O movimento das contradições podemos encontrá-lo na consciência ou nas coisas. O alemão, Georg Wilhelm Friedrich Hegel, compreendeu, por esse movimento, que a dialética é a força que nos faz ir em direção ao “ser outro”. O outro pode estar fora como dentro de mim mesmo. É aquele que me faz perder as ilusões criadas ou me assegura que é possível de ser mais do que já sou.
Para o filósofo alemão, a dialética tem a sua existência
realizada em três momentos: primeiro, “O ser em si”; segundo, “o ser outro ou
que está fora de si” e, terceiro, é o momento do “retorno ou superação de si”.
Esse processo pode ser aplicado em uma semente que morre e sai de si para virar
árvore, cujo ciclo, lhe permite, depois da planta crescida voltar a ser semente;
como também acontece na formação, evolução e transformação das ideias e do
conhecimento.
É evidente que o “momento dialético” não se forma sozinho
e nem tampouco se move puramente pela força da contradição, outras duas
categorias ajudam a fazer o processo ganhar sua própria consistência que se
denominam de, “mediação” e “finalidade”. No exemplo acima, a mediação está
representada pelos próprios elementos da natureza. O ser outro da semente não é
ela mesma, mas a árvore que se serve também como finalidade de ser o que virá a
ser e também de repetir-se enquanto origem na na suaperação da quantidade e da
qualidade das sementes.
Dito isto, voltemo-nos para a realidade social e, por
nossa própria conta e risco, levemos aquele pensamento filosófico, elaborado
para outros fins, mas que aqui pode nos fazer entender como são adequadas as
comparações em um mundo em que as mediações fingem apartarem-se das
finalidades.
Os fatos corriqueiros mostram o “ser outro” quando
notamos que a realidade social mudou, mas não mostram as mediações e as
finalidades intencionadas. Tomemos como exemplo o fato conhecido e descrito
desde o ano 65 de nossa Era, quando Nero incendiou Roma e culpou os cristãos.
Utilizou-se ele das mediações do fogo, do poder político, da cidade e dos
cristãos para alcançar a finalidade de esconder a crise econômica ameaçante de
pôr o império romano abaixo e, a crise política criada pela nobreza que,
desconfiada, fugiu para os campos tomando as terras da Europa para organizar os
feudos, base do que viria a ser o modo de produção feudal alguns séculos
depois.
O “ser outro” dos fatos ou tendências, nos faz
compreender que “se algo é isso aqui”, só pode vir a ser “isso ali”. No Brasil, vemos cotidianamente a reedição do
“ser outro” pelas tragédias e figuras, como o já denominado “reencarnado”
Bolsonero. Ele também usa como mediação, o fogo e as armas de fogo; o poder, as
favelas, os “cristãos” e os comunistas; as mentiras e ameaças de golpe para
criar fatos e esconder as suas finalidades.
Em síntese, a combinação das diversas mediações usadas
pode ser reduzida em uma principal, capaz de abrigar todas as outras e denominar-se
de “violência”. A violência acompanhada de outras tantas formas de crueldades,
medeia os processo destrutivos e vingativos desde a formação do Brasil.
A violência contra a natureza travestida de progresso
elegeu como mediações o Estado, o fogo, as armas para abater os índios, a
escravização, as máquinas, o agrotóxicos, o boi e a grilagem das terras
públicas. Os noticiários mostram em suas reportagens, qual é a finalidade do
incêndio criminoso da floresta amazônica desde o ano passado. Nos lugares por
onde o fogo passou, os pretensos proprietários pedem a regularização de 150 mil
novas propriedades. A terra torna-se um “ser outro” desflorestada, e o
incendiário um criminoso proprietário.
Agora os olhares assustados do mundo inteiro se voltam
para o Brasil observando duas linhas de violência e atentados contra a vida:
uma implementada pelo alastramento da Covi-19 e a outra pela chacina no Rio de
Janeiro que vitimou 29 pessoas.
A mediação criminosa usada no agravamento da pandemia é o
negacionismo científico, mas, por trás rastejam as finalidades que vão desde os
objetivos “cloroquinicos” até a satisfação da estrutura comportamental perversa
do presidente, que sente prazer em causar sofrimento à população. O sujeito da
política torna-se o ser outro do crime e, “o governo do povo, pelo povo e para
o povo”,sem a mudança de postura, torna-se um governo do crime, pelo crime e
para o crime.
É nesse sentido que se explica a chacina na Comunidade do
Jacarezinho, no Rio de janeiro. A violência como mediação presente no movimento
das contradições, ganha diferentes formas, mas têm a mesma natureza, na
aprovação governamental do roubo de madeira na Amazônia, o incentivo ao
incêndio das florestas, a provocação de aglomerações sem o uso de máscara, a
prescrição da cloroquina como tratamento precoce e a ação da polícia miliciana
vitimando a tiros três dezenas de pessoas.
Especificamente,
a tragédia efetivada nesta semana na Comunidade do jacarezinho no Rio de
Janeiro, vêm na esteira de criar um “fato outro” que, como o incêndio de Roma,
esconde a crise econômica, mas, principalmente, distrair a atenção sobre a CPI
encarregada de investigar os crimes do governo em relação à pandemia. As
execuções foram encomendadas, premeditadas e objetivadas.
Mas há algo maior a ser enfrentado. O Rio de Janeiro,
tornou-se o laboratório do poder miliciano que, aos poucos, ganhará acento nos
principais pontos geográficos do território nacional para estabelecer uma ordem
paralela ao Estado. Estudiosos no
assunto revelam que as milícias já controlam 25% dos bairros no Rio de Janeiro
e essa iniciativa de matança em massa, assinando friamente “cristãos” nas
próprias casas, aponta para que, da mesma forma, sejam mortos os comunistas tão
odiados e difamados pelo “gabinete do ódio” que já manifestou o seu desejo de
eliminar pelo menos trinta mil militantes de esquerda.
Há, portanto, dentro da contradição principal o principal
aspecto da contradição que é o ter um parte do poder policial agindo contra a
segurança e a ordem pública. A desinformação e manipulação da população faz
parte da estratégia de estabelecer, em nome da democracia, a execução sem a
pena de morte estabelecida. A criminalização verbal feita contra os comunistas,
atribuindo esta marca contra qualquer desafeto equiparando-nos a bandidos desalmados,
constitui a naturalização da implantação do ordenamento do crime organizado.
A
incapacidade de interpretação dos fatos e a aceitação dos mesmos com
naturalidade são assustadoras. O neoliberalsimo que mostra sinais de um
moribundo terminal deixa uma perversa herança de ter educado para as mais novas
gerações a praticarem o principio de “cada um por si”.
Diante de tudo isto é preciso pensar que não se trata de
uma simples onda neonazista que, como uma nuvem fria abate-se sobre as nações para depois ir embora.
Trata-se de uma construção estrutural que representa a decadência da
civilização capitalista a favor do estado de barbárie governado pelo crime organizado. A violência marginal e
policial, principalmente com o incentivo do armamento da população, tende a
dinamizar as relações sociais e vir a controlar serviços e outras atividades
empresarias e governamentais.
A superação do capitalismo é a única saída civilizatória.
O ser outro a surgir desses escombros, deverá ser construído com o esforço da
organização política e a elevação do nível de consciência das massas. Para isso
é preciso superar todas as limitações. O crime remodelou as suas formas
organizativas, recolocou suas forças e se afirmou sobre outras bases sociais e
de massas, inserindo-se profundamente na política; enfrentar essas forças com a
ingenuidade e as fraquezas de ontem é pedir para sermos eliminados amanhã.
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