Há muitos motivos para acreditarmos que vivemos em uma
sociedade livre, tanto pelas sensações liberais quanto pelas proposições filosóficas
e sustentações jurídicas. Como afirmou Hegel no seu livro, “Princípios da filosofia
do Direito” parágrafo 298: “O poder legislativo é constituído pelas leis enquanto
tais, na medida em que elas carecem de determinações complementares, e pelos
assuntos interiores que são, graças ao seu conteúdo completamente gerais”. Como
parte da Constituição e, sendo um poder legalmente constituído, a liberdade
depende dos interesses das forças representadas e legitimadas em cada eleição.
Por essa razão, declarou Marx, em sua crítica a essa mesma Filosofia do Direito
que, o poder legislativo, “Ele ultrapassa a Constituição”.
Evidentemente, a Constituição deve sempre representar os
interesses de toda a sociedade e, embora, no caso brasileiro, ela tenha sido
elaborada em 1988 pelos deputados e senadores, não é definitiva e sempre pode
ser modificada, pondo-se inclusive em desacordo com as decisões anteriores. Um
desses casos é o projeto de lei em que impede o acesso aos benefícios assistenciais a “condenados
por invasão de propriedade urbana e rural”, em tramitação no Congresso
Nacional.
O
primeiro argumento contra este disparate jurídico, é a confrontação com o
artigo 184 da Constituição Federal, aprovada em 1988. Mas isto não é suficiente,
porque uma lei não precisa ser coerente com o que é justo ou injusto, ela
precisa determinar o que deve ser feito com o interesse manifesto. Nesse
sentido é importante diferenciar o que é um “problema social” e um “interesse
particular”.
Quando,
por ocasião da identificação de um problema social, para que as autoridades
possam enfrentá-lo e agirem dentro da lei, há que ter uma regulamentação jurídica.
Trata-se do “Direito público”; este, representa as leis universais elaboradas
para o próprio Estado utilizá-las a seu favor. Por outro lado, conhecidamente,
existem os interesses particulares, que exigem também leis regulamentares e
que, embora sejam elas elaboradas pelo Poder Legislativo, são direcionadas para
o “Direito privado”.
Quando
falamos em “Direito privado”, podemos compreender a sua importância para
garantir a própria liberdade individual, isto porque, se não existirem leis reguladoras,
ninguém poderá ter certeza de que qualquer coisa seja sua como propriedade
particular. Porém, sempre nos deparamos com os interesses gerais, voltados para
o bem comum e os caprichos egoístas e corporativos, permeando a consciência dos
representantes do povo no parlamento.
Faz
parte da função dos deputados e senadores elaborarem leis federais e atrelá-las
à Constituição, no entanto, há leis voltadas para a garantia de direitos gerais,
que podemos chama-las de “Liberdade de direitos”, elaboradas após intensas pressões
populares, e outras que se situam no campo das garantias dos interesses grupais,
possíveis de serem denominadas de “Liberdade autoritária”; é nesse limite que
se situa a linha divisória da desobediência civil e a incrementação do
totalitarismo jurídico. Todos sabemos que no parlamento os representantes não
são da sociedade, mas de grupos, corporações e classes que jogam, cooperam
entre si e aniquilam inimigos mais fracos. A vontade dos leitores acaba na sala
de votação quando digita os números das candidaturas.
Em termos de consequências históricas, as
articulações de grupos e corporações para legitimar perseguições como essa “Lei
contra invasão”, pode ser comparada a duas possibilidades de retrocesso: a
primeira na esfera sindical e a segunda na esfera política.
Em 28 de junho de 1989 foi aprovada a Lei
7.783 que estabeleceu o direito de greve. Muitas coisas, que não vem ao caso
detalhar, foram modificadas para limitar o alcance da Lei, mas ela continua
ativa. Impedir hoje que os trabalhadores se manifestem e pressionem, tendo a
liberdade de escolherem as formas de luta mais adequadas, seria (mesmo não estarmos
vivendo sob o regime militar), um atentado contra o direito a autodefesa
coletiva contra os baixos salários e demais direitos trabalhistas. A ameaça de
cortar, por 8 anos o acesso aos benefícios assistenciais, às pessoas mais
pobres que participarem de ocupação de terra, nesse estágio do desenvolvimento do
capitalismo em que a tecnologia reduz a possibilidade de arranjar trabalho, é
condenar os grandes contingentes das massas pobres, a ficarem dependentes dessas
miseráveis políticas. Se no passado os escravizados pertenciam aos proprietários
de terra, à Igreja, políticos e coronéis, as atuais massas famélicas comporão o
patrimônio político dos governantes e candidatos, que sempre defenderão a manutenção
da assistência às pessoas carentes em troca de votos.
O segundo exemplo diz
respeito ao totalitarismo político. Em 13 de dezembro de 1968 foi decretado, pelo
Regime Militar, o Ato Institucional número 5, limitando todo e qualquer tipo de
manifestação e o cerceamento de todas as formas de liberdade. A lei acima
mencionada, agora elaborada no liberalismo democrático, cumpre, mesmo que seja
direcionada apenas para as populações mais pobres, com a mesma função de
reprimir, intimidar e proibir qualquer tipo de pressão contra a propriedade
privada da terra.
Esses aspectos nos revelam
que é ilusória a democracia propagada por setores também de esquerda que,
satisfeita com as cadeiras conquistadas no parlamento, se presta ao serviço de participar
e, mesmo votando contra, legitima os desejos dos grupos fascistas e interesseiros
minoritários da burguesia proprietária de terras.
Resta aos movimentos
sociais rearticularem as suas forças e reformularem as suas táticas de luta direcionadas
para, a desobediência civil e a insurreição popular.
Ademar
Bogo
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