Há duas ilusões mortais quando se trata da prática
política: o legalismo institucional e o espontaneísmo ingênuo que leva aos
ensaios de reações ao nível das reivindicações pontuais pautadas pelas
necessidades econômicas. O filósofo Georg Lukács ao escrever as suas “Observações
metodológicas sobre a questão da organização”, quis esclarecer, o porquê de
certos comportamentos das organizações dos trabalhadores nos momentos de crise
do capitalismo, e não encontrou senão as limitações e as deficiências do
proletariado, conformadas com os “sistemas das leis”.
Nesse emaranhado de contradições os procedimentos
continuam seguindo a dinâmica da economia capitalista e acabam por repetir ações
espontâneas de massa, sem qualquer efeito superador da longa situação
pré-revolucionária, que mal se sabe porque se luta, ficando os esforços empregados no nível da defesa,
segundo cada ação desencadeada com objetivo apenas econômico.
Segundo Lukács, “A espontaneidade de um movimento é
apenas a expressão subjetiva, no âmbito da psicologia das massas, da sua
determinação pelas leis econômicas”.[1] O Pior disso tudo, é que,
a própria natureza dessas reações tem um ciclo de sobrevivência que se esvazia
como acontece com o gás hélio do balão que, após fazê-lo subir, vai se
enfraquecendo pelo fim do gás responsável pela combustão, então ele cai e, as
condições desfavoráveis torna quase impossível voltar a fazê-lo subir.
Temos, portanto, os dois polos explicitadores da
decadência política de forças organizadas quando, por algum tempo parecem ter
encontrado o ponto da reação contra as demandas impostas pela conjuntura ou por
alguma ameaça destrutiva dos direitos adquiridos, mas não evoluem no que diz
respeito à imposição de derrotas à classe dominante. Os dirigentes adeptos do
método espontâneo de propor ações repetidas a cada início de ano, raramente se dão
conta de que as táticas utilizadas para atingir os objetivos limitados, vão perdendo
a qauldiade e a força.
Por outro lado, o enfraquecimento dos movimentos
espontâneos e dos próprios partidos políticos aliados, se derrotam na medida em
que as diretrizes para orientar as diversas ações ficam previstas ou impedidas
pelas leis. A grande derrota das forças que usam métodos espontâneos, ou seja, mobilizam-se
para reivindicar apenas, é confiar que os políticos aliados usarão o Estado e a
governabilidade a seu favor e, os governantes ao desfilarem o assistencialismo
público, orgulham-se por darem o peixe sem ensinarem os famintos a pescar ou
responsabilizá-los a criar o próprio peixe.
No Brasil vivemos este enfraquecimento da energia desse “balão
de ensaio”, feito pelas forças de esquerda para ajudar os pobres a não desrespeitar
nem invadir o espaço das forças da direita. Desse modo, o balão amarrado com
uma corda a um poste sobe uma pequena altura, e quando acaba o gás, cai em cima
daqueles que, ao invés de cortarem a corda para fazê-lo ganhar as alturas,
apenas batem palmas e gritam euforicamente para as autoridades que os iludem.
Esses ciclos de reações comedidas podem durar tempo. Há
movimentos que envelhecem e, aparentemente continuam a torcer pelos bons
resultados e a encenar reações sem muitos resultados. As vezes mudam as
exigências e, os governantes aliados, naquilo que não lhe é controverso, nem
haverá cobrança das forças opostas, liberam recursos para algumas incursões
pouco ofensivas. Mas, a luta de classes, mais consequente e combativa para
empurrar as forças opostas para trás, não se desenvolve.
Se por um lado, o espontaneísmo pela sua inconsistência
de método e, acima de tudo, pela incapacidade intelectual de formular teoricamente
novas diretrizes para, nem que seja “acumular forças” e, por outro lado, o
legalismo institucional contribuindo para esgotar o próprio espontaneísmo, na
medida que, não desafia essas forças a lutarem com maior radicalidade e vigor,
ou pior ainda, no caso do movimento de massas, coopta as consciências dos mais
pobres com políticas públicas, impõem como resultado esvaziamento do potencial para
a renovação das massas para o próprio movimento espontânea. O dado de que
atualmente mais de 21milhões de famílias (quase 100 milhões de pessoas) recebem
recursos do Programa Bolsa Família, é importante toma-lo para analisar por que
em um país com esse grau acentuado de pessoas que passam fome, não há movimento
popular atuante e, os movimentos mais antigos do campo e da cidade não
conseguem renovar as suas bases?
A conclusão pode ser rasa, mas não há dúvidas de que a
aliança voluntariosa estabelecida entre o legalismo institucional e o espontaneísmo
ingênuo dos poucos movimentos populares, sem programa consequente ainda em ação,
são as duas causas pelo arrefecimento das lutas e da paralização da capacidade
de crítica.
O espontaneísmo não se combate com os desvios das reivindicações
das circunstâncias atuais para direcionar os esforços a algo que está em moda
que é o combate ao aquecimento global. A consequência das ações está na avaliação
do mal que elas causam à classe dominante e não naquilo que apenas a beneficia.
Mais do que nunca é preciso combinar as ações que, atraiam
por meio das lutas espontâneas as massas que ainda não lutam, e elaborar e
empreender a estratégia da ofensiva ativa, em vista de atacar as forças
dominantes, impondo-lhes significativas derrotas para que o poder não seja uma
utopia distante, mas um exercício de confronto e de vitória contra a hegemonia
dominante.
Ademar
Bogo
[1] LUKÁCS, Georg. História e
consciência de classe: Estudos sobre a dialética marxista. São Paulo: Martins
Fontes, 2003, p. 542.