O filósofo Aristóteles definiu a
tragédia como sendo a imitação de uma ação importante de grande extensão e que
pode ser representada por atores que motivam o sentimento de compaixão e de
terror, tendo como efeito, sobre os que assistem a purgação das culpas. Ou
seja, a tragédia é um recurso pedagógico para fazer refletir sobre as culpas e
os dilemas sociais e humanos.
Assistir uma apresentação sob a
forma de tragédia, em primeiro lugar, tem-se contato com o dilema humanitário e,
em segundo lugar, o contato permite reconhecer as culpas e os culpados.
A diferença entre as tragédias
antigas e as atuais é que, as primeiras referenciavam-se nos comportamentos
políticos e morais, como é o caso da tragédia em que envolveu Antígona em 406
a.C. As de hoje envolvem sujeitos sociais em grandes quantidades, nações
imperiais e detentores do capital.
Antígona era filha de Édipo (aquele
que matou o pai e casou com a mãe tendo com ela 4 filhos, dois homens e duas
mulheres). Na ocasião o rei Creonte havia publicado uma lei, impondo que, quem
empreendesse qualquer ação contra a cidade, morrendo, não poderia ser sepultado
dignamente. O irmão de Antígona teve este triste fim e, ela, noiva do filho do
rei decidiu ir e enterrá-lo. Foi por isso perseguida, presa e condenada a
morrer trancada numa tumba. O noivo interferiu, mas o rei não se convenceu. O
rapaz envergonhado suicidou-se e levou ao suicídio também a sua mãe.
Por ser uma peça lendária, os
figurantes em cena imitavam o mito elaborado, nesse episódio por Sófocles. Na
atualidade, as próprias tragédias imitam a si mesmas e, entre si se representam.
Como se encenassem os acontecimentos em sequência, tendo o agravante de o último
(como o de Brumadinho, no palco da mineração brasileira), ser ainda mais grave
que os primeiros.
As tragédias da mineração brasileira iniciaram
ainda no século XVII, com as conhecidas “Entradas e Bandeiras”, que exploravam
a força escrava nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. A busca
enlouquecida pelo ouro, no século XVIII, criou conflitos como o da “Guerra dos
Emboabas” nos anos de 1707-1709, quando paulistas lutaram contra os portugueses
e os novos imigrantes europeus que vinham para estraçalhar o que encontrassem
pela frente.
No século XX, a partir de 1930, com
a industrialização, as técnicas rudimentares começaram a ser substituídas e, a
partir de 1990, com a globalização, as mineradoras norteamericanas e canadenses
(as novas emboabas) apressaram-se em se apropriar do que tínhamos de mais
rentável no setor, abocanhando por primeiro a Companhia Vale do Rio Doce
fundada em 1942.
A Vale foi privatizada pelo governo
de Fernando Henrique Cardoso no ano de 1997 pelo valor de R$ 3,4 Bilhões de Reais.
Na verdade, esse valor foi financiado pelo dinheiro brasileiro do BNDES. De lá
para cá, antes da tragédia de Brumadinho, a empresa tinha, um valor de mercado de R$ 304.914 Bilhões de Reais e,
só no ano de 2017, obteve um lucro para dividir entre os seus acionistas, de R$
17,7 Bilhões de Reais.
Esses dados nos revelam, em primeira mão,
o conteúdo do conceito obscurecido pela “globalização” daquilo que se chama
pelo nome de “imperialismo”. No entanto, o imperialismo não é apenas um nome, é
um processo exigido pelo capital quando cresce em um país e precisa de mais espaço
para se desenvolver. Nasce no momento em que o capitalista cumpre o papel de
levar o capital para outros países.
Para entrar em outros países, o capital
exige que seja elaborada uma legislação que o favoreça. É nesse momento que
entram em ação os representantes da tragédia política e relativizem tudo:
liberam os investimento, as privatizações, os financiamentos, a redução de
impostos, o licenciamento ambiental, a vigilância aos crimes ambientais etc.
Esse processo, que poderíamos chamá-lo
de “intrometimento externo” é feito de forma “pacífica”, em países de governos
subservientes. Em países com governos resistentes. o capital imperialista se
comporta como o lobo que quer comer o cordeiro preso em uma jaula. Para fazê-lo
ceder, vai arrancando-lhes os pedaços por meio de golpes ou, se necessário, com
a própria guerra.
Para as populações que assistem a
morte da soberania de seus países, no caso brasileiro, as famílias das vítimas
de Brumadinho ficam na impossibilidade de enterrarem dignamente os seus mortos,
justamente porque não conseguem ter acesso a eles.
Quando ocorrem as encenações
trágicas feitas pela própria natureza importunada, os capitalistas noticiam
como sendo um acidente com vítimas. Lamentam mais pelos prejuízos do que pelas
vidas assassinadas e prometem algumas modificações no sistema. É ignorando as
tragédias permanentes que os defensores das relações com o imperialismo
justificam que o “capitalismo dá certo”. É com a desorganização política que as
populações nacionais permitem que outras tragédias voltem acontecer.
Não nos iludamos, as brutalidades
praticadas contra a natureza e as vidas humanas que iniciaram, com as Entradas e
Bandeiras continuarão. A corrida em busca de minérios e petróleo, feita por milhares de
empresas, preparam novas tragédias. Com as tragédias os exploradores nada
aprendem porque, as lições e os ensinamentos são para aqueles que, assumindo a
culpa se propõem a mudar. O capital não muda porque, as leis que regulam o seu crescimento
precisam: do roubo, do saque, da exploração e dos crimes.
O caminho é outro. Os “cordeiros”,
que assistimos as tragédias e purgamos as culpas pelos passos mal dados pela
civilização, precisamos acreditar que há outro destino para a humanidade que
não este de ter que lutar apenas pelo direito de enterrar os mortos. A vida
segue e com ela a luta confortará o luto. Ademar
Bogo
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