire, os
professores e os petistas.
A presença dos instintos punitivos
que compõem a “pobreza psicológica” das forças de direita, faz surgir a motivação
para que seja instaurado um processo judicial, mesmo sem provas. Após a
condenação, convocam a força policial para que ela dê as lições merecidas por
meio do uso legítimo da força. Para a parte que goza de consciência e
sentimentos de solidariedade, é um martírio infindável; para a parte que goza
da “pobreza psicológica”, surge uma mistura de desejo e de prazer de ver ou saber que
um desafeto ou qualquer sujeito fora do circulo de relações pessoais, esteja
preso ou morto.
No momento político atual, a extrema
crise do capitalismo, faz com que as atenções se voltem contra os socialistas
e não contra não contra a concentração da riqueza, da exploração produtiva e do
capital especulativo. Para as forças progressistas e socialistas, bastante
desgastadas, pelo espírito tolerante em não fazer
uso do “instinto punitivo” contra a concentração da riqueza quando estiveram no
governo, a saída para a crise do capitalismo é o socialismo. No entanto, para a
maioria da população, com a ajuda de parte significativa dos que votaram nas
forças de esquerda nas últimas eleições é a força militar. Os dados mostram que,
enquanto os militares têm 66% de aceitação, os partidos políticos possuem
apenas 7% de apoio da opinião pública.
A leitura da realidade feita pelos olhos
da população influenciada ou não pela mídia oficial é de que, para “acertar o
Brasil” precisa usar a justiça, a polícia e a violência, dando aos que são
contra, o mesmo tratamento dado aos presidiários. Foi sem dúvida nenhuma, a
formação do “instinto punitivo” criado pela “pobreza psicológica” das forças de
direita que, a partir de 2014, causou os dois fenômenos em vigor: o reencontro
com os militares e o desencontro com as forças socialistas que, se mantém, no
Brasil, com um grau significativo de admiração, devido ao carisma do
ex-presidente Lula.
Para as forças honestas e
resistentes é de bom tom compreender que, a curto prazo, o “instinto punitivo”
de direita e as forças que as
representam, levam vantagem e, os socialistas estão em desvantagem para
implementarem o “instinto punitivo” contra a concentração da riqueza e não
contra as pessoas.
Por outro lado, a maturidade
política e a consciência criativa indicam que a vantagem imediata não significa
solução à vista para a crise, nem uma vitória estratégica para quem está no
governo. Para que os militares no governo, eleitos pelo sentimento punitivo
contra os socialistas, manterem a popularidade, precisam fazer crescer a
economia, o que não será possível em prazo algum. Logo, para sustentarem-se no
poder, terão que fazer uso do “instinto punitivo” contra as massas e
generalizar a repressão. E, a repressão sem admiração, não perdura por muito
tempo. A repressão que os admiradores das forças militares querem é essa que,
as seis horas da manhã a policia Federal esteja na porta da casa de um de seus
desafetos e que, imediatamente, o ato se transforme em notícia nas redes sociais.
Sendo que as alternativas da
sustentação da ordem pelo crescimento econômico é pouco provável e, pela repressão
generalizada é inviável, resta para os defensores do golpismo,o fracasso.
Olhando bem de perto, o capitalismo não tem mais fôlego de renovação nos
parâmetros terrestres e jamais poderá gerar um novo “bem-estar social” para
agradar as massas. As novas fábricas que poderão vir a ser instaladas para
produzirem mercadorias, serão as fabricas de armas que não elevam a qualidade
de vida de ninguém. Mesmo com a probabilidade de chegarmos em 2030 com 9
bilhões de habitantes sobre a terra, não há mais lugar para o crescimento do
consumo e, sem isto, não há milagres, o processo produtivo estará submetido aos
movimentos do capital especulativo. Pelo lado da repressão, também não há
futuro, a população odeia os ditadores, principalmente os que não possuem
carisma algum para exercerem o comando da política.
Nesse sentido, mesmo estando
temporariamente desorientadas, as forças socialistas têm o tempo a seu favor.
Precisam apenas recompor a autoridade perdida e mostrar por meio da
agitação e da propaganda, que o “instinto punitivo” não deve se voltar contra
as pessoas, mas contra a riqueza concentrada. A única solução dos problemas sociais está na distribuição
da riqueza por meio da ação que organizará um sistema que impeça de que ela venha
novamente a se concentrar.
Para isso é preciso desapaixonar-se
das disputas eleitorais, mesmo que essa tática venha a ser utilizada, mas ela
não possui força suficiente para inverter a ordem econômica. Isto remete a ter
que pensar como reconstruir a identidade socialista, que se preocupe com a
humanização e não com a truculência e a força. Recompor o programa, a moral, e
desenvolver a consciência socialista, são as tarefas do momento.
Enquanto
segue o tempo de poucas vitórias, o esforço deve ser o de construir diques que
esvaziem as cheias da popularidade enganadora do Estado policial, combinado com
o desgaste político internacional. Façamos esse favor às forças de direita que
lutam contra o fantasma do socialismo, que mesmo decaído é maior que a
competência rasa daqueles que hoje governam.
A democracia para as forças de
direita é como um utensílio: serve enquanto dele se servem; em caso de risco,
ela mesma é a primeira a romper com a ordem dominante como fez em 2016. Não é certo que esse
instinto punitivo fechará o Congresso Nacional, mas já colocaram uma tranca na porta
do poder judiciário que há tempos sustenta os pilares do Estado policial. Mas, se
há poderes que se formam a favor da ordem, como este que vemos se fortalecer a
cada dia; há outros que se formam contra a ordem baseados nas forças
populares que escolhem o caminho da contestação propositiva. Os golpista que
ora ceifam os campos, descuidados com as palhas secas que espalham sobe a terra,
podem ser surpreendidos por uma fagulha acesa, como por exemplo, uma das 83
balas incandescentes disparadas contra o carro de uma família a passeio no Rio de Janeiro, e
iniciar assim um incêndio incontrolável.
Ademar
Bogo
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