A política das últimas décadas move-se
pelo parâmetro da sobrevivência. De certo modo ela não atua mais para produzir
rupturas e transformar a sociedade, mas para salvar entidades e indivíduos que
decaíram ou foram enfraquecidos pelas escolhas estratégicas equivocas feitas,
ou crimes privada ou publicamente praticados. No fundo, trata-se de um
aparelhamento das instituições governamentais em troca de servir bem os agentes
acumuladores de capital.
O filósofo Nietzsche, com toda a sua
astúcia, ao expressar no livro “A gaia ciência” (345) mostrou-nos que, “a falta
de personalidade se expia em toda parte; uma personalidade enfraquecida,
frágil, apagada, que se nega e se renega a si própria não serve para mais
nada...”. Isto serve para a autoridade máxima do país, com suas “graças”
distribuídas; dos partidos políticos sustentados pelo “fundo partidário”; das
Igrejas que, por intermédio de seus pastores negociam propinas sobre as verbas
públicas e também dos movimentos sociais e ONGs que, desamparados buscam a
saída institucional para sobreviverem enquanto personalidades jurídicas como
também forças sociais.
Desde a antiguidade atribuí-se à
política diferentes funções, mas, em geral ela sempre foi vista como “arte”, de
administrar bem. Na contemporaneidade, com a formação do Estado capitalista, a
política avançou para ser a arte de representar. Dessa forma, o Estado como
forma política passou a abrigar os interesses conservadores, conformistas e
criminais.
Quando pensamos em “interesses
conservadores”, vislumbramos as práticas voltadas para a manutenção da ordem,
de agir conforme a lei posta, ou na elaboração de outras que ataquem as
fraquezas do sistema. Os interesses conformistas, muito não diferem dos
primeiros, mas convertem a política em um sentimento de impotência e, sem
deixar de alimentar a brutalidade do sistema, as forças no governo, buscam
banquetear com as sobras, as forças apoiadoras dos grupos mais destacados. No
terceiro nível, os interesses criminais pré-estabelecidos, visam o controle
político estatal e governamental, para manter aberta a estrada da corrupção e
assegurar a proteção dos agentes da criminalidade financeira, política, social,
policial, ambiental etc.
Figurativamente podemos demonstrar que o
Estado é uma máquina de oxigenação de corpos que sem o aparelhamento
governamental, politicamente não sobreviveriam. Dizer que a força política de
uma organização passa prioritariamente por dentro do Estado, significa dizer,
utilizando um conceito gramsciano que, a contra hegemonia revolucionária foi
sacrificada em nome da ordem financiadora dos interesses colaboracionistas.
A política representativa como filha do
liberalismo econômico, político e institucional, gerou uma encantadora neta
conhecida pelo nome de “colaboração” e, esta passou a intimidar a luta de
classes e todas as ofensivas contra o capital e o Estado.
A forma política institucional, com o
enfraquecimento do bloco dos países de tendências socialistas, promoveu, desde
a Revolução francesa de 1789, a maior conjugação de forças já vistas para gerir
o capitalismo. Tanto é verdade que os processos das disputas eleitorais,
conduzidos por todos os partidos políticos oficializados, não separam os
representantes das classes antagônicas, ao contrário, tornam-se interesseiramente
e afetivamente amigos.
Nas últimas décadas do século passado,
mesmo a União das Repúblicas Soviéticas, classificadas como “socialismo real”,
já não alimentassem mais o sonho das transformações revolucionárias,
sustentavam, de algum modo, os confrontos de classe e a identificação viva do
imperialismo como inimigo da humanidade. A perda da preocupação para responder
à velha pergunta revolucionária, de “Quem são os nossos inimigos?”, deu lugar à
formulação colaboracionista chapoliana, para outra preocupação, a de “Quem
poderá nos salvar?”
A política da sobrevivência das
entidades populares, abandonadas pela colaboração das Organizações não
Governamentais (ONGs) desde o início deste século, não pode empurrar para
dentro dos governos, os representantes que servirão como amortecedores das
pressões contestatórias futuras. O campo de batalha, não pode ser o das
“batalhas sem campo” definido, isto porque, a institucionalidade não é um campo
de luta, mas um espaço indefinido aonde vigora a colaboração para a manutenção
da ordem.
Estamos em um momento político que é
preciso distinguir o que é divergência política e antagonismo de classe. Se as
divergências nos instigam a lutar contra a forma de governar, o antagonismo
deve nos empurrar para combatermos as classes que governam. Não se trata de
tomar o lugar dos representantes da classe dominante no primeiro vagão, se a
máquina que puxa todos os vagões do capitalismo, continuar rangendo sobre os
mesmos trilhos indo na mesma direção. Trata-se de mudar o itinerário da viagem;
para isto é preciso desembarcar a classe dos capitalistas e, lá adiante,
descartar o próprio trem.
É evidente que se trata de considerar as
táticas elaboradas sobre as circunstâncias históricas. Não se pode imaginar
atuar em um cenário que não existe, embora ele possa vir a ser configurado.
Mas, por outro lado, é impróprio, em nome da mera sobrevivência, propor-se a
seguir mansamente para dentro da jaula do consenso que asfixiará a todos, assim
que a jaula for se enchendo. Esse movimento de candidatar as melhores
lideranças, no passado já foi experimento pelas centrais sindicais e o
resultado pode ser conferido a olho nu.
Os cenários presentes não são
suficientes para que as táticas sejam formuladas. Pesa sobre os ombros das gerações
atuais, a responsabilidade do que poderá renascer no futuro. Se o inimigo
sempre volta, as gerações do passado que lutamos contra a continuação da
ditadura militar, até 1985, deveríamos imaginar que essa tática inimiga,
permanecendo as forças armadas descontroladas pela sociedade civil, poderia
voltar, como de fato voltou de uma forma tão mascarada que, a população que
lutou por “diretas já”, contra aqueles que haviam impedido as eleições por 20
anos, viram os seus descendentes legitimá-los pelo voto em 2018.
Não há política revolucionária fora da
luta de classes; há sim, em nome da sobrevivência, colaboração e consentimento
político. Não adianta chorar o passado; lágrimas não curam pancadas. No
entanto, se o arrependimento não repara danos históricos, é imprescindível
evitar de novamente cometê-los.
Ademar Bogo