O filósofo Alemão Jürgen Habermas,
estudioso que trata dos “atos de fala”, diz que eles podem ser distinguidos por
duas características básicas: aqueles que se interpretam a si mesmos ao serem
expressos pela fala, e aqueles que só podem ser interpretados pelo recurso do
entendimento humano da ideia que habita o interior de tais atos.
O ato de falar se constitui em ato
de fazer, principalmente quando ordena ou indica para uma ação. Dizer é fazer
disse o britânico John Austin, exemplificando com situações muito práticas: quando digo diante do juiz ou no altar que “aceito”, não estou relatando um
casamento, mas, estou me casando.
É evidente que certos atos de fala
trazem a interpretação em si mesmos enquanto outros precisam estar relacionados
a um contexto, isto porque, se digo: “aceito” diante de um professor, de um médico
ou de um carpinteiro, esse ato de fala não tem o poder da realização matrimonial.
No entanto, há outros atos de fala que esperam propositadamente que se forme o
contexto para então serem validados.
Na campanha eleitoral de 2018 para
presidente da república, os atos de fala homofóbicos, serviam como ordens para
matar, e funcionaram, em certas ocasiões, semelhantemente ao “aceito” do ato
matrimonial. Quando isso ocorreu, facilmente podíamos perceber que a violência
contra LGBTs, índios, jovens, mulheres etc. poderiam ser
violentadas e abatidas livremente e a simbologia era a promessa da liberação da posse
de armas.
Por outro lado, há atos que esperam
pela formação do contexto adequado para que as palavras e as ações se combinem.
Há muitíssimos exemplos para ilustrar essa situação em vista dos discursos. Como
ilustração citaremos dois atos: um brasileiro e outro muito próximo de ser.
O primeiro ato se refere ao Ministro
da Justiça que enviou, no início do mês de fevereiro de 2019, para o Congresso Nacional brasileiro um “pacote
anticrime”; com um projeto de lei do qual consta o “excludente de ilicitude”,
ou seja, se um policial matar um indivíduo e justificar, “escusável medo,
surpresa ou violenta emoção” não será punido. O que seria cada uma dessas
justificativas que alegam o medo, a surpresa ou uma forte emoção em separado ou
todas juntas?
Uma “forte emoção” pode ser o
disparo de um tiro pela arma de fogo que o policial carrega consigo ou uma
sequência de disparos. A “surpresa” pode ser, de repente, o indivíduo escondido
vir a tornar-se um alvo visível e, por “medo” que este indivíduo esboce alguma
reação, o policial disparar contra ele. Quem conseguirá medir o teor de tal emoção, medo ou
sensação de surpresa, na subjetividade de cada policial?
O projeto de lei, portanto, realiza
aquilo que o ato de fala da campanha eleitoral, vinha contextualizando pela
expressão da frase: “Bandido bom é bandido morto”; mas que ainda não podia ser
realizado por falta de autorização jurídica. Os preparativos foram sendo intensificados
até que, por intermédio da aprovação da lei, provavelmente se estenderá também
para o cidadão comum, com a posse e o porte de arma, o “direito” de matar uma
pessoa e alegar “excludente de ilicitude”:"Eu estava muito emocionado e com medo e atirei".
O segundo caso trata da “ajuda
humanitária” na Venezuela inventada pelo governo dos Estados Unidos, mas que
envolve o Brasil e a Colômbia como serviçais do império. Trata-se também de uma
ação antes preparada no contesto de “criar a crise humanitária” para depois
forjar uma ação de intervenção.
As atitudes dos governos do Império
do Norte das Américas, se desmentem por serem muito previsíveis; no entanto,
cuidadosamente preparadas. Se tomarmos as mais expressivas intervenções dos Estados
Unidos no formato de guerras contra os povos, iniciamos pela armação
orquestrada contra Saddan Hussein e as mentirosas armas químicas por ele
produzidas, bem como o “desrespeito aos direitos humanos”, que levaram à
guerra, deposição e enforcamento do presidente daquele país.
Em 2011, foi a vez da Líbia. Com uma
estratégia divisionista da população, semelhantemente ao que ocorre na
atualidade na Venezuela, o país governado por Kadafi, foi cercado, bombardeado e,
enquanto a população guerreava entre si, forças especiais iam em busca da captura
e o assassinato do presidente do país.
De forma menos violenta, os Estados
Unidos intervieram em Honduras em 2009 e, sob a acusação de “desobediência à
Constituição” o presidente Manuel Zelaia foi deposto e depois impedido de
concorrer às novas eleições. No Paraguai, acusado de improbidade administrativa,
Fernando Lugo foi deposto em uma rápida votação no Congresso Nacional, em 2012.
E, no Brasil, com um período de mobilizações claramente direcionadas contra a
presidente Dilma, acusada de “pedaladas fiscais” foi deposta pelo Congresso
Nacional em 2016.
O que ocorre atualmente na Venezuela
é a expressão mais vergonhosa do Império que, voltado para os interesses
econômicos, insurge-se contra o governo de Maduro para apossar-se das grandes
reservas de petróleo ali existentes. Para preparar o contesto da intervenção e
o assalto ao petróleo, começou pelas sanções econômicas que levaram a criar a
“crise humanitária” e, agora, com uma bravata simbolizada por um montante de
alimentos e remédios, que não chega a encher 30 caminhões, disfarça a agressão
de “ajuda humanitária” e força a entrada e o ataque militar ao país.
O Brasil como produtor de petróleo,
ao participar dessa campanha intervencionista, revela que, o petróleo
brasileiro já está todo ele entregue às empresas do império, por isso colabora
como escravo, para que o mesmo senhor escravize o país vizinho.
Esses atos nos mostram que o
imperialismo está mais vivo do que nunca e que ele somente será enfrentado se
houver a disposição política internacional. Todas as reformas propostas e que estão
em pauta no Congresso Nacional, fazem parte o receituário do capital internacional que
comanda as palavras expressas pelos ministros e fantoches das repúblicas.
As investidas do Imperialismo dos Estados Unidos da América, revela a profunda crise que vive o capitalismo e que a busca de sustentação dar-se-á por todas as vias. Aos trabalhadores e explorados só resta a via da resistência e da luta pela superação do capitalismo. Este modo de produção, nada tem a dar aos explorados; para eles os atos de fala continua sendo o mesmo que no passado animou as multidões: Pátria livre! Venceremos!
Ademar Bogo
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