Há épocas em que as circunstâncias
históricas entrelaçam-se entre si e promovem enormes decadências. Uma espécie
de desarrumação desorganiza o costumeiro e, as pessoas e as forças sociais são
jogadas para fora da rotina. Essas situações aparentemente aconteciam em
períodos de guerras mundiais, principalmente, quando todas as populações temiam
a morte ou convocações para participarem ativamente das matanças. São épocas,
portanto, que o futuro fica suspenso e o máximo que as pessoas almejam, é
apenas continuarem vivas.
A imensa maioria dos habitantes da
terra nasceu depois da Segunda Guerra Mundial que levou à morte cerca de 80
milhões de pessoas. Na época, a população mundial era de 2,3 bilhões de
habitantes que tiveram de retirar debaixo das ruínas as esperanças da
reconstrução.
A pandemia que ora vivemos
assemelha-se a uma grande guerra, nos aspectos do temor e do sofrimento, embora
ainda não saibamos qual será o tempo de sua duração e quantas vítimas fará. E,
por mais que vivamos no mesmo modo de produção capitalista, as condições
econômicas, sociais, políticas, morais e culturais, são profundamente piores,
por isso prevemos que as esperanças estão ainda mais profundas e em muitos
casos, mutiladas debaixo dos escombros.
No término Segunda Guerra mundial,
as potencias econômicas do mundo, Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e
França, para citar apenas as principais, tinham respostas a dar para alguns
dilemas da civilização. Do lado dos trabalhadores, a perspectiva sindical
apontava para a busca de mais direitos e, mesmo que dentro do modelo hegemônico
de Bem-Estar-Social, contemplavam-se os anseios de melhorias de vida. Se
quisermos olhar também pela organização partidária, os partidos comunistas,
embora submissos à Terceira Associação Internacional nos países da América
Latina, tinham em torno de duas décadas de fundação e, do ponto de vista
estratégico, todos defendiam, mesmo com equívocos táticos, a revolução e o
socialismo.
O tempo presente é o “avesso do
avesso”. Se do ponto de vista do capital não há perspectiva de respostas, as
economias das potências mundiais em queda amedrontam aqueles que sempre tiveram
em mente o progresso sem fim. Os estrategistas do capital, o máximo que
conseguem prever de crescimento médio nos próximos 40 anos é de 2% ao ano. Isso
mostra que um país como o Brasil, cujo PIB cairá, se as análises se confirmam,
a 11 ou 12%, levaremos 6 anos para colocar o país no degrau que estava no
início da pandemia, que tinha 13 milhões de desempregados.
É importante perceber que a
decadência econômica sustenta as demais decadências que atropelam os
sinalizadores que antes alertavam a civilização para cuidar-se da barbárie. Se
observarmos os aspectos educacionais em todos os níveis escolares, não se tem
uma porcentagem a ser estabelecida para medir o retrocesso, como se faz com o
Produto Interno Bruto – PIB – mas, temos a nítida impressão de que não
conseguiremos, no Brasil, reparar as perdas, quiçá por diversas décadas. E isso se deve mais à falta de
condições e o estado de desprezo que se encontra a educação, do que pelos meses
de paralisação devido o Covid-19.
Quando nos voltamos para a política,
vemos que o seu déficit é ainda maior que a depressão econômica. Se do lado da
estrutura governamental a História pontua que jamais existiu na República uma
relação tão estreita entre a ignorância e a perversão coletiva, do lado das
forças de oposição jamais se registrou tanto cansaço e inoperância política.
Na Psicanálise estudamos que a
“perversão” está vinculada as “pulsões sexuais” incluindo aquelas que estão no
âmbito do “sadismo-destrutivo”, no típico modo de ser do indivíduo com
“personalidade cindida” que, por um lado finge cumprir com o dever e, por
outro, extravasa todos os tipos de tendências que impõem castigo aos desafetos.
Podemos citar, para ficar apenas em alguns, o descaso com a progressão das
mortes causadas pelo coronavírus; o genocídio dos índios; o incentivo à
devastação das florestas e o teatro em torno do uso da Cloroquina.
As circunstâncias pioram ainda mais,
se observarmos no tempo histórico o posicionamento das forças de oposição. A
decadência da honradez política é tão grande que o próprio conceito é atrelado
à forma partidária que se tornou desprezível à ótica popular. O desprezo e a
inutilidade dos partidos políticos é tão expressivo que, há décadas vinha
demonstrando que, após as eleições, o “partido do presidente”, não opinava na
montagem e no controle do governo e, na atualidade, o próprio presidente está
sem partido e parece não sentir falta alguma.
Quando, em Agosto de 1917 pouco
antes da Revolução na Rússia Lenin escreveu o artigo, “A propósito das palavras de ordem” revelou que, para cada momento
era preciso ter uma que resumisse o programa e unificasse todas as forças em
torno dela. Por isso, a palavra de ordem “Todo
poder aos Soviets”, que no mês de Fevereiro do mesmo ano fazia pouco
sentido, naquele momento era fundamental a sua afirmação. Por quê? Para Lenin
era fundamental olhar para frente e não para trás. Mas, acima de tudo,
precisavam operar com novas forças e “não com as velhas categorias e partidos”.
Esse chamamento indica alguma coisa
para o encontro com a saída da pandemia. Em primeiro lugar é preciso prestar
atenção nas novas forças que poderão surgir e a elas creditar a
responsabilidade de formular a palavra de ordem que supere as melosas palavras
oportunistas que não vão além do interesse eleitoral, gritadas por gargantas
roucas, envelhecidas sem disposição de mudar o tom, nem de indicar o caminho da
ruptura. Essa posição, contribui para o aprofundamento da barbárie social e não
o contrário.
As circunstâncias estão ruins para
nós e para eles. A vantagem é que nós podemos mudar, eles não.
Ademar Bogo
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