Karl Marx, na posterior introdução à “Critica do Direito de Hegel”, no vigor de sua juventude, deu-se conta de que havia um travamento no processo de emancipação humana. Os limites do protestantismo e a relação de dependência da sociedade civil, do Estado, contribuíam para dificultar o avanço do processo revolucionário radical.
Por sua vez, a perspicácia de Marx foi perceber que “As
revoluções precisam de um elemento passivo, de uma base material. A teoria só é
efetivada num povo na medida em que é a efetivação de suas necessidades”. E no
final do mesmo parágrafo, após algumas indagações específicas, concluiu
dizendo: “Não basta que o pensamento procure se realizar; a realidade deve
compelir a si mesma em direção ao pensamento”. Temos, portanto que saber
combinar a teoria com as necessidades.
Para direcionarmos o entendimento dessa significativa
observação, devemos proceder com o método filosófico de análise, separando a
categoria superior, “revolução”, das categorias subordinadas, interrogando: O
que é: “passiva?”, “material?”, “teoria?”, “efetivação?” “necessidades?” e
“direção?”.
Feito isto, podemos recorrer ao contexto no qual Marx
estava inserido, como também procurar aplicar as mesmas categorias em uma
realidade assemelhada, quando as religiões protestantes parecem assumir a
hegemonia da alienação e a sociedade civil, ao invés de enveredar para a
emancipação, regride e deposita no Estado toda a responsabilidade de impor a
ordem coercitiva, para punir e refrear a força contrária e, com isso, as
disputas se radicalizam em dois pólos favoráveis do capitalismo, como aconteceu
na realidade alemã.
Na medida em que, na atualidade, a categoria superior é
despida de sua importância e distanciada das discussões, as categorias
subordinadas perdem os poderes de importunar e, as palavras tendem a dizer
apenas o trivial ou a considerarem o proposto como o real estabelecido possível.
A direção, em se tratando de política é tudo. Isto
porque, se as revoluções precisam de um elemento passivo, ou seja, a base
material concreta, não há como distrair
as atenções para fora desse entendimento colocando na ordem lógica, realidade e
teoria.
Se temos a base material “passiva”, ela está a espera de
ser agarrada, pelo sujeito ativo da revolução. Mas isto não se dá sem antes formular
os pensamentos e consultar as necessidades e carências existentes nesta base.
Essas necessidades, após serem teorizadas devem contribuir para que toda a
realidade seja “compelida”, impulsionada ou arremessada a favor do pensamento
revolucionário. Essas indicações não são impressões instituais. Marx, em 1843
vivia a ebulição das revoluções liberais da Europa e convivia com o atraso do
país alemão.
Há nessa descrição duas possibilidades de respostas para
a pergunta “o que é necessidade?”. Certamente, não encontraremos nenhum
indivíduo, politizado ou não, que não responda a esta indagação com o conteúdo
evidente das carências sociais e, para nós, na atualidade, “pão” quer dizer
tudo.
Essa resposta substantiva, se apenas restrita ao “pão” é
totalmente insuficiente e conformista. Para os cérebros mais atentos a
preocupação vai muito além da necessidade. A fome nos mostra a situação de uma
sociedade encurralada no degrau mais baixo da escada que mede o descenso da
dignidade humana. É evidente que, a solução da mesma, embora seja uma emergência,
não emancipa os famintos, assim como o direito à liberdade religiosa não
emancipava os judeus na Alemanha. No entanto, o capitalismo decadente nos
coloca cotidianamente a pauta das emergências articuladas entre si. Já não
sabemos o que é mais grave, se a fome, a escassez da água, a queima das
florestas, a perda da soberania, a violência ou a falta de trabalho, renda etc.
Para
evitarmos o rebaixamento da teoria em direção à explicitação do desejo de
caridade ou da assistência, como o máximo possível de ser proposto na política,
devemos pensar no conjunto das emergências e necessidades individuais componentes
da realidade social, mas que, em contato com a teoria devem apontar para a
verdadeira emancipação.
Chegamos ao grande limite do dilema posto acima. Se de um
lado movem-se as forças interessadas em realizarem o pensamento assistencialista,
atendendo as necessidades dos famintos
com o pão, de outro lado, “a realidade deve compelir a si mesma em direção ao
pensamento”, fazendo com que ele se coloque a favor do movimento ascendente da
transformação social.
Em síntese isto tudo nos diz que, se entendemos as
“necessidades” apenas como pão, trabalho, moradia etc., imaginamos, como
minoria, galgarmos o ponto mais alto do Estado, com os pensamentos voltados para
os debaixo, prometendo a eles o acesso aos direitos sociais, mas nunca a
emancipação. No entanto, se consideramos que a “revolução” é a necessidade
principal, devemos compelir as forças converterem a mesma em um direito. Logo,
o faminto deve desejar o pão e aprender a desejar também a revolução. Assim
como o desejo de quem se envolver para saciar a fome alheia deve ser convertido
no desejo da superação do capitalismo.
Não é mais possível atuar sobre a “realidade passiva”,
com pensamentos de passividade. A falta de pão é a demonstração da verdadeira
decadência de um sistema incapaz de alimentar os seus próprios reprodutores. A
urgência do “dai o pão a quem tem fome”, não deve servir para rebaixar a teoria
ao nível da passividade contemplativa da decadência.
Os direitos devem ser vistos no conjunto. O impulso da
solução de uma necessidade, deve compelir para enfrentar outras necessidades ainda
maiores, principalmente porque, não temos apenas necessidades animais para
suprir. Devemos dar sequência ao pensamento: “só com pão não somos nada e
teremos que ser tudo”.
Ademar
Bogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário