O filósofo alemão G.W.L Hegel ao
escrever sobre “A filosofia do espírito”, começou por mostrar que o mundo em que a autoconsciência deve ser
afirmada está dividido por dois domínios em constante conflito. No primeiro, o próprio
individuo está ligado ao trabalho que precisa desenvolver para sobreviver; no
outro, ele mesmo quer apropriar-se do trabalho de alguém, passando, por meio
desse ofício a dominá-lo. Por isso, todas as relações humanas são mediatizadas
pelas coisas. Ao prender-se ao fazer das coisas, o indivíduo transforma a sua consciência também em “coisa” e ele mesmo
passa a ser um objeto de uso de si e para os outros.
Por qualquer lado que olhemos o
Brasil é um país dividido por domínios, constituídos por extremos perigosos.
Nem sempre as partes opostas estão situadas em territórios diferentes. A
miséria e a riqueza andam próximas, se cheiram e se encostam nos centros das
grandes metrópoles. Onde se elevam os palácios, nas praças as barracas dos
moradores de rua formam a nova jardinagem. Mais adiante, os restaurantes finos
e nas ruas mendigos pedindo um prato de comida. Sem contar com os hospitais particulares
reservados para as elites e no lado oposto as longas filas no SUS.
Se voltarmos os olhos para os
campos, as mesmas disparidades revelarão as condições inconciliáveis da concentração
da terra, acompanhada pela devastação feita pela opulência das máquinas
modernas, que prometem abarrotarem os mercados mundiais de produtos, mesmo que
contaminados e envenenados pelos agrotóxicos, enquanto, pelo menos três dezenas
de milhões de famintos e outros tantos sem trabalho vegetam no País em busca da
própria subsistência.
O Brasil é um país cindido também pela
afirmação totalitária. De um lado, o desprezo total das diferenças de outro, um
povo, uma nação, uma língua; de outro, a
Fundação Nacional dos Povos Indígenas, afirma que no Brasil, existem 305 etnias
que falam 274 línguas, mas que pela supremacia da personificação do capital da
etnia branca, essas referências tradicionais e culturais, são relegadas e
espezinhadas pelos invasores dos últimos redutos tradicionais.
O retrato mais recente da divisão
vergonhosa estruturada está expresso na população Yanomami em Roraima, onde cerca
de 30 mil garimpeiros escavam os rios nas proximidades das habitações indígenas
para arrancarem o ouro e satisfazerem a cobiça dos grandes mercados, que, para
além da proximidade em que atuam das comunidades, além de devastarem, poluírem
e envenenarem o ambiente, violentam e
condenam á morte aquela população.
Muitas são as informações
desencontradas que chegam aos ouvidos de quem acompanha os noticiários, porque,
por trás das palavras estão os interesses e os temores que, entre si aliados,
reuniram diferentes forças para atacarem a tradicionalidade dos povos originários
e o modo como viverem.
Os interesses do capital
especulativo, que procura desesperadamente transferir as suas reservas de
papeis e números para uma substância, valiosa e duradora, reacendeu nos últimos
anos a corrida pela mineração. Nesse sentido, as áreas indígenas menos
intocadas, tornaram-se o alvo imediato da volúpia financeira.
Os interesses políticos, expressos veementemente
pelos representantes do governo passado, voltaram-se pela destruição do modo de
vida e de sobrevivência desses povos; primeiro, incendiando as florestas para
restringir o tamanho dos territórios e, segundo, investindo com determinações de
inserir a modernização tecnológica capitalista em vista da produção de
mercadorias. E, terceiro, fingir “cididanizar” o indígena incluindo-o na total
submissão do Estado Democrático de Direito, único e coercitivo.
Por parte das forças de segurança
nacional, o temor de que se possa vir a se formar, com a cooperação internacional,
um “Estado indígena independente”, de concepção comunista, também facilitou
para que o desatendimento, a facilitação das invasões e a ofensiva garimpeira
armada, produzissem aquela situação inadmissível e muitas das outras existentes
no Norte do país.
Por estas e outras razões a decisão de
extinguir as garantias constitucionais e a autonomia dos povos indígenas de terem
os seus próprios territórios, levaram até aqui, a restringir o atendimento, a
proteção e o apoio para que aquelas comunidades fossem fortalecidas e se defendessem.
Agora, o Estado entra com diversas medidas, que vão desde a assistência imediata,
a investigação sobre os propósitos de genocídio e, as forças armadas, entram com
o recrutamento de jovens para comporem a força de segurança anticomunista.
Se voltarmos a Hegel, vamos perceber
que o pensamento filosófico mostra-nos que as “relações são mediatizadas pelas
coisas”, sendo que os povos originários não produzem mercadorias nos moldes
capitalistas, regido pela propriedade privada dos meios de produção,
evidentemente que as formas de produção utilizadas por eles, e o regime
político que adotam internamente, têm ainda raízes no Comunismo Primitivo, no
qual, a essência da manutenção das práticas extrativistas e da ordem social está
na força comunitária.
Embora que sejam comunidades originárias
organizadas dentro do Estado Nacional, a autonomia para estes povos gerirem o
próprio destino é indispensável. Ali deverão instituir as suas formas de
produção com liberdade e de acordo com a necessidade de sobrevivência da evolução
populacional; terem a garantia da autonomia política preservada; falar a própria
língua e desenvolver o sistema de educação próprio em todos os níveis; ter a
sua força de defesa que seja formada e educada para a defesa dos princípios culturais
e morais de cada povo.
O confronto entre as duas concepções,
a capitalista e a comunitária é desproporcional, nessas condições, para a resistência
da segunda. A extração do ouro nos moldes destrutivos do meio ambiente não se adapta
ás condições naturais dos povos originários. Querer força-los a integrarem-se
nos moldes da civilização capitalista é abrir contra eles as portas da
barbárie.
Para as pessoas conscientes e
sonhadoras com um mundo melhor, é importante compreendermos que os territórios
indígenas no Brasil, tornaram-se os últimos redutos da defesa da terra e do
meio ambiente. A dizimação dos mesmos será a declaração de que o capital chegou
nos confins aonde a produção de mercadorias o levou.
A defesa da Amazônia passa, portanto,
pela autonomia dos povos originárias poderem arquitetarem as próprias formas de
subsistência. Todo o apoio, solidariedade e políticas públicas serão
importantes, mas acima de tudo, são eles que devem assumir o comando e, aliados com as forças trabalhadoras e
populares, transformarmos, o clima, o ambiente, a preservação cultural, a
autonomia política e a soberania nacional,
em elementos da mesma luta de classes.
Ademar Bogo