O título deste texto traz consigo dois alertas: o primeiro, obviamente, porque temos uma ameaça iminente de até julho de 2021, chegarmos a 500 mil mortos vítimas do coronavírus, e quem quiser escapar vivo, que se cuide. O segundo nos vem da sabedoria popular, indicando o possível vir a se realizar algo ainda pior.
A política existe para fazer mudanças. Desde a Polis, na Antiga Grécia, ela é a arte de
administrar, conduzir e orientar os cidadãos. Por isso, ela é dinâmica, muda
continuamente, entra e escapa do controle, basta um vacilo e o cavalo encilhado
se vai batendo as patas.
Pela própria natureza, a política se move por duas
revelações: a primeira, ao mostrar quando as coisas vão mal; a segunda, quando
dá esperança de que as coisas ficarão bem. Mas, e quando há satisfação e se deseja
que tudo continue como está? Aí já não é mais política, chamamos de “acaso
temporário” ou ingenuidade mesmo. Política, portanto, é movimento, contradição e disputa.
Os acasos constituem-se de diferentes modos. Eles
surgem pela formação das novas circunstâncias. “Por acaso”, reuniram-se naquela
época um conjunto de crises, um líder de eleitores avulsos que, delegaram o poder
e se recolheram no mundo da individualidade. “Por acaso” também, juntando-se ao
descontentamento das populações, um mito (mentira) aterrorizador e, por desejo
de vingança, entregou-se a ele o próximo mandato. “Por acaso ainda”, as massas
arrependidas, como as rãs na fábula de Esopo, pediram um novo governo a Júpiter porque o atual não estava bom e, por acidente, ao cair um pesado tronco no meio da
lagoa, por ficar inerte, insatisfeitas elas quiseram outro
dirigente e, foram atendidas com a chegada
de uma víbora genocida, que passou a devorar uma a uma. A cada baixa,
arrependidas, elas pediam que voltasse qualquer um dos governantes anteriores.
Vivemos, como humanos, o tempo da terceira reinvindicação
das rãs e, a cada dia, mesmo desorganizadas, mais pessoas se convencem que é
preciso mudar para voltar atrás. Interessante é perceber que, como as rãs, sem
inteligência, seguimos mais os instintos do que a razão. Preferimos voltar para
o lugar passado ao invés abrirmos uma possibilidade de futuro e não pedir mais
a Júpiter um governo, mas criá-lo pelas próprias decisões.
Nesses tempos sombrios, lemos muito. A grande maioria dos
escritos saúdam os avanços conjunturais. Afinal, ficamos sabendo após dois anos
de mandato do atual presidente da República, que as forças armadas, sem saírem
do governo, "não concordam" em dar um golpe de Estado. A notícia da queda do
ministro das relações exteriores, exímio causador de intrigas com todos os
países, foi um alívio. A desenvoltura de Lula como candidato, após a anulação
de suas condenações, foi um alento ainda maior. As sensações que os textos e
matérias passam, é que estávamos muito mal, mas agora estamos ficando bem.
Ninguém em sã consciência, diante do pior, pode deixar de
escolher o menos pior. Há momentos que o simples fato de cortar a corda, mesmo
sem amparar o corpo do enforcado, estatelando-o no chão, é um avanço. Pelo
menos escapará com vida. Mas, depois da corda cortada e o suicida salvo,
dever-se-ia tomar algumas providências, no mínimo cortar o galho que serviu de
suporte para amarrar a corda, para que ele não volte a se enforcar.
Vamos por passos, para manter-nos nas três informações acima. Diante da troca de comando nas Forças Armadas,
após a revelação de que não era conveniente dar forma a um novo golpe de
Estado, tornaram-se democratas os militares? Superaram a aversão que cultivam
contra o comunismo? Decidiram-se por construir uma nação soberana e
independente? Por outro lado, a troca do ministro das Relações Exteriores do
Brasil, suplantou a visão de que a “terra é plana” e a boa imagem do Brasil
fora de suas fronteiras será reconstruída? E, por fim, a possibilidade de
impedimento do atual presidente e a perspectiva de Lula voltar a ser
presidente, questiona o poder do capital, a concentração da riqueza, a superação
da miséria, a exploração da força de trabalho, o pagamento da dívida pública, a
apropriação indevida das empresas públicas? A devastação das florestas? O uso inadequado da terra? A matança policial da juventude? Então, escreva tudo, fale sobre tudo,
só não diga que avançamos.
O significado da palavra “avançar” é “ir para diante”,
isto quer dizer, “ir para outro lugar"; não é retroceder, nem ficar onde estamos
teórica ou fisicamente. Nesse caso, tomemos a euforia antecipada da vitória nas
próximas eleições, isto porque, desconsiderá-las seria uma ingenuidade e,
impedir que aconteçam, seríamos a favor do totalitarismo. A pergunta é
evidente: com qual programa ganharemos a eleição para presidente da República?
Com que forças marcharemos até o poder? Como será composto o governo? E como
será a democracia no sentido amplo a partir da vitória?
Claro, ouviremos dizer que “ainda é cedo” para discutir essas questões; agora a luta é “por vacina e ajuda emergencial”. Porém, não esqueçamos que enquanto o Partido dos Trabalhadores governava o país, as forças antidemocráticas; as Forças Armadas; os banqueiros, industriais, credores etc., estavam calados, mas todos vivos, sem mudarem um detalhe em suas concepções contra a esquerda e contra o socialismo e se se posicionaram de tal forma, da mesma forma continuarão posicionados.
Dois italianos, Antônio Gramsci e Norberto Bobbio, nos presentearam com inovações no conceito de “sociedade civil”. O primeiro demonstrou que a composição da “sociedade civil” já não era apenas formada pelos proprietários privados; junto a eles vigoravam diversos “organismos privados” que interagiam também no âmbito da política e unificavam-se no “bloco histórico”. O segundo definiu a sociedade civil como o lugar onde surgem e se desenvolvem os conflitos econômicos, sociais, ideológicos, religiosos e que as instituições estatais têm a função de resolvê-los, pela mediação ou pela repressão.
Talvez, a parte mais significativa da teoria de Bobbio, esteja na definição dos “sujeitos” da “sociedade civil”, compreendidos como: as classes sociais, os grupos, os movimentos, associações, organizações de classe, movimentos de defesa dos direitos civis, de libertação da mulher, de jovens etc., com a ressalva de que os partidos podem estar nesta como também na sociedade política representada pelo Estado.
O que isto tem a ver com as contradições apontadas acima? Tudo. Basta reler a História do período neoliberal, para perceber como o capitalismo decadente agiu para desfazer as coletividades afirmativas, como os movimentos sociais, sindicatos, partidos e associações de diferentes objetivos e, incentivou as coletividades negacionistas e destrutivas, como as milícias, seitas religiosas e facções políticas.
Isto nos mostra que a “volta ao lugar passado”, tornou-se inviável, há obstáculos ao redor do velho ninho sinalizando para fazer (diferentemente do que as forças de esquerda fazem hoje) a provável importunação política para impedir a governabilidade. É evidente o rompimento do velho “Contrato Social”, firmado entre a “sociedade civil” desfeita ou enfraquecida pelo neoliberalismo e o Estado responsável pela ordem. E, se é certo que no presente as Forças Armadas, “não defendem” o governo que é seu, defenderiam um governo que não será?
Para qualquer um dos dois objetivos a ser alcançado: revolucionário ou institucional, o caminho passa pela reorganização da “sociedade civil”. Se na ausência de condições para atuarmos no primeiro, que o segundo adquira características diferenciadas do que já foi. Para tanto, há um processo urgente a construir, iniciando pela ampla discussão e elaboração do programa do próximo governo. Ao discutir socialmente, resgatam-se práticas educativas, retomam-se as formas organizativas associativas e afirma-se o sujeito coletivo capaz de intervir e defender as suas conquistas continuamente.
De outro modo, indo para as disputas, como disse Lenin, “como camponeses que acabaram de deixar o arado”, seremos aniquilados pela cultura do ódio e, a passageira vitória se converterá numa retumbante e sanguinária derrota. Uma árvore se protege do vendaval se tiver a seu redor uma floresta.
Ademar Bogo
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