O
filósofo Georg Lukács, considerou as revoluções liberais de 1830 e,
principalmente as de 1848, referências determinantes para entendermos que a
burguesia como força política hegemônica, junto com a perda do seu lugar à
frente do progresso social, principiou a viver também a decomposição da
filosofia clássica, sustentadora até então dos seus anseios revolucionários.
Com
o fortalecimento do proletariado, a Filosofia passou a ser produzida pelos
críticos e não mais pelos defensores do capitalismo. A superação desse modo de
produção constituiu a base do estímulo para se buscar a unidade mundial dos
trabalhadores, como a nova força revolucionária, por meio das formas de
organização sindical e partidária, tendo a sua expressão primeira na Associação
Internacional dos Trabalhadores, fundada em 1864.
Se
a filosofia liberal burguesa a partir das revoluções de 1848 principiou a sua
decomposição, em qual campo passou a ser sustentado o pensamento burguês? Ao
valorizar a ciência e a tecnologia, a busca pela produção de novas mercadorias,
incluído a indústria bélica, grande parte dos capitalistas orientou-se pelas
leis tendências da economia e, outra parte, adepta dos ganhos rápidos, encarnou
o capital especulativo, estreitamente ligado ao poder político do Estado
capitalista. No entanto, em termos de pensamento filosófico, produzido por
Thomas Hobbes, John Locke, Adam Smith, Immanuel Kant, Georg Hegel, para citar
alguns deles, houve um total apagão e em seu lugar os burgueses passaram a
atuar, principalmente na política com a ideologia.
Qual
é a diferença entre Filosofia e Ideologia? Grosso modo, podemos dizer que a
Filosofia empenha-se num processo constante de revelação da verdade, enquanto
que, a ideologia, segue o caminho inverso, ocupa-se de obscurecer a verdade.
Inicialmente a ideologia não chega a ser uma “mentira”, porque os elementos
reunidos nas justificativas são reais. E, se por um lado os burgueses unificam as
justificativas com os interesses, por outro lado esperam que as suas ideias enganosas
sejam tomadas como verdade. Marx e Engels em 1845 denominaram essa forma de ser
da ideologia, de “falsa consciência”. Ou seja, os ideólogos enganados pelas próprias
formulações, pensam levar as suas ideias como verdades para serem assimiladas
pela sociedade em geral.
Há
diversos exemplos na História demonstradores desse entendimento. Quando na
Idade Média as pregações defendiam que no universo a terra era centro e,
baseados nas Sagradas Escrituras consideravam herege quem pensasse o contrário,
não era uma mentira, apenas um engano mais tarde esclarecido. Quando Adam Smith
em seu livro, “A riqueza das nações” atribuiu ao equilíbrio das relações entre
produção, circulação e consumo à força de “uma mão invisível” ou ao próprio
mercado, estava concretizando o pensamento liberal e, para a época, as mais
puras verdades econômicas. Mentiras são as justificativas neoliberais de nosso
tempo, isto porque já existindo elaborações contestadoras das formulações da economia
política formuladas no passado, tentam ainda fazer crer nos enganos já
debelados.
Mas
a ideologia pode também vir a ganhar a forma de mentira e desenvolver-se por
meio de uma segunda forma de “falsa consciência”, fazendo com que falsas ideias
ganhem credibilidade na consciência das massas. Vimos isto muito nitidamente na
“Operação Lava” Jato ao propor-se combater a corrupção quando o objetivo era
interferir no processo eleitoral; as reformas da previdência e trabalhista que
prometia mais empregos e segurança previdenciária; a eleição de um “antipolitico”
para implantar uma “nova política”; a liberação da venda de armas para
“combater a violência”; o tratamento precoce como prevenção da contaminação do
coronavírus, quando por trás era para as empresas farmacêuticas triplicarem os
lucros; a eficiência do funcionamento da máquina pública, com a presença de
militares que se revelam ainda mais corruptos;
o negacionismo da ciência em nome da contaminação e imunização natural e
tantas outras mentiras.
Mas
porque então sendo mentiras comprovadas uma parcela da população continua
acreditando serem verdades? Pela simples razão de que a “falsa consciência” é
alimentada em todos os seus momentos e as justificativas atuam basicamente em
três sentidos: emoção, imaginação e vontade. Ou seja, a vitimização afeta
diretamente as emoções mantendo-as em um nível elevado de revolta, porque, por
trás da “falsa vítima” há indicações de culpados reais, seja como instituições,
leis ou autoridades. Imaginariamente o comunismo é apresentado como um terror
emergente vindo pelas mãos de inimigos portadores de símbolos, como as
bandeiras vermelhas, por isso, “eles” devem vestir-se com verde e amarelo e irem
aos templos evangélicos orarem para que o pior não aconteça. Tudo isso desperta
a vontade de fazer alguma coisa, nem que seja replicar nas redes sociais as mentiras
contadas, pelos agiotas do capital especulativo em sintonia com o “gabinete do
ódio” e o banditismo institucionalizado.
Dito isso, não podemos festejar, porque
descobrimos que as forças burguesas desde 1848 atuam com total ignorância
filosófica. Muito pelo contrário, se assim o fazem é porque, essa classe, ao
deixar de ser revolucionária, passou a se guiar pelos interesses privados e,
mesmo sem renovar os fundamentos teóricos, atua obedecendo as ondas e as
crises, enquanto a decadência do modo de produção capitalista permitir.
Portanto, mais do que festejar devemos temer o avanço da barbárie que essas
formas falsas de consciência induzem a não perceber.
De
outro modo, poderíamos pensar que a Filosofia do proletariado, iniciada pela
teoria social de Karl Marx e Friedrich Engels, nos ajudaria a combater as
formas de “falsa consciência” proliferadas pela ideologia burguesa. Mas não é
bem assim, por duas razões: a primeira é que a própria “filosofia proletária”
sofre de certos transtornos e atrofias intelectuais, concentrando em si enormes
limitações para se impor como a única Filosofia possível de evolução e, a
segunda, é que o perigo de reproduzirmos as duas formas de “falsa consciência”
é iminente e, por isso, as proposições de saídas para a superação do
capitalismo, assemelham-se às falsas formas de entendimento para mantê-lo.
Se
observarmos atentamente ao movimento das contradições políticas, perceberemos
os limites. Em primeiro lugar, a humanidade acostumou-se a diferenciar quem
está a favor ou contra na política, pelas categorias de “situação” e “oposição”
ou “direita” e “esquerda”. Essas categorias tiveram as suas origens nas
disputas entre as forças da Revolução Francesa, que nem partidos políticos
ainda possuíam, mas se dividiam em partes denominadas por “Girondinos”, direita,
e “Jacobinos”, esquerda. No entanto, essa esquerda jacobina, legalista, que
havia dirigido a Revolução, não queria destruir o capitalismo, mas fortalecê-lo
tornando eficiente também o Estado capitalista e o Direito positivo
Entre
a esquerda jacobina, de 1789 orientada pela Filosofia clássica e liberal
burguesa, e a nova classe proletária criadora da nova Filosofia escrita por
Marx, existe grande diferença: nos princípios, forma organizativa, moral
revolucionária etc. Mas isto pouco ou quase nada poderia nos interessar por
representarem resquícios de um passado distante. Mas não. Tanto a esquerda
Jacobina da Revolução Francesa continua presente em nossos dias, quanto o
proletariado, eleito por Marx como a classe em ascensão para a superação do
capitalismo. No entanto, principalmente os “jacobinos” que atua nos partidos
comprometidos com as disputas eleitorais apenas, buscam melhorar o
funcionamento do capitalismo e do Estado, orientando-se pela enganosa de “falsa
consciência”.
Podemos agora questionar, se as forças de
direita e de esquerda utilizam os mesmos recursos da “falsa consciência”,
possuiriam os mesmos objetivos? Sem muitas delongas respondemos que não. As
forças de direita são enganadoras e mentirosas. Agem dessa forma, mesmo sabendo
que existem explicações para as crises e para a decadência do capitalismo, por
isso, não estão enganadas, mas consciente. Nesse sentido, elas atuam
sustentando a ideologia como mentira. Ao contrário, do ponto de vista da
“esquerda jacobina”, a sua atuação se sustenta na primeira forma de “falta
consciência”. Age de boa vontade, mas está enganada porque que não consegue
conciliar a visão utópica com a realidade. E, por sua vez, ao ignorar a
Filosofia do proletariado formulada não consegue formular as verdadeiras
questões que desvendem as contradições, por isso enganada engana os
trabalhadores, fazendo-os acreditar que, se “substituir os governantes”, o
capitalismo funcionará melhor. Mas podem ter um ponto em comum de agirem sem
Filosofia: a direita por não tê-la e a esquerda por desleixo de não estudá-la e
conhecê-la.
Essa
forma de ideologia adotada pela esquerda governista, mesmo que não mentirosa,
mas enganosa, compromete profundamente a definição das táticas e estratégias no
que diz respeito a seus alcances; a formulação das tarefas e dos métodos de
ação, bem como as escolhas das leituras e temas de formação da militância.
Voltar
a ler Marx não significa abandonar tudo que foi elaborado filosoficamente de
útil depois dele, mas, acima de tudo, é voltar ao ponto em que a filosofia
burguesa se exauriu e entender que de lá para cá, o que a classe dominante fez,
foi governar o mundo por meio da “falsa consciência”, transformando as mentiras
em crenças e as crenças em alienação.
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