O
filósofo holandês Benedictus Spinoza (1632-1667) destacou algo em sua obra
Ética[1], que nos faz refletir
sobre a política. “À medida que uma coisa pode destruir uma outra, elas são de
natureza contrária, isto é, elas não podem estar no mesmo sujeito” (2016, p.
173).
A natureza da coisa pode ser entendida
como a sua essência que a caracteriza como sendo pertencente a um gênero ou a
outro. Podemos citar aqui a ferrugem e o ferro, ocasionada pela oxidação que,
para impedi-la é preciso obstruir o contato com o oxigênio. Portanto, as
naturezas são contrárias, mas a ferrugem precisa do ferro para progredir e,
este sabendo dos perigos da deterioração, deve evitar expor-se ao ar livre e a
umidade.
Com a ajuda de Spinoza, é possível
ligarmos, de forma primária, a natureza do ferro e da ferrugem. Porém, ao
falarmos de filosofia e de política, temos a necessidade de identificar a
natureza da relação entre governo e partido político, pois, nessa relação é provável
que uma coisa venha a destruir a outra.
Nas últimas duas décadas, com a ascensão
dos partidos da “velha esquerda” aos governos, surgiu no cenário político, uma
nova força organizativa para ser gerida pelos representantes da classe
trabalhadora e das massas populares. No entanto, a nova forma de poder, com
todos os seus limites impeditivos, subsumiu ou abocanhou os partidos e os levou
para dentro institucionalidade.
Embora muitos justifiquem que um não
se confunde com o outro, no concreto cotidiano, o governo passou a ser maior do
que o partido ou o movimento que apoiou e ajudou a eleger o governante; logo,
como se todos fossem engolidos e acomodados no mesmo estômago, se movem muito
pouco e, lentamente, para não criar mal estar ao corpo que os engoliu, venha a
vomitá-los e varrê-los para a sarjeta.
Por que vivemos esta confusão de não
sabermos posicionar-nos frente aos dilemas políticos tão cruciais? Se voltarmos
as origens, veremos que partido de esquerda e governo, possuíam naturezas
diferentes. O partido político, sendo constituído pela parte consciente da classe
social, tem como função apresentar um programa de transformação da sociedade e,
prontamente, deve indicar e organizar os meios para fazê-la. O governo, por sua
vez, tem a responsabilidade de manter a sociedade dentro das normatizações
estabelecidas pelo Estado.
Sendo de naturezas diferentes,
partidos de esquerda ou revolucionários, somente cumprem o seu papel, quando se
propuserem a tomar o Estado para destruí-lo. Nesse caso, o primeiro fica maior
que o segundo e, para manter a metáfora, engole-o, para, enquanto partido ser a
referência na sociedade. Ao chegar a este ponto, o governo passará a ser uma
atividade do partido.
Esse princípio já foi denominado de “ditadura
do proletariado”, depois veio a se conformar na estrutura do “Partido único”,
com uma grande contradição, porque, nenhum desses formatos arriscou-se a subsumir
dentro de si, o Estado e, os governos seguem sendo o modelo clássico da
representação reduzida.
Sem arroubos para cobrar a
perfeição, é importante refletirmos que, na realidade brasileira atual, após
termos passado por uma nova tentativa de golpe (frustrada pelas artimanhas
militares, mas havia uma base popular significativa disposta a apoiá-los), é
hora de pensarmos se estamos nos preparando para o retorno desse movimento?
Uma
vitória eleitoral não pode ser confundida com uma derrota definitiva das forças
contrárias. As vitórias significativas, desde a modernidade, são válidas quando
a maioria da população de um país realizá-las e sustentá-las. Nesse sentido,
podemos afirmar com todas as letras que, no Brasil contemporâneo, a natureza do
governo destruiu a natureza dos partidos de esquerda e, esquerda sem partido não
existe.
Muitos
falam em retomar as lutas, o trabalho de base, a formação política etc., mas o
lugar de onde falam, é de dentro da barriga da ordem, do Estado de direito, dos
partidos engolidos e da espera das políticas públicas.
A
história já nos deu muitas lições e, uma delas é que no socialismo, o partido,
o Estado e o governo podem estar no mesmo corpo da ordem, no capitalismo não. Por
mais próximos que os governantes estejam dos partidos e dos movimentos sociais,
eles cumprem o ritual da governabilidade. A função das forças organizadas é
lutar contra o capital que provoca a fome, a miséria, a exploração e demais
injustiças, para isso precisamos manter a natureza de sermos organicamente
contrários à ordem dominante.
É
necessário estabelecer rompimentos se quisermos desarranjar a ordem
capitalista. Para isto é necessário que o fedor da velha esquerda governista,
por ser da mesma natureza, seja acoplado ao fedor da burguesia e, para
escaparmos dessa pulsão de morte exaustiva, devemos partir em busca de ar puro
e andarmos organizados na direção do vermelho do horizonte.
Ademar
Bogo
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