A filósofa alemã Hannah Arendt, ao
estudar os movimentos totalitários na metade do século passado, compreendeu que
eles não ocorrem sem a propaganda totalitária. A dominação funciona de tal
forma que, segundo ela, somente a ralé e a elite podem ser atraídas pelo ímpeto
do totalitarismo, isto porque, as massas somente são conquistadas por meio da propaganda.
Por outro lado, o terror é uma segunda
alternativa utilizada pelo totalitarismo quando a propaganda não atinge os
resultados desejados ou quando a cooptação ameaça se desfazer. Há ocasiões em
que eles mesmos cometem atentados contra as autoridades, personalidades e
militantes políticos, para mostrarem do que são capazes. Nos casos de atentados
contra as massas, na Alemanha nazista, os denominaram de “propaganda da força”,
significando que as informações das ações violentas ao se propagarem entre as
massas tendiam fazê-las.
Na medida em que as ações totalitárias
avançam, elas se equiparam ao “banditismo social”, no caso brasileiro,
asseguradas pelo Estado as milícias que agem como forças oficiais, mas não
recebem publicamente esse reconhecimento. Recebem proteção, no caso de seus
agentes não serem investigados, presos e condenados, porque as autoridades agem
seletivamente, “desviando-as” das ações repressivas e, em casos específicos,
aprovam leis que favorecem o uso da violência, imunizando os agentes que a
cometem, transformando o crime em ação de “legitima defesa”.
Um terceiro elemento apropriado ao
desenvolvimento do totalitarismo é o fanatismo que estimula os excessos de
violência em nome da defesa de causas morais. Para que isto ocorra é necessário
que as pessoas sejam convencidas de alguns valores, mesmo que não sejam por
eles respeitados, como a família, o gênero, a ética etc., pois o fanatismo atua
sobre a imaginação e se volta para fora, fazendo com que o “outro” seja um alvo
a ser violentado naturalmente.
Há porém, que considerar dois elementos
importantes que perturbam a ordem estrutural do totalitarismo. O primeiro diz
respeito à incapacidade de manterem a unidade entre os próprios membros,
principalmente quando há desgaste da força da autoridade totalitária. Os
rompimentos são constantes e em casos particulares podem se transformar em
escândalos. O segundo elemento é que, o totalitarismo precisa de uma oposição
intensa para justificar as medidas políticas da brutalidade. Não havendo uma
oposição ameaçadora, tentam inventá-la, mas, é muito difícil manter uma invenção
ameaçadora quando ela não se manifesta e as próprias massas não percebem a sua
existência.
Na medida em que a oposição não se
manifesta ou visivelmente, não apresenta ameaça ao poder; o totalitarismo então
reorienta as diretrizes de seus métodos e adota medidas políticas que,
aparentemente, “não agridem” as consciências nem os valores morais.
Tomemos como referência o comportamento
das forças que ganharam a eleição de 2018, disseminando o ódio e agindo
publicamente como marginais dentro da própria ordem que queriam controlar. Os
ataques à “ideologia socialista”, ao Foro de São Paulo, às questões de gênero,
raça e crenças, coroados pelo uso de uma linguagem desbocada, que não se
sintonizava com status das autoridades, pegava bem entre as fileiras totalitárias,
mas fora delas era uma afronta.
A nomeação de alguns ministros que
aparentemente objetivava fazer enfrentamentos mais do que gerir as políticas
públicas, começa a demonstrar aos próprios vingadores que nem tudo se pode
destruir, quando se precisa, acima de tudo, mostrar serviço e provar que as
promessas são realizáveis.
Sentindo que as turbulências sociais não
apareceram aqui como as reações ocorridas nos países, que surgiram, mas não se
sustentaram, por isso deixou-se de ameaça com o “novo AI-5; da mesma forma o
medo do “Lula livre”, ao vê-lo fora da prisão sem forças para liderar uma
reação imediata, mesmo porque as forças de esquerda, ao longo das décadas foram
sendo auto liquidadas, o totalitarismo recalcula os seus impactos e redireciona
os rumos. Primeiro disciplina a linguagem e os ataques frenéticos, depois, tudo
indica que reabre o caminho da ressiginificação da aparência, por meio da troca
de figuras estigmatizadas, por outras que podem ser mais “palatáveis” como é
ocaso da secretária da cultura vista como “a namoradinha do Brasil”. Nesse
sentido, a manutenção do ministro da justiça, por mais que internamente seja
incômoda, cumpre o papel de garantir a simbologia da eficiência, mesmo que
fragilizada. As declarações vidas do palácio de que é preciso eliminar o
radicalismo ideológico do ministério da educação, apontam para as mudanças de
postura interna.
No entanto, essas medidas que remodelam
as aparências, em nada influenciam na essência do poder totalitário de natureza
mercenária. Ao mesmo tempo em que agem para reapresentar as garras sem o sangue
dos crimes à mostra, no interior da administração vilipendiam o patrimônio
público e garantem-se pela ajuda dos poderes legislativo e judiciário que atuam
na linha colaboracionista para que se cumpram os desígnios de salvar o Estado e
empurrar cada vez mais a população, ingênua e desinformada, para a miséria.
Em síntese, eles estão mudando na
aparência porque podem mudar. Não poderão deixar de mentir nem tampouco de
lançarem mão da propaganda enganosa. Podem deixar a porta sem tranca porque a
oposição ameaça levantar-se só em 2022 para a disputa eleitoral. Até lá, por
falta de unidade interna, tendem eles mesmos a liquidarem-se uns aos outros,
para, no final saberem quem continuará no comando do processo de subordinação
ao imperialismo.
E então nos perguntamos: o que fazer? Só
há um caminho possível que a organização política, mas isto implica em buscar
assumir uma posição avançada que supere as posições intermediárias e
oferecedoras do bem-estar social, mas dentro do capitalismo.
É certo que, mais dias, menos dias as
massas levantar-se-ão e, a continuar assim, encontrarão pela frente, fileiras
de candidatos e nem uma proposta além de irem às urnas e legitimarem a
condenação ao capitalismo.
Ademar Bogo
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