O filósofo Arthur Schopenhauer em seus escritos atormentados, nos mostra sempre elementos atualizadores da capacidade maligna dos humanos. Um de seus pensamentos assertivos afirma “Que o mundo tenha apenas um significado físico e nenhum significado moral constitui o maior, o mais pernicioso, o erro fundamental, a própria perversidade do modo de pensar, e no fundo é aquilo que a fé personificou como o anticristo”.
Por “significado físico” podemos entender a importância
dada às coisas mortas, às mercadorias, à tecnologia e ao capital, mais do que
às espécies vivas que não entram no mundo dos negócios. Por essa razão é que
não encontram tais agentes, promotores da exploração lugar para a moral e para
a moralidade, antes sim, atuam na contramão adotando princípios imorais que
orientam e possibilitam a prática de imoralidades.
Na sequência da reflexão sobre a ética, o filósofo
denuncia de forma acusatória, ao dizer que, “O homem é no fundo um animal
selvagem, terrível. Nós o conhecemos meramente no estado subjugado e
domesticado que se denomina civilização: por isso nos apavoram as eventuais
irrupções de sua natureza”. Isso nos faz pensar que, de acordo com as nossas
origens selvagens, apesar das tentativas de domesticação da civilização,
mantivemos os instintos da selvageria e, tais quais são as diversidades das
espécies com seus temperamentos dóceis e perversos, entre os humanos,
encontramos todas as provas de que os mais terríveis entre os seres vivos, não são
os tigres e os leões que habitam a terra e os tubarões do mar, mas o homem que
se sente dono e, destrutivamente, avança sobre as selvas, as águas e na
sociedade em geral.
Geralmente damos pouca importância aos filósofos contratualistas
quando estabeleceram argumentos convincentes para o estabelecimento do contrato
social. Para eles era uma extrema periculosidade viver no “estado de natureza”,
pois, ali, segundo Thomas Hobbes, o homem era “o lobo do homem”. No entanto,
deixando de lado todos os esforços humanistas, podemos reconhecer que a
premissa que sustenta a selvageria do lobo em ação é verdadeira. O homem, como
genuíno animal selvagem nunca deixou de submeter, pelo terror e o medo, nem de
devorar os seus iguais, seja pelo homicídio, exploração produtiva, exploração
sexual, estupro de mulheres, crianças e vulneráveis; maus tratos com os idosos,
discriminação e escravização de negros e tantas outras perversidades cometidas
contra os demais animais, pondo fogo nas florestas e contaminando os rios, a
terra e o ar com agrotóxicos.
Diante disso podemos criticar os filósofos
contratualistas, ingênuos e crentes que a criação do Estado capitalista poderia
coagir os seres de maior periculosidade civilizatória, a não agirem guiados
pelos próprios instintos, mas, submetidos à lei deveriam igualarem-se na busca
da justiça. O “significado físico do mundo” foi mais forte que as boas
intenções e, dentre os animais, os mais ferozes, dotados de inteligência,
impõem a ordem que favorece a eliminação do “significado moral” dessa
civilização sem juízo ético.
O aprendizado dos animais dos negócios perpassa as épocas
e nos atormenta sempre que surgem ameaças destrutivas. Como são eles os mais
perversos a defenderem a existência da lei e a se valerem dela, sabem que
primeiro se pratica o fato, melhor dizendo, o delito, depois se faz a lei para
validá-lo ou condená-lo. Estas duas últimas possibilidades ficam à escolha de
cada situação, para que a força de repressão legitima do Estado possa
implementá-las.
Nesse sentido, com um simples esforço podemos reconhecer
os momentos na História do Brasil quando a Lei legitimou a perversidade dos
animais vestidos e artificialmente perfumados. Neste século, lembremos da
aprovação do plantio clandestino das sementes trangênicas de soja que, após as safras
colhidas não havia o que fazer com o produto e por isso, após duas proibições
desrespeitadas, no ano de 2005 aprovou-se a lei que liberalizou o plantio e o
uso indiscriminado de agrotóxicos. Em 2016, prevendo a realização do Golpe
Institucional que derrubou a presidenta da República e as possíveis reações dos
movimentos populares, a própria presidenta, vitima do Golpe, foi induzida a
sancionar a lei Antiterrorismo. E, para resumirmos, neste momento, tudo está
sendo feito para desregulamentar as leis ambientais que permitem invadir e destruir
as florestas e os manguezais.
Se a violência nas selvas pode ser denominada de
“selvageria”, a prática da violência civilizatória deve ser chamada de
“barbárie”. Surpreende porque o homem perverso, amedrontador e cruel é
praticante das duas formas. Mas havemos de enfrentá-las.
Havia no passado caricaturas ilustrativas que
demonstravam a reunião de peixes pequenos para enfrentar os tubarões. Agora é
preciso que as espécies do bem, pessoas, florestas, jacarés, onças, ervas e
insetos que não acreditam em “contrato social” no capitalismo, nem que o Estado
seja o mediador para harmonizar as diferenças, para enfrentarmos, primeiramente,
os homens perversos e sem moral, nacionais e imperialistas, que governam e
exploram amparados nas leis e nas milícias privadas, para praticarem todos os
tipos de crimes; em segundo lugar, o fogo, que a cada ano, torna vítima a
natureza, abrindo clareiras para a invasão gananciosa dos fazendeiros,
praticantes do matricídio; em terceiro lugar, o boi, que se tornou o principal
agente da devastação e, em quarto lugar, a produção extensiva de todos os
monocultivos que comprometem a reprodução da diversidade de sementes e a própria
soberania alimentar.
Para que o homem deixe de ser lobo do homem e, portanto,
este animal terrível que é, devemos despi-lo da pele de cordeiro com a qual se
veste e, com a qual engana: os eleitores a elegerem os mesmos perversos como
governantes; as crianças, para abusá-las; os consumidores, para vender-lhes
ilusões; os fiéis, para que se prostrem em adoração à própria alienação; os
pobres em geral, que acreditam em auxílio sem dignidade; as mulheres, a serem submissas
e aos jovens que esperam que o futuro seja melhor sem a sua participação.
Em síntese, o homem saiu do “estado de natureza”, mas o
“estado de natureza” nunca saiu dele e, embora a civilização o tenha
domesticado, a maioria se verga sob o peso da lei, enquanto a minoria continua
exercendo, da ilegalidade e da imoralidade a perversidade destrutiva. É hora de
dar uma lição definitiva aos perversos, para que o planeta possa ter garantido
o seu futuro. Sendo, mesmo continuando sendo animais racionais e irracionais,
teremos que aprender que destruição só pode gerar destruição e, preservação,
gera respeito, igualdade e dignidade.
Ademar
Bogo
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