O
filósofo Arthur Schopenhauer ao escrever “Sobre a doutrina da
indestrutibilidade de nosso ser verdadeiro pela morte”, disse que, o presente
se constitui de duas metades: “Uma objetiva e a outra subjetiva”. A primeira
lida com o tempo e a segunda permanece sendo sempre a mesma porque se refere às
lembranças e a memória. De outro modo, outros escritores já relacionaram o
aspecto “objetivo” com as condições materiais e os subjetivos com a qualidade e
os níveis de consciência.
O
grande dilema que encontramos nesse constructo é saber se “as duas metades”
corresponde uma à outra, no sentido material e intelectual. Ou seja, se a
substância física, em termos de massa, tem algo a ver com a capacidade de
entendimento do tempo presente e se a metade subjetiva conduz ou se submete às
necessidades da metade objetiva?
Na
medida em que vamos aprofundando esse raciocínio vamos também compreendendo que
as duas metades contidas em um só indivíduo, começa a se estender cada vez mais
para cada tempo presente da realidade social, na qual o elemento da metade
objetiva cresce com a formação de grades contingentes de massas necessitadas e,
a outra metade, a subjetiva, continua orientada pelo entendimento do senso
comum, cada vez mais baixo e desqualificado.
Ao
transferirmos a análise para as disputas políticas, espaço do tempo presente
que visa atingir as “duas metades”, transformando-as em forças a favor e contra,
vemos surgir dessa associação, a identidade cada vez mais permanente do
“sujeito político” que, embora não tenha consciência de sua contribuição,
apresenta-se como sendo o mais novo sujeito da História.
Esse entendimento é de fundamental importância para os
socialistas e comunistas posicionarem as suas forças nas disputas conjunturais
e, principalmente nas transformações estruturais da sociedade, isto porque, se
o capitalismo no aspecto produtivo transforma a matéria prima descartada em
novas mercadorias, o mesmo ocorre com as massas humanas miseráveis que,
existindo fisicamente como metade objetiva, passou a ser, por intermédio dos
programas assistenciais o lugar da construção da outra metade, a subjetiva,
cujo objetivo é formar a maioria para oficializar a vitória da ordem.
Se subirmos mais um grau na análise das disputas entre as
forças que se consideram aptas a governarem o país, veremos que, não se
disputam projetos antagônicos, mas unicamente a memória e as lembranças que
estão localizadas na metade subjetiva, separadas também em duas partes: mais
antigas e mais recentes. Podemos, dessa forma, concluir que, no tempo presente,
as forças partidárias igualam-se nos desejos formados na “política do imediato”
e agem despreocupadas sem qualquer planejamento para com o futuro. Revelam
assim que, sem ter ideia alguma que oriente para onde ir, não há o que
planejar, no máximo que conseguem expor, é o que irão desconstruir.
De volta às categorias das “duas metades”, o IBGE
divulgou os resultados de uma pesquisa recente, na qual declara que, pelo menos
52 milhões de trabalhadores estão fora do mercado de trabalho; leia-se, “não
encontram compradores para a mercadoria força de trabalho”. Em parte essa
realidade foi agravada pela Pandemia, que levará a culpa pelo não crescimento
econômico, mas não é verdade. O fato é que a diminuição de vagas nas empresas
empregadoras vem caindo desde a década de 1990. Isso nos diz que não adianta
sonhar com perspectivas melhores para depois da Pandemia, porque a rejeição de
grandes contingentes de trabalhadores, na senilidade precoce do capitalismo,
tornou-se estrutural.
No entanto, se do ponto de vista econômico essa “metade
objetiva” da força de trabalho é descartada, do ponto de vista político ela
passa a ter um valor de disputa cada vez maior. Serão essas massas que decidirão
as disputas eleitorais do futuro por meio da venda antecipada, estruturadas com
o dinheiro público na forma de “Programas assistenciais”. Essa vem sendo a lógica
da argumentação dos governos que saem e continuada pelos governos que entram,
quer-se mesmo é disputar a memória e as lembranças, mais antigas e mais
recentes.
Essa dinâmica que visa “sequestrar a metade subjetiva”
das grandes massas invalidadas para o emprego, vitimou as forças de esquerda
que se posiciona sobre a memória do passado, como o passageiro que perdeu o
ônibus e corre acenando para que ele o espere no próximo ponto. As forças de
direita sabem que a memória do passado permanece se houver consciência, caso
contrário prevalecem as lembranças mais recentes que se movem pela gratidão e,
para isso, basta melhorar um pouco o preço da cooptação assistencial.
Em síntese, os programas assistenciais tornaram-se desde
a década de 1990, a energia para mover a “indústria da cooptação” da metade
subjetiva das massas pobres desorganizadas e também das categorias organizadas
em movimentos sociais. Essas práticas levaram a formar gratidão e não
consciência.
A bem da verdade, as forças de esquerda perderam o rumo
desde que o movimento sindical deixou de ser a força representante da classe,
principalmente operária, que insurgia-se contra o capital em defesa do trabalho
e dos trabalhadores e o partido político, como parte consciente, tinha como
objetivo e finalidade a realização da revolução. É certo então, que não sabendo
como lidar com essa nova realidade “objetiva e subjetiva” e sem saber para onde
devem rumar, os partidos de esquerda ficam cada vez mais mansos e identificados
com a ordem capitalista dominante.
A realidade social atual exige que, surjam novas
organizações que saibam combinar a metade objetiva com a metade subjetiva e se
proponham, conscientemente, a planejar para alcançarem a finalidade que é a
superação do capitalismo. Até lá, os desvalidos da economia, serão os
validadores da democracia e defensores do Estado e de governos capazes de
comprarem antecipadamente os votos que asseguram e legitimam a sociedade
desigual que se asfixia com a própria corda da barbárie.
A metade objetiva será verdadeiramente força
revolucionária quando a parte subjetiva estiver enraizada na consciência e não
apenas em lembranças saudosistas.
Ademar
Bogo
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