Esta discussão poderia adotar
diferentes nomes, como rejeição, negação ou até mesmo imposição de vontades.
Freud em 1925, no âmbito da individualidade, nos disse que, “A negativa
constitui um modo de tomar conhecimento do que está reprimido...”. Porém há
pela força do juízo a possibilidade de polarizarmos os julgamentos orientados
por dois grupos de instintos. Se por um lado nega-se para afirmar, por outro
lado, a negação se transforma em expulsão e se vincula ao instinto da
destruição.
Estas contrariedades quando presas
ao existir de um indivíduo apenas cria um mal-estar pessoal, embora que esse
mal se irradie em direção aos demais seres da convivência; quando se trata de
comportamentos coletivos, os recalques e impulsos de expulsão e destruição,
transformam-se em riscos, porque, as vontades dos interesses transformam-se em
ações concretas e a não aceitação do outro ou do contrário, investe-se de poder
conspirativo contra indivíduos e estruturas.
O filósofo francês Henri Bergson fez
uma bela discussão sobre as categorias do “fechado” e “aberto” no domínio
social. A sociedade fechada, como uma colmeia de abelhas, funciona entrosando os
indivíduos mutuamente, prontos para atacarem ou defenderem a qualquer momento.
Supostamente colocam a inteligência no lugar dos instintos sem avaliarem e
medirem as consequências dos atos. Para essas sociedades ou agrupamentos, a
moral e a religião são fundamentos estruturadores.
Por outro lado, a sociedade aberta
não é estática e está voltada para fora, orientando-se pelo princípio
universal. Busca transformar-se a partir da superação de suas próprias pressões
e contradições sociais. Ocorre que uma mesma sociedade pode jungir os dois movimentos
e, num determinado abrir-se, enquanto que num outro momento inesperadamente
pode fechar-se.
Por outro lado, tanto em uma quanto
em outra sociedade, há de se pensar na governabilidade e aí, Berger nos ajuda a
melhorar a visão sobre a diferença entre o aberto e o fechado, pois, “a arte de
governar um grande povo é a única para a qual não tem havido técnica
preparatória, nem educação eficaz, sobretudo em se tratando dos cargos mais
elevados”.
Os diversos elementos acima já são
suficientes para compreendermos a situação econômica, política, social,
cultural e moral em que vivemos. A princípio há evidências de que somos, mesmo
em uma sociedade aberta, formada e governada por grupos fechados, denominados
de família, empresa, associação, igreja, clube, exército etc., e, os líderes
desses agrupamentos, atuam orientados por normas corporativas específicas. A
negação e a expulsão de membros dessas estruturas levam sempre em conta os
desejos e interesses particulares. Sempre quando irrompe alguma ameaça contra a
autoridade, normas ou interesses, a tendência é haver uma reação instintiva,
vingativa ou destrutiva.
Evidentemente, em todas as
sociedades fechas ou que estejam em processo de fechamento, os dois primeiros
recursos a serem adotados se fundamentam na moral e na religião. A
desmoralização visa tirar da parte a ser dominada, todo e qualquer respeito e
santificar ou endeusar a parte que sacrificará em busca da legitimação divina.
No fundo, o interesse é fazer a maioria temer por duas forças: a repressiva e a
espiritual.
O Brasil é uma sociedade
militarizada e cristã, por isso a política não está alheia ao domínio militar e
religioso. Em ambas as direções ou pior, quando combinadas, sofremos as
consequências, pois, os instintos do fechamento, por inexperiência das
lideranças lidarem com as multidões, ameaçam sempre cercear a liberdade
daqueles que almejam mais espaço e fortalecer os interesses do status quo. As ameaças constantes de
golpes que se parecem a blefes, é o modo de ser de tais autoridades diminutas, as
quais foram educadas para liderarem grupos ou viverem em grupos fechados, é o
caso do presidente da república atual que se cerca de militares como se
estivesse em um quartel e não na governança de um país.
No entanto, não significa porque o
golpe não vem que ele não esteja vindo. A manifestação do instinto do
fechamento para que o todo funcione, segundo os interesses da parte,
apresenta-se como se uma colméia de abelhas, a partir de seu próprio entendimento,
impusesse ao mundo, o seu modo de ser, e quem não se enquadrar corre o risco de
levar ferroadas.
A
tendência à destruição da ordem estabelecida é um desejo em ascensão. Parece
estranho os próprios dominantes agirem contra a ordem dominante, colocando em
dúvida a autoridade dos poderes, dos processos e das leis. Mas nada é estranho
para grupos fechados; no fundo é o jeito de serem e agirem corriqueiramente.
É
importante compreender os instintos dos representantes das sociedades fechadas,
para que “as sociedades abertas”, com lideres capazes e interessados em
mobilizar multidões, possamos reagir, não apenas contra o fechamento da porta principal do poder
político, mas de todos os fechamentos anteriores, depreciativos dos valores
civilizatórios e que estamos fartos de vermos e ouvirmos sobre ocorrências
policiais desumanizadas; reações neo-nazistas contra as diferenças raciais;
preconceitos religiosos transformados em ações criminais,; armamento
indiscriminado de futuros delinquentes civis, etc., que servem de exercícios para
a consolidação da unidade dos componentes da sociedade e do Estado fechados.
Se
as sociedades fechadas, lideradas por pessoas que não possuem a arte de liderar
grandes multidões, só podem acontecer por meio das armas e da violência, é
evidente que as duas coisas podem também estar presentes nas sociedades abertas
e participativas, mas a essência dos processos é diferente. Nas sociedades
fechadas as pessoas e instituições correm riscos maiores de sobrevivência.
No capitalismo, em qualquer uma das formas, fechada ou aberta, para a maioria da população não é o melhor dos mundos, pois, a democracia, além de não ser participativa na política é antidemocrática na economia e nos direitos sociais. A luta contra o fechamento dos regimes é vital, não apenas para que o todo não venha a ser dominado pela parte, mas, principalmente porque é anti-humano deixar-se dominar por instintos destrutivos, arrogantes e empobrecedores até mesmo dos valores dessa civilização em crise.
A
melhor forma para evitar o fechamento das sociedades é lutar para deixar os
caminhos abertos por onde devemos passar com as multidões rumo ao
escancaramento das portas da justiça da igualdade e da solidariedade universal.
Ademar
Bogo
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