Em
todos os tempos os olhares mais atentos sempre estiveram voltados para o
espectro da ordem e, mais recentemente para aquilo que se denomina de “Estado
de Direito”, utilizado como referência principalmente pelas forças que estão no
poder. Mas eis que nem sempre funciona com a regularidade do passar das horas
e, em certas ocasiões, já não se sabe se o perigo de romper com o “Estado de
Direito” vem das forças de esquerda que lutam por garantias institucionais ou
pelas forças de direita que querem retirar os direitos adquiridos porque os
seus interesses estão ameaçados.
A título de exemplo, podemos recorrer à
Alemanha no início da década de 1890, quando abrira-se uma perspectiva diferenciada
dos demais países e a socialdemocracia alcançou um lugar de destaque na
política por meio das disputas eleitorais.
Engels percebeu que existia um enorme desafio de encontrar uma função
política para os jovens e para as mulheres que não haviam sido contemplados com
os mesmos direitos e que representavam uma força de massas numerosa de não eleitores,
aos quais ele denominou de “força de choque”. Ou seja, se o direito dos
eleitores conquistado apenas pela parcela masculina da população, isso não
suplantava nem retirava o direito das massas de agirem junto à classe, como uma
“força de choque” constituída.
A tese defendida por Engels era que: o
tempo dos ataques de surpresa, das revoluções levadas a cabo por pequenas
minorias conscientes à frente das massas inconscientes, já havia passado. Tinha
em mente o exemplo da recente derrota da Comuna de 1871, em Paris, por isso
defendia que era o momento de envolver em diferentes tarefas a maioria da população.
Diante dos desafios apresentados pela
classe dominante que temia o crescimento das forças operárias no processo
eleitoral, Engels apontou que era preciso manter em crescimento as forças que
não se envolviam no processo eleitoral como uma “força de choque” com aquelas
que se envolviam conscientemente.
Para ser ainda mais convincente de suas
proposições, Engels retrocedeu na História e recordou o tempo do Império Romano
quando, dentre as diversas forças de oposição figurava um “partido” subversivo,
sem pátria, que durante muitos anos minou às escondidas a ordem estabelecida,
inclusive utilizando-se da tática da inserção nas fileiras do exército oficial,
cujos soldados em sinal de protesto portavam cruzes nos capacetes. Esse partido
atendia pelo nome de cristãos. Nem mesmo as leis, as proibições de reuniões, a
demolição de símbolos e cruzes, nada impediu de que o cristianismo pelas mãos
do Imperador Constantino viesse a ser declarada, na década de 320, a religião
oficial do Estado.
Na Alemanha, ao contrário dos primeiros
cristãos, as perspectivas de mudanças, apresentavam-se como uma grande ironia
da história e colocavam tudo de cabeça para baixo; isto porque, os
revolucionários avançavam mais com os meios legais do que com os ilegais e a
subversão.
Mas aquilo que inicialmente pode
encantar os defensores atuais das disputas puramente eleitorais, como a
alternativa apropriada de chegar ao poder, logo é dissuadida no mesmo parágrafo
quando Engels diz: “e se nós não formos loucos a ponto de lhes fazermos o favor
de nos deixarmos arrastar para a luta de rua, não lhes restará outra saída
senão serem eles próprios a romper essa legalidade tão fatal para eles”. O que
vemos então? Um entendimento de que a classe dominante é intolerante e, na
medida em que se sentir ameaçada por qualquer forma de pressão, ela própria
rompe com a legalidade para conter o movimento contrário. Por isso, Engels não
estava defendendo que a legalidade seria um incômodo para a classe dominante por
isso era preciso defendê-la de forma organizada mobilizando os mais amplos
setores.
O critério a ser avaliado nos surpreende
atualmente em dois sentidos: o primeiro, diz respeito, ao tamanho desprezo
histórico praticado pelas organizações políticas com a “força de choque”, e, o
segundo, advém dos adoradores dos processos eleitorais que esqueceram os
aspectos organizativos e converteram os sujeitos da possível transformação em
simples eleitores. Para além disso, imaginam que como as redes sociais foram
vitais para a vitória da direita nas ultimas eleições que se deve imitá-la,
como se nós também devêssemos navegar nas nuvens da alienação.
A perspectiva das mudanças reúnem
diversas relações e é verdade que acentuam, ora uma possibilidade, ora outras,
mas, acima de tudo, há que se fazer escolhas; aguardar ou precipitar os
momentos de confronto, de acordo com as circunstâncias de cada época, mas
jamais arriscar fazê-lo sem organização.
Por
isso não há como fugir da História. Ela é o que é e pode vir a ser ou não ser
se as circunstâncias apresentas forem aproveitas. Para além delas há ainda as
condições e as perspectivas, mas estas somente serão percebidas pelos olhos
atentos que leem a realidade e pelas mãos que tocam a substância política,
moldando-a para outra forma.
O problema maior não está na
extrema-direita ter ganho as eleições de 2018, isto é natural, pois os governos
não são eternos, a essência do problema é que o discurso da vitória foi
sedimentado sobre questões que as forças progressistas teoricamente e
moralmente, pela conscientização já deviam ter equacionadas. São as mesmas
restrições morais que ganharam as eleições que serão tomadas como referência
para romper com a legalidade pelas forças de direita.
Nesse sentido, se olharmos para trás,
apesar dos avanços da civilização, vemos que permanecemos na pré-história do conservadorismo,
filosófico, religioso e político. Sócrates em 399 a. C, acusado de perverter a
juventude e ofender aos deuses, foi levado à morte. Jesus de Nazaré, condenado
e morto por três crimes: blasfemar, profanar o dia do sábado e ser um falso
profeta. Karl Marx sofreu inúmeras perseguições e foi expulso de vários países,
acusado de ser um comunista contra a ordem capitalista.
As coincidências entre os três são
evidentes, mas, a principal evidência não está revelada a não ser que a
detectemos que, os três foram perseguidos em três momentos de profundas crises
econômicas, sociais e políticas. Ou seja, as classes dominantes sempre agiram e
agirão em dois campos, para garantirem os seus interesses: no campo material,
onde fazem valer o poder de dominação e, no campo das consciências onde
cultivam as mentiras e as calúnias que justificam para as massas populares, que
somente eles representam o bem e lutam contra o mal.
Ademar Bogo
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