Há diferentes formas de conduzir-se
individualmente pela história. O filósofo Kant nos premiou com a elaboração
orientadora de dois imperativos condicionadores: o “categórico” e o “hipotético”.
O primeiro funciona na intimidade do sujeito, nasce conosco como um atributo da
natureza, como ocorre com a cor dos olhos e funciona como uma força capaz de nos
orientar para o bem. Por isso, mesmo que estejamos sozinhos, tal qual acontece
com os nossos olho, que podemos ver o que está ao nosso redor, podemos também manter
os princípios morais porque eles são orientados pela razão.
O segundo imperativo é mais perigoso. Ele
nos surpreende com a rebeldia hipotética e nos leva a experimentar as
sensações, dar vazão aos instintos e traçar planos benéficos e escabrosos;
maquinar violências, abusos e praticar atos que nos emancipam como seres
humanos ou nos condenam e desmoralizam vergonhosamente. Nesse sentido, os dois
imperativos podem levar a confundir o que é o real com o ilusório ou aquilo que
é moral com o imoral. É no controle deste imperativo que nos projetamos ou nos
desgraçamos.
Poderíamos aqui tecer amplos
comentários sobre as revelações cotidianas da política sem rumo; da justiça sem
pesos e medidas justas; os assédios e abusos em leitos de consultórios médicos
transformados pela vontade dos machos, em quartos de motel e tantas outras expressões
de um sistema destrutivo.
Essas expressões que, nos últimos
tempos foram atribuídas à política para deslegitimar a forma partidária de organização,
iniciou e ainda é alimentada pelo mercado. São práticas mesquinhas que
sustentam as relações de troca levando quase sempre o vendedor iludir o
comprador para que compre o produto, oferecendo-lhes “descontos” atrativos,
prazos compensadores e juros supostamente favoráveis. O fiado comercial
assemelha-se ao “débito de favor” cobrado na política. Portanto, em todas as
relações que perdem a transparência, há por trás, intenções obscuras que sujeitam
as pessoas às próprias relações que estabelecem, fazendo-as colaborar nas
disputas por cargos, nas indicações para funções etc.
Por ora, temos no tema das “ilusões
políticas”, o motivo para um breve aprofundamento. No Manifesto do Partido Comunista
de Marx e Engels de 1848, há um alerta dialético que leva a perceber que, “tudo
o que é sólido se desmancha no ar”. Logo, desde Heráclito sabemos que tudo
flui e nada é estático, inclusive as certezas.
Todos aqueles e aquelas que
militaram a partir da década de 1980 para cá devem lembrar dos profundos
debates estabelecidos e, por meio do estudo sobre a "teoria da organização
política" foram compreendidos alguns princípios, dentre eles, que a organização
partidária é fundamental para se pensar e efetuar as transformações sociais.
Durante toda a década de 1980,
podemos dizer, que as diretrizes políticas, embora em meio a posições diferenciadas,
tinham como certo, a orientação clássica de que o partido é a força dirigente e
as demais forças, motrizes, fundamentais e auxiliares, convergiam para, por
meio de suas ações, fortalecerem a estratégia política.
No final da década de 1980 com a
queda do muro de Berlim, tendo como consequência, em prejuízo do bloco socialista a junção das duas “alemanhas” e, logo em seguida, ter ruído a composição da
histórica República Soviética, ganhou ainda mais força o pensamento de que o
partido político não podia ter a supremacia sobre as demais forças sociais e que
o “aparelhamento” dos sindicatos e dos movimentos sociais era um erro, pois,
eles se portavam como “correia de transmissão”.
De fato, para quem defendia verdadeiramente
o socialismo havia uma batalha gigantesca pela frente a ser enfrentada no
“mundo das ideias”. É vidente que um grupo significativo de militantes de esquerda,
baniram o socialismo de suas mentes e rebaixaram o conteúdo das ideias
aceitando o receituário reformista e as opiniões das Organizações Não
Governamentais (ONGs) que induziram a crer que “os paradigmas” haviam mudado e,
por isso, havia que se mudar também as referências organizativas, colocando nas
referências conceituais, não a classe, mas gênero, o território, as raças,
religiões; enfim, os “novos movimentos sociais” e não mais o partido político. Com
a devida consideração e respeito, muitos equívocos e desvios necessitavam de
correção, mas o corte na concepção cerebral feriria profundamente a direção
estratégica.
Surgiram então as novas linguagens,
que feriram as formas de tratamento do sujeito determinado; de “companheiros e
companheiras” passou-se para o sujeito indeterminado “todos e todas”; do
conceito ofensivo do “imperialismo” para o conceito conciliatório da
“globalização”, tornando-o parte do conteúdo das palavras de ordem expressas em
manifestações e, surgiram as ondas como a do “Fórum Social Mundial” que, nas
suas diversas versões priorizou a livre iniciativa das ideias; exposições
liberais, colocando-o como um instrumento de articulação de entidades,
movimentos e partidos políticos de todo o planeta. No entanto, por falta de
diretrizes reais pouco saldo organizativo restou.
O movimento das contradições,
presente em todos os sentidos, contribui para as mudanças históricas. Para nós,
nesse item específico, a dialética foi deveras vingativa porque, enquanto os
movimentos sociais em seu amplo sentido eram “desaparelhados dos partidos”,
expressando gloriosamente a autonomia política, como se estivem emancipando-se
de algo perverso e repressor, os partidos políticos foram aparelhados pelo
Estado e induzidos a valorizarem as disputas institucionais como tarefa única.
No entanto, na medida em que alguns partidos
políticos tiveram êxito no intento de chegar ao governo, como relata Platão no
mito de Er, quando as almas voltavam para terra e passavam pelo rio Letes, com
sede, bebiam a água e esqueciam o que tinham vivenciado no período vivido no
outro mundo, assim fizeram as nossas entidades partidárias e movimentos
sociais: esqueceram tudo e entregaram-se à governabilidade como quem se entrega
a um amante apaixonado vindo a formar o “novo aparelhamento conjugal” na casa que viria a aprisioná-los.
Não é necessário discutir os
retrocessos políticos e as derrotas, mesmo as institucionais sofridas, mas é
importante verificar se aquelas posições que defendiam o protagonismo dos
“novos movimentos sociais”, autônomos dos partidos, surtiu efeito? Onde estão
agora aqueles movimentos, autônomos do partido político para procederem a
reação organizativa e conduzirem a sociedade a um consenso de que o
totalitarismo usurpador de direitos sociais está equivocado? Parece que o papel
dos movimentos não era “desaparelharem-se” do partido, mas exigir que ele fosse
o instrumento dirigente para a transformação social e não um mero farol para
iluminar o caminho das políticas públicas.
Diante da situação em que os paridos
políticos foram domesticados pelo Estado, que ora sobrevivem do Fundo
Partidário e que prezam pelas disputas eleitorais, é de se acreditar que tal
aparelhamento continue direcionando as suas práticas. Por sua vez, os
movimentos que já não encontram governos para aparelharem-se e os partidos
políticos disponíveis oferecem apenas o aparelhamento para fazerem as disputas
eleitorais, que destino darão para as suas autonomias?
É conveniente pensar em mudar de
estrada, mas não abandonar a roda ou perder tempo em reinventá-la.
Permanentemente as teses socialistas nos mostram a importância do Partido Político
como sendo o instrumento de organização e condução da luta pela transformação
social. O partido não deve ser uma entidade burocrática, mas “a parte consciente”
da sociedade que se propõe a lutar em favor do todo. Dentro desta parte há
setores responsáveis; dentre as responsabilidades há aquelas da formulação dos
planos, dirigir e distribuir tarefas.
As tarefas também compreendem as
lutas específicas que são desenvolvidas pelos movimentos e entidades que se orientam
pelas diretrizes conscientes, formando assim, uma totalidade de forças que
compõe esta parte que luta a favor do todo.
Enquanto não nascer este instrumento
dirigente, as forças tenderão a torcer que os inimigos se equivoquem e se
desmoralizem. Cabe um alerta, um governo civil desmoralizado pode se arrastar
e, mesmo desprezado ir até o fim previsto; um governo militar desmoralizado
tende a usar o seu atributo principal que é a força. Em quaisquer
circunstâncias, os trabalhadores sempre souberam qual é o seu papel na História
e, os mais experientes descobriram com os próprios passos que: “quem acorda cedo
faz o amanhecer”.
Ademar Bogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário