E eis que de repente a civilização vira um
caos. A rejeição pelo contato físico
tornou-se um valor e o silêncio passou a povoar as ruas, os estádios, os
clubes, as praias e os cemitérios; tudo, como diria o filósofo Hegel, por causa
do “espírito objetivo” que vaga sem ser visto, mas, que mesmo sem consciência
se dirige ao lugar mais sensível no humano, os pulmões de onde sopro que mantém
a vida.
A morte por asfixia para, as
multidões, parece tão certa como o é para um indivíduo condenado à forca. A
sensação é de que, mais dia, menos dia, virá a execução, a não ser que nos
escondamos para que o vírus não nos ache. Então surge o dilema, se não
escondermos faltarão leitos e respiradores, se nos escondermos faltará comida.
A conclusão é simples: chegou o momento em que a civilização, para além da
classificação das classes sociais, deverá classificar agora, os úteis e os inúteis
para a sustentação desse imenso campo mundial, cuja produção mais acelerada é o
Coronavirus.
Nos textos do francês Lévis-Strauss,
encontramos a frase: “A História não produz acontecimentos inúteis”. De certo,
porque, não há só acontecimentos bons ou ruins, há também aqueles que são bem
ou mal interpretados. Sustos sempre atiçam mais as atenções e obrigam a prestar
mais atenção em detalhes que, na normalidade, pouca importância é dada.
Sendo assim, a evolução do
capitalismo, de um momento para outro, leva-nos de volta aos seus próprios
fundamentos, aos princípios da Revolução Francesa: “liberdade, igualdade e
fraternidade”, tão importantes para os burgueses da insurreição de 1789.
Para muito além das palavras
escritas estão os interesses dos formuladores desses princípios. A liberdade,
desde o início do capitalismo nunca foi vista de acordo com a definição do filósofo Renné Descartes que,
“A liberdade consiste unicamente em que, ao afirmar ou negar, realizar ou
enviar o que o entendimento nos prescreve, agimos de modo a sentir que, em
nenhum momento, qualquer força exterior nos constrange”; mas, de acordo com as
determinações burguesas que queriam a liberdade dos servos para poderem
contratá-los como empregados, mediante o pagamento dos salários. Por isso, o principio
da igualdade era muitíssimo importante, porque, somente podiam vender a força
de trabalho e entregá-la diariamente, aqueles que respondessem por si próprios
e, como proprietários de uma mercadoria especial, igualavam-se aos proprietários
do dinheiro. Como donos, podiam realizar a troca e, se achassem conveniente,
assinar um contrato assegurando aquele negócio.
Enquanto os trabalhadores sempre
foram compreendidos como trabalhadores, os capitalistas, embora muitos
inseridos no trabalho produtivo, afirmaram-se como “homens de negócio” e, aqui
já podemos proceder a primeira comparação entre utilidade e inutilidade social,
isto porque, apenas se negociam as mercadorias quando elas estão produzidas.
Dessa maneira, todos são considerados “livres” e “iguais”, mas, ao contrário
dos capitalistas, os trabalhadores nunca podem faltar ao trabalho.
Na atualidade compreendemos, a
veemência com que o governo, empresários e comerciantes defendem o fim da
quarentena para os trabalhadores, porque sem eles a economia para. Então, podem
ser confinados os idosos e as crianças, mas acima de tudo, os jovens, homens e mulheres, sob a
argumentação de que eles possuem a “capacidade da resistência”, devem suspender
o isolamento porque voltar ao trabalho é o que interessa. É importante
considerar que há setores essenciais que não podem parar, na área da produção, comercialização
e serviços, mas é necessário que haja organização para que os trabalhadores
envolvidos tenham garantias de que a vida estará sendo preservada.
No entanto, “organizar” e “garantir”
são verbos que os capitalistas não sabem conjugar, isto porque, em primeiro
lugar, do ponto de vista da produção e da comercialização, o sistema é
completamente anárquico e competitivo. Cada capitalista produz a quantidade que
achar e, pela concorrência, mesmo sendo componentes da mesma classe social, enfrentam-se
em busca de maiores lucros. Em segundo lugar, do ponto de vista das garantias,
na grande maioria das vezes, o cuidado com a vida dos trabalhadores é
desprezível.
A ilusão de que os avanços
tecnológicos sustentam o progresso e trazem melhorias sociais, revela que, isto
é verdadeiro para aquilo que interessa ao mercado e não para aquilo que
interessa vida de quem trabalha. Tome por exemplo a “mascara”, que há décadas é
usada em hospitais pelos profissionais da saúde para preservarem a própria vida,
e, de repente ficamos sabendo que ela deixa de ser eficiente após duas horas de
uso. Por que a tecnologia não evolui em certos setores?
Claro fica também, o temor do
governo de que possa haver mobilizações das massas mais pobres. Nesse sentido
há duas contradições produzidas pela civilização, a serem apresentadas: a
primeira diz respeito ao grau de empobrecimento da população que não possui
reserva alguma para suportar qualquer imprevisto. Mas, são essas massas já
desconsideradas pelo capital, que os comerciantes, defensores do Estado “não
intervencionista na economia”, esperam para gastarem o auxilio temporário das
políticas públicas. A segunda contradição é
evidência desprezível do princípio da “fraternidade” criado na Revolução
Francesa que os burgueses jamais puseram em prática e, o Estado capitalista
quando pratica é na forma de esmola pública. Não nos enganemos, controlada a
pandemia, os governos empenhar-se-ão em salvar as empresas, em detrimento do
sofrimento dos miseráveis do mundo.
De outro modo, reaparecem as
deficiências das organizações de classe, que, não apenas nesta pandemia, mas
também em outras catástrofes naturais, já não possuem mais militantes dedicados
à socorrer, mobilizar e organizar os grandes contingentes sociais que não encontram
canais para expressarem as próprias vozes.
Voltando ao pensamento de
Lévis-Strauss, que “a História não produz acontecimentos inúteis”, de fato este
do Coronavirus mostra que, se são os trabalhadores que devem interromper a
quarentena enquanto os capitalistas podem ficar em casa, inúteis são os
capitalistas; se é a fraternidade das pessoas de boa vontade e as políticas
públicas do Estado que devem socorrer as pessoas mais pobres, inúteis são os capitalistas.
Se quisermos estender a nossa análise, podemos perguntar aonde está a
fraternidade capitalista internacional? A primeira coisa que lembram de fazer
os arautos da globalização é fechar as fronteiras repetindo o gesto dos mais
atrasados nacionalistas. Vemos sim é a disponibilidade de cubanos e chineses
estendendo as mãos para quem queira agarrá-las para amenizar o sofrimento
humano.
Não há nenhum vestígio de
fraternidade capitalista e nem de solidariedade do imperialismo. De certo é
porque essas atitudes não cabem no mundo da rapinagem que, ao longo do tempo
ensinou a explorar e a realizar guerras. Quem vive de negócios não pode ser fraterno
e, quem tem a guerra, a intervenção militar e os bloqueios econômicos como
práticas homicidas, não pode ser solidário. Portanto, fica evidente que o mundo
não precisa do capitalismo e nem do imperialismo. O que pode salvar a
civilização é a solidariedade.
Por sua vez, se falta de solidariedade
para atender, organizar e mobilizar as massas empobrecidas para que se protejam,
inúteis são também os partidos políticos e as organizações de classe que já,
não tendo organização nem trabalho de base, esperam que o governo pacifique o
povo para que ele possa, no mês de outubro, votar nos candidatos de consumo
apresentados nas telas das televisões.
A humanidade vencerá o Coronavirus e
sairá muito diferente desta crise atual. Resta saber se nós, revolucionários ou
não do mundo inteiro sairemos diferentes. Se as entidades de esquerda
modificarão suas posturas. Se nada de novo aprendermos, nada de novo saberemos
praticar e, o capitalismo cambaleante, continuará a fazer vítimas por todos os
lugares do mundo.
Há esperança?
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