Apesar de todas as constatações das crises e decadências
do capitalismo, o tempo em que vivemos não faz das contradições substância inflamável
para ferver o sentido beligerante e revolucionário das táticas de luta.
A pior enfermidade das forças de esquerda, e talvez
incurável para essas gerações treinadas a reivindicar direitos dos patrões e do
Estado, é repetir os mesmos argumentos sobre as táticas assimiláveis pela
classe dominante. Insistir em disputar com as forças mantenedoras do “Estado de
Direito”, a mesma ordem estabelecida, confirma a vocação reformista para o
ingresso na institucionalidade pura e simples, como se esta fosse a única opção
restada.
Nesse aspecto podemos ilustrar a tentativa de relação
oposta com um pensamento político e filosófico de Lenin, expresso em 1905, no
artigo escrito por ele com o nome, “A revolução ensina”. “... Não podemos
dar-nos por satisfeitos com ver as nossas palavras de ordem táticas correrem
atrás dos acontecimentos, adaptando-se a eles depois de ocorridos. Devemos
aspirar as diretrizes que nos façam avançar, nos iluminem o caminho, nos elevem
acima das circunstanciais tarefas imediatas”.[1]
Se não podemos estar satisfeitos com as crendices
institucionalizadas, as quais, em nome das políticas públicas imediatas prendem
e freiam todos os tipos de pressão contra o governo, cujas posições verbalizadas
o reconhecem como “nosso”, devemos pelo menos sermos tolerantes, pois, de fato,
certas circunstâncias são o que são, não se pode inventá-las; no entanto, o
mesmo não ocorre com as forças acomodadas que não abrem mão das táticas
adotadas, buscando, “exprimidamente”, passarem pelas frestas dos consensos
nacionais e internacionais, alçando-se como pregadores do consenso vantajoso.
Dirão os mais aguerridos mantenedores da ordem que, “embora
o governo seja nosso, ele deve distanciar as suas posições das do partido”.
Logo, em nome das relações internacionais conciliadoras tolera-se o genocídio em
Gaza sem nenhuma menção à culpabilidade de Israel. De fato, quem tem embaixadas
não são os partidos e, por ser política de Estado é preciso antes de tudo “zelar
pela diplomacia”. Diante disso devemos alertar os intolerantes que engessam as
táticas como se fossem dogmas que, se o candidato à presidência é do partido e
se o governo composto com nosso apoio “é nosso”, tendo este de administrar e
zelar pelo Estado, que faz, apesar de desenvolver as sagradas políticas
públicas, senão colocar-se ao lado e a favor do Estado capitalista? Com tais agarramentos
estruturais, não há, como disse Lenin, fazer com que as palavras de ordem não
fiquem atrás dos acontecimentos.
Os paradoxos conjunturais expostos são, decididamente
provocantes, pois, enquanto em um ponto do mundo um agrupamento luta subterraneamente
contra o imperialismo, em outros lugares preza-se pelas táticas pacíficas,
pois, a ilusão com a democracia representativa é tão real que dizer ser ela
apenas parte do teatro comandado pelos capitalistas, representa uma grave
ofensa.
A aparência democrática de que nos governos pacifistas “todos
ganham”, é a demonstração do real do reconhecimento do domínio do capital imperialista
sobre a exploração das nações subservientes. Se ninguém perde, não há como
fazer equiparações, porque a análise de imediato elimina qualquer contradição.
Se queremos provar o contrário devemos perguntar aos sem-terra, em que estágio
estão as desapropriações? O mesmo ocorre com os povos originários que dia a dia
vão vendo os seus territórios serem estreitados. Por justiça, o movimento que
ficou por 580 dias acampado nas proximidades na sede da Polícia Federal em
Curitiba, no Paraná, repetindo, as mesmas palavras de ordem, ao começar o dia
com: “Bom dia presidente!” e, à noite: “Boa noite presidente!”, deveria receber
em troca, para cada dia acampado, um área desapropriada para fins da realização
da reforma agrária. No entanto, ocorre justamente o contrário. O Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais – IMPE – revelou que no ano de 2023, o
desmatamento no Cerrado nordestino, o segundo maior bioma do Brasil, cresceu
43%, sendo dados só do primeiro ano do governo Lula. Isso revela o avanço do
agronegócio, financiado pelo mesmo governo que mantém paralisadas as desapropriações
de latifúndios.
Por essas razões todas e, por falta de aspirações
diferenciadas é que muitos analistas e dirigentes defende o “refluxo” das
forças sociais e a impossibilidade de recriar as palavras de ordem para
ultrapassar esse período prolongado de passividade revolucionária. Lembremos
que, após a morte de Ernesto Che Guevara, em 9 de outubro de 1967, a tática de guerrilhas
passou a ser questionada e descartada juntamente com a luta armada desenvolvida
pelos grupos rebelados contra as ditaduras militares. Posteriormente, pelo
avanço das tecnologias, melhoramento da espionagem e qualificação das forças de
repressão, os argumentos voltaram-se contra qualquer tipo de tentativa de
insurreição. A maior lição de que o imperialismo é frágil e todas as tecnologias
bélicas falham diante da capacidade criativa, é dada agora pelo HAMAS em defesa
da criação do Estado palestino e, embora, resista há meses, em termos de reconhecimento,
por parte das forças políticas e partidárias da preciosa inovação das táticas
de enfrentamento é zero ou ainda pior quando repetem as palavras da grande
mídia, taxando aqueles lutadores de “terroristas”.
Se “A revolução ensina”, como disse Lenin, não precisa
que ela ocorra debaixo dos seus pés, importa reconhecê-la como fundamental em qualquer
parte do mundo; foi o que sempre nos ensinaram os criadores do princípio do “Internacionalismo
proletário”. Lembremos que a derrota dos Estados Unidos da América no Vietnã no
século passado, deveu-se à capacidade inovadora das táticas de guerra do povo
vietnamita, mas também da pressão e protestos espalhados pelo mundo.
Que o ano de 2024 nos inspire a criar novas palavras de
ordem, para que elas se antecipem aos fatos e nos ajudem a formular novas
táticas de lutas locais e internacionais. A derrota do imperialismo dar-se-á
quando conseguirmos unir as lutas de todos os povos do mundo contra os mesmos
inimigos da humanidade.
Ademar
Bogo
[1] LENIN. V.i. Partido revolucionário
de novo tipo. A importância mundial do bolchevismo. Lisboa: Edições Avante,
1975.p. 110
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