Leôncio Basbaum ao tratar do tema filosófico “O eu e o nós”, mostra que, na prática eles são muito mais do que pronomes pessoais, isto porque, aquilo que pensamos ser “nós”, é, antes de tudo, a soma dos vários “eus” e, esse entendimento constitui a base da formação da consciência social. Interessa-nos aqui, tomando como referência a categoria da “candidatura”, demonstrar que quase nunca, milhares de “eus” indo às urnas, formarão um “nós”.
Considerando o assanhamento das eleições no capitalismo,
elas precisam ser atrativas por meio do estabelecimento de um clima de
inimizade. O desejo de eleger um candidato vem se tornando mais uma obsessão de
vingança contra os opositores do que propriamente a diferenciação de programas.
Logo, a associação formal ou informal de eleitores é uma obrigação para fazer a
diferença nas pesquisas de opinião, como também, na participação de passeatas,
carretas e atos que mostram se o candidato está forte ou fraco. É nesse sentido
que podemos relacionar o pensamento de Basbaum, quando diz: “Quando digo nós,
quero dizer eu, e ele, ou eu e eles. Mas
essa palavra nós será uma palavra abstrata se não se traduz em ação,
mesmo passiva”.
No entanto, o alvoroço da campanha, que supostamente
forma uma base de sustentação do candidato, após passado o pleito, desagrega-se
deixando de lado quem estava ao lado e, o próprio eleito que fará questão de
marchar sozinho como se tivesse captado todos os anseios populares mas precisa
recolher-se nas entranhas do poder institucional para refletir e agir. Esse comportamento
estabelecido pela essência da “democracia representativa” diferencia-se da
lógica matemática que, pela soma ou multiplicação faz render os resultados
segundo cada combinação dos números, senão vejamos: se o candidato representa o
número 1 e cada eleitor também, somando 1+1+1+1+1 = 5, isso pode constituir um
“nós” para contabilizar o resultado dos votos que será 5. Mas, do ponto de
vista organizativo, este 5 nunca representará uma associação permanente de
“eus” e nem tampouco o eleito considerará o resultado como base de referência
para as suas ações.
O que almejamos redizer aqui é que, no processo eleitoral
com vistas a inserir-se na ordem estabelecida, a soma temporária da reunião dos
pronomes pessoais: eu, tu e ele, jamais formaremos um “nós”, pelo contrário,
continuará formando um “eu” apenas, como se a soma matemática estivesse errada:
1+1+1+1+1=1. Ou seja, acabado o pleito, aquele “nós” é dissolvido e o candidato
fica só, colocando-se inclusive acima de sua agremiação oficial, que lhe
emprestou a sigla para eleger-se, como também o eleitor desaparece.
Essa tradição comportamental forjada nas práticas
eleitoreiras, veio ao longo do tempo, destruindo a noção da importância da
manutenção da consciência coletiva, no sentido de que todos os “eus”
compreendam que política não é um binômio de substantivos associados: administração/reinvindicação;
mas, acima de tudo, ela é o lugar em que se estabelece o processo de
permanentes superações.
A consciência social como resultado da reunião e
organização dos “eus” têm a capacidade de analisar, quando sim e quando não as
contradições estão sendo superadas e colocar o “nós” como força social em
posições sempre mais favoráveis para procedermos às tentativas de realizar as
mudanças estruturais.
O que fizeram os ajuntamentos dos “eus” por meio do
processo eleitoral, até aqui, foi, formar dois “nós”, um de situação e o outro
de oposição, asfixiando a essência da política, por isso, a população em geral
não sabe mais se “política” é a arte de transformar a realidade social por meio
da organização das forças sociais ou se é a pura participação no processo
eleitoral.
Ao revezarem-se nos governos, situação e oposição, em
muitos casos, trocam as bandeiras e, como vimos àquilo que seria um programa de
esquerda se transforma em atitudes de direita. Lembremos se quisermos exemplos,
do “superávit primário” tão combatido no governo de FHC e mantido
posteriormente; da mesma forma as altas taxas de juros, e, a taxação das
grandes fortunas, agora posta como exigência que por décadas ficou abafada.
A conclusão parece evidente, que não basta demonizar o
capital, as grandes fortunas, a exploração, concentração de renda etc., e
endeusar o Estado por meio da defesa da manutenção da ordem estabelecida. O
capitalismo é um todo constituído por meio da infraestrutura e a
superestrutura. Enquanto tivermos partidos que colocam o processo eleitoral
acima de tudo, o “nós” continuará existindo como pronome e também como a soma
dos “eus” de consciências ingênuas que acreditarão no fascínio de um momento no
qual elevam um “eu” ao grau de governante.
É tempo de relativizar este caminho de disputas
confortáveis e organizar as forças capazes de fazerem com que, a soma dos “eus”
se transforme em organização permanente de “nós”, sem representantes e sem
ilusões de que o governo em nosso poder humanizará o capitalismo.
Ademar Bogo