O filósofo brasileiro Carlos Nelson
Coutinho, ao refletir sobre a cultura reconheceu que a liberdade de criação
pode estar condicionada a dois limites: o primeiro diz respeito ao quadro
histórico-social no qual o criador atua e, dado que a liberdade é também
conhecimento da necessidade, o criador deve tomar consciência das implicações
sociais de sua produção. Segundo, no dizer do autor, a mais ampla liberdade de
criação, tem como contrapartida, a mais ampla liberdade de crítica, que vem a
ser o direito do próprio criador ou de outrem de avaliar aquilo que foi feito.
É na observação desses dois limites que se reconhece a possibilidade da cultura
ser acerto ou fracasso.
Do ponto de vista histórico social a
reflexão avançou no sentido de localizar que o Brasil nasceu na época da
expansão mercantil e, por isso, o receituário “cultural universal” do
colonialismo era extorquir valores de uso com a finalidade de transformá-los
valores de troca, ou seja, transformar em dinheiro aquilo que era usual.
Nesse sentido, deduzimos facilmente
que a preservação das florestas pelos povos o nativos, parte vital da
conservação dessa cultura, sustentada pelo valor de uso, de um momento para
outro passou a ter valor de troca e, muito daquilo que é da cultura local
transformou-se em mercadoria para abastecer a cultura universal. Essa
transmutação de valores ainda não acabou. Repetem-se cotidianamente quando os
interesses capitalistas invadem os territórios indígenas, para implantarem
sobre a cultura natural, a cultura do boi, que compõe a mercadoria, carne
vermelha; a cultura do ouro que compõe a mercadoria jóias, a cultura da
barragem que produz a mercadoria energia elétrica.
Por outro lado, o fortalecimento da
exploração humana transmutou-se da mercantilização da liberdade e da vida dos
escravizados, para a mercatilização do suposto direito da venda da força de
trabalho, mediante o pagamento, por parte dos donos do capital que transformam
a força humana em valor escondido em cada produto.
O mercantilismo ao abrir as portas
para as trocas internas e as transações externas estabeleceu como princípio a
mais ampla liberdade de criação. Criam-se produtos para todos os tipos de
consumidores, ou seja, no seio da indústria de mercadorias surgiu também a
enganosa indústria cultural.
É nesse movimento histórico social
que o mercantilismo foi estabelecendo níveis de acesso e também de redução de
possibilidades do acesso à cultura, mesmo essa que se expressa por meio do
consumo. A começar pelos índios e para uma imensa quantidade dos descendentes
dos escravizados do passado, o acesso aos produtos da civilização torna-se cada
vez mais difícil. É neste entretanto que deveria reinar a mais ampla “liberdade
de crítica”, mas o que se vê é reduzir o entendimento sobre os limites
anteriores e avolumarem-se os limites cerceadores.
É importante compreender o que Karl
Marx tratou exaustivamente, quando disse que a base econômica da sociedade
capitalista determina todas as demais relações, por isso, quando tratamos da
“crise econômica”, devemos ler esse conceito como “crise da civilização”. Isto
quer dizer que, decrescem junto com a estagnação do crescimento econômico,
todos os tipos de liberdades e com elas vão desaparecendo as iniciativas
oficiais, chegando ao limite intolerável de fazer sobrar, para mais da metade
da população da nação, o “pum de talco do palhaço”, transformado em referência
de cultura.
O que é cultura para este ser “extrassocial”
que passou a vida rangendo os dentes contra as forças progressistas e atuando
na televisão fazendo da ficção uma ilusão real? Não seria ela mesma o “pum de
talco” ou de “pó de arroz” como se dizia no passado, que servia para esconder a
pele carcomida pela verdade do tempo? Um pum de talco que tem a duração tão
breve como uma gargalhada?
Começa a ficar distante o tempo em
que os governantes para se manterem no poder ofereciam “pão e circo”, o que
oferecem são palavras e ameaças. As liberdades vão sendo reduzidas ao nível das
possibilidades do que cada um pode comprar. O governo, além de desconsiderar as
dívidas sociais elogia os devedores e os malfeitores do passado, dizendo que as
vítimas da escravização tiveram sorte em serem vítimas, mostrando assim que,
ser escravo no passado e também no presente, é um privilégio e não um castigo.
Certamente indicam esses promotores
do mal, que as crueldades civilizatórias ainda por vir serão muito piores, isto
porque, o sistema mercantil não permite relacionamentos entre quem tem e quem
não tem poder de compra. O valor de troca submete o valor de uso a quem tem
acesso ao dinheiro. Sendo assim, até mesmo os serviços públicos e o direito à
cultura, cada vez mais passam para a iniciativa privada ou simplesmente são
desconsiderados pelo governo. Daí é que justificam o fortalecimento da cultura
do crime, do uso das armas e do compartilhar de mensagens mentirosas nas redes
sociais.
No mesmo sentido, o certo e o
errado, o bom e mau, ou seja, à critica da cultura passou a ser o senso
desqualificado das autoridades. Buscam por meio de bravatas, instigarem o povo
para que faça, com o vazio de perspectivas, um elogio à deseducação.
Se por um lado a base econômica
unifica a todos os condenados aos sacrifícios pela perda das condições de
acesso aos bens de uso materiais e intelectuais, com essas atitudes, a política
divide esses condenados e mantém uma parte dela a favor, alimentada pelas
mentiras e promessas, como escudo de defesa.
Nesse sentido, não é a critica ao
fenômeno isolado, que as reencarnações de figuras exóticas que hora encantam-se
pela “goiabeira”, ora pelo “pum de talco” e são noticiadas cotidianamente; é ao
núcleo dirigente interno e externo que se deve dirigir as atenções e colocar-se
em movimento para impedir que eles emanem as ordens que autorizam os achaques, os golpes, a
apropriação indevida das riquezas nacionais e aos limites da já encurralada
liberdade individual.
Ademar
Bogo
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