Vladimir
Jankélévitch, o filósofo francês que viveu entre 1903-1985, cunhou esse
vocábulo na Filosofia e aqui nos servirá como uma categoria de análise. Ele nos
mostra que o encantamento ou o espanto com algo surpreendente pode ser mais
ilusório do que concreto, ou mais metafísico do que real.
O maravilhamento surge pela revelação de algo que se
esconde por trás das sombras e causa uma importante satisfação e também uma
euforia, que têm motivos, mas, não tendo base real para se sustentar, afunda
como a baleia que se mostra por alguns segundos sobre as águas, mas logo em
seguida desaparece. Sabe-se que ela continua lá, mas não se pode saber os dados
mais superficiais como as medidas, o peso, a idade etc., e, em pouco tempo, o
maravilhamento se dissolve, restando apenas uma lembrança, talvez uma
fotografia e uma duradoura saudade. .
Esse maravilhamento vimos revelar-se nos últimos dias nas
eleições para presidente da República dos Estados Unidos da América. Uma boa
parcela da humanidade está maravilhada com a derrota do “homem mais poderoso do
mundo”, sem considerar que um pouco mais da metade dos eleitores daquele país
escolheu outro homem, também poderoso para ocupar o lugar.
Isto quer dizer que não valeu à pena? “Tudo vale à pena,
quando a alma não é pequena”, nos disse Fernando Pessoa e, nesse caso é um
valor para as almas pequenas. Vale pelo maravilhamento. Há épocas que
precisamos um pouco de fantasia para não enlouquecer. Mas os negros e os
imigrantes latinos que residem nos Estados Unidos, perceberão em curto prazo
que eles estarão fora do governo e que a polícia branca continuará sendo branca
e que o racismo que contribuiu para a derrota do presidente atual, continuará
arraigado nas consciências pervertidas e intolerantes.
Por outro lado, as populações periféricas do mundo, que
também nos maravilhamos com “a pequenez da alma” sequestrada pela tática
eleitoral, sentiremos que o maravilhamento confuso e momentâneo não converterá
a brutalidade dos setores da extrema direita e seus adeptos em posições de bom
senso. A razão para compreendermos essa posição é muito simples: o capitalismo
em sua fase destrutiva precisa de sujeitos destrutivos para que o capital possa
se reproduzir.
Karl Marx, durante a sua vida não se cansou de revelar que, a personificação das formas sociais de poder se dá pela encarnação dessas mesmas formas em representantes humanos. Ou seja, para que as estruturas mortas tenham vida precisam de pessoas que as assumam como suas, é por isso que, a mercadoria, o dinheiro, o capital e a forma política estatal, existem e funcionam pelas próprias leis tendenciais assumidas por indivíduos que, na atualidade, por conta da decadência estrutural do capitalismo, representam também as posições de extrema direita.
É esse processo de encarnação das formas: mercadoria,
dinheiro e capital, que o maravilhamento das parcelas mais sofridas da humanidade
não conseguem desmanchar com uma eleição. A destrutividade capitalista é
tamanha que amedronta as classes dominantes e estende o seu medo para a classe
média que facilmente percebe a linha divisória entre o conveniente e o nível
mais baixo do padrão de vida.
Nessa viagem para o futuro, em busca de assegurar os seus
espaços, os indivíduos mais bem posicionados atacam e forcejam para descartar
as parcelas da população que estão embaixo e que exigem direitos e respeito.
As eleições, como o salto da baleia, mostram, mesmo que
de relance, a divisão criada entre as populações. Em estudos passados foram
revelados dados que mostravam as intenções da globalização e do neoliberalismo
que era criar as condições para que 30% da população mundial tivesse acesso a
todos os benefícios do capitalismo. Isso certamente não mudou. Apenas para que
se legitime por meio da fantasiosa “democracia representativa”, tornou-se
necessário buscar o apoio de mais 20% das populações, dispersas ou organizadas
em seitas religiosas ou cooptadas pelas políticas assistenciais sustentadas
pelos governos.
Os sinais indicadores de que as populações em diversos
países não estão apenas divididas, porque isso de algum modo sempre ocorreu,
mas agora são também vistas como inimigas pelas classes dominantes. Essa
postura de acirramento das tensões das forças de extrema direita para, quando
perderem não deixarem governar, tem como objetivo manter uma porcentagem razoável
da avaliação positiva para justificarem os ensaios de guerra civil, atuação
livre das milícias, que se encarregarão da matança das massas incômodas ao
capital.
Nesse sentido, uma derrota eleitoral pode representar
muita coisa, até mesmo o maravilhamento temporário e confuso para as populações
exploradas e abandonadas; mas, acima de tudo, para as classes dominantes e
forças auxiliares, pode mostrar que para se sustentarem precisarão estruturar
ainda mais as forças paramilitares e intensificar a violência contra as massas
opositoras, incômodas e excedentes no capitalismo decadente.
Tudo isso nos mostra que a suposta tendência à moderação institucional
não baixará a temperatura da polarização real; as forças de direita utilizarão
como matéria política, o racismo, a discriminação, os preconceitos, a exclusão
e o extermínio, isto porque, o capital após encarnar-se transfere o seu caráter
inumano para o capitalista.
A única forma de enfrentar a decadência é superá-la, para
isso é preciso maravilhar-se conscientemente com o processo de transição
socialista.
Ademar Bogo
Autor do livro: Moral da História
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