Quando o Direito positivo, este que está em vigor em
todas as partes o mundo; após a Revolução Francesa de 1789, posto acima dos
demais direitos, divino e natural, para essa nova formulação, o filósofo Georg
Hegel em seu livro, “Princípios da Filosofia do Direito” (inciso 270), destacou
que: “É o Estado a realidade da liberdade concreta”.[1] Ou seja, a liberdade de
cada indivíduo na sociedade, está garantida pela lei e não pela falta dela.
No real parece ser o oposto, porque, olhando do ponto de vista
prático, tudo aquilo que cerceia a vontade, também limita a liberdade. O muro
que prende o cachorro feroz, provavelmente para ele é um problema, pois, não o deixa
exercer o seu direito de ir e vir. Assim ocorre com as cercas ao redor de uma
propriedade etc. Mas Hegel viu na lei, a ordem, por isso quando não há lei estatal,
qualquer indivíduo pode impor a sua e desmanchar os contratos, tomar as
propriedades e ainda decidir sobre a vida de seus semelhantes.
A importância dessa elaboração inovadora, adaptada à
fisionomia da burguesia, ainda revolucionária, era a de fazê-la livre para
implementar os negócios e ampliar as suas posses. Por outro lado, para não correr
riscos, teria a força estatal para cuidar desses interesses e garanti-los à
força. O pagamento por esse esforço empregado publicamente, viria do recolhimento
dos impostos. Em síntese, a liberdade teve, desde o início um preço a ser pago,
como um dever obrigatório para adquirir um direito.
Não podemos deixar passar despercebido que, a propriedade
privada, a produção e acumulação da riqueza por meio do trabalho e a circulação
do capital, estão na origem desse debate. Tanto assim que Karl Marx, ao reler a
obra de Hegel, interessou-se bastante por esse capítulo denominado de: “O Direito
Público interno”, iniciado no inciso (260) e, de imediato, destacou que, a
premissa inicial do texto pregava que: (...) a liberdade concreta consiste na
identidade .... do sistema dos interesses particulares (da família e da
sociedade civil), com o sistema do interesse geral (do Estado)”[2]. A polêmica seguiu-se,
margeando o alcance dessas primeiras proposições e chega aos nossos dias,
movida pelos mesmos interesses alimentados pela propriedade privada e pela acumulação
do capital.
Antes que dispersemos a atenção e comecemos a perguntar
por exemplo, o que seria de uma sociedade sem Estado, leis, parlamentares,
juízes, policiais e prisões? Ou se seria possível viver em uma sociedade na
qual qualquer indivíduo faz a sua lei, tendo os mais fortes o direito a exterminarem
os mais fracos?
Embora que no fundo trata-se desse problema dos mais
forte por força da lei garantem o direito a eliminarem os mais fracos, não é
este o sentido da discussão. Evidentemente, uma sociedade acostumada a viver
com certas convenções, ao se ver privada delas, se desarruma. Mas é bom pensar
que, há redutos nos subúrbios das grandes metrópoles e em muitas pequenas
cidades, nas quais as leis já são feitas pelo tráfico ou outros grupos ligados
ao crime e não pelo Estado.
A questão é saber quando as leis servem aos interesses gerais,
voltadas para o Bem-comum, ou se voltam para servir a liberdade de grupos particulares,
dedicados à acumulação do capital e a ampliação das posses? Podemos comparar as
importâncias. Para uma família sem casa, a garantia da lei de que ela é livre
para comprar um terreno e construir o seu espaço, é fundamental. A escritura
comprova o direito de propriedade e pode ser usada como garantia para fazer um
financiamento bancário etc. Isso se repete com qualquer objeto. Um bem de uso
comprado, com nota fiscal, dá garantia de que pertence a quem o pagou. No
entanto, isto é válido também para o grande proprietário que, para construir um
condomínio, utiliza-se dos mesmos argumentos para despejar centenas de famílias
que não possuem um documento igual ao dele. As grandes empresas de mineração
que invadem as regiões, obrigando as câmaras de vereadores aprovarem a
exploração dos minérios e, tantos outros exemplos que não há necessidade de
aqui citá-los.
Vamos além, no poder dos mais fortes sobre os mais
fracos, e, estacionemos no assunto do momento conhecido como “Marco temporal”.
Ninguém pode negar que o território, antes do ano de 1.500 era habitado por
muitos povos indígenas; diz o IBGE de hoje, existir 350 etnias, com 270 línguas diferentes. Não há registros que
esses habitantes tivessem um cartório de registro de propriedade e nem que
houvesse algum corretor de imóveis demarcando e vendendo lotes para os
indígenas. No entanto, a “sociedade civilizada” (Hegel a chamou de civil), por
meio da autoridade dos poderes da República e, instigada por grupos
interesseiros, entrou em conflito para decidir até que data os povos
originários, tem o direito de reivindicar a posse de suas terras. E, a data sugerida
é precisa: 05 de outubro de 1988, dia da aprovação da última Constituição
Federal.
No momento arma-se um teatro para protelar a decisão. De
um lado o Congresso Nacional, aprovou o projeto de lei, 490/2007 na Câmara dos Deputados e o encaminhou, com
a referência 2903/2023; aprovado também no Senado Federal no mesmo
momento em que o Supremo Tribunal Federal, pela maioria dos juízes, definiu com
posição contrária ao marco temporal.
Todos sabemos o que irá
acontecer. Na medida em que o Supremo Tribunal considerar inconstitucional essa
lei aprovada, ou o presidente da República vetar, o Congresso Nacional,
composto por representantes do capital e da grande propriedade, produzirá uma
PEC (Projeto de Emenda à Constituição), e dirão que agora, a Constituição estabelecerá
claramente o que os interesses privados querem.
Em síntese, as mesmas
palavras na boca de diferentes falantes podem ter significado oposto. Porém, enquanto
os povos indígenas continuarem resistindo, sozinhos, contra a aprovação das
leis, os interesses privados andarão a passos largos, em vista de garantirem,
legalmente ao capital, os direitos privados, desrespeitando os direitos legítimos
das populações mais pobres. A força da lei não pode ser maior do que a força da
justiça, para tanto, é preciso continuar a luta para superar o capital e o
Estado, para que, nunca mais, a medida do justo seja imposta pela propriedade.
Ademar
Bogo
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