Quando Thomas Hobbes escreveu em seu
livro “Leviatã”, que “o homem é lobo do homem”; estava lá no início do
capitalismo querendo antecipar que um indivíduo seria inimigo do outro,
principalmente em se tratando dos negócios e da prática política.
Consciente ou não do que viria pela
frente, a civilização capitalista liderada pela burguesia se estabeleceu
segundo os seus interesses. Ela foi capaz de criar a si mesma, enquanto classe
e, juntamente criou o comércio, a indústria, o capital, o Estado, as leis, como
também por necessidade do reconhecimento de sua função e existência histórica,
criou também o proletariado para extrair dele a mais-valia, em troca de um
salário mensal.
Sendo fruto da criação burguesa, os
trabalhadores, embora dependentes, sempre tiveram de lutar contra as outras
criações, ou seja, contra o próprio burguês, o capital e o Estado, geralmente
representado pelos governantes oriundos da classe burguesa.
Na medida em que, culturalmente os
trabalhadores foram educados a buscarem a habilitação para assumirem uma
profissão, mediante a venda da força de trabalho, aprenderam a ver, na existência
das empresas e do Estado, as garantias para a própria sobrevivência. Do outro
lado, embora os patrões sempre reconhecessem que sem o trabalho humano não era
possível extrair a mais-valia, também viram os trabalhadores empregados como
inimigos, por que podem a qualquer momento ameaçarem parar o trabalho em busca
de aumento dos salários.
Esse entendimento de que capital e
trabalho vivem em constante tensão, ocupou-se também em separar na convivência
social, aqueles que são possuidores do capital e seus descendentes e aqueles
que recebem salário. Os primeiros, por serem os criadores das invenções citadas
acima, julgam-se ungidos para acessarem os privilégios, o luxo, o prazer e o
esbanjamento adquirido pelo valor de troca. Aos segundos, vistos como criaturas,
devem contentar-se com o básico, sem jamais emergirem em busca de qualquer tipo
de ostentação.
O simples fato de sermos como somos
é o suficiente, para usar um conceito do filósofo austríaco, Wittgenstein,
colocar-nos em uma ordem de “estado de coisas” e, logo em seguida se acharem
conveniente, modificam para outro estado, empurrando-nos para posições que lhes
são convenientes.
O “estado de coisas” assemelha-se a
uma fotografia que retrata o momento em que as coisas estavam colocadas daquele
jeito. Mas, logo em seguida, aquela imagem se desfaz, porque, todos os objetos
foram mudados de lugar, tal qual como ocorre na política.
Quando percebemos que somos
inimigos? Quando está ou muda o “estado de coisas”. Se a tecnologia se
desenvolve, os capitalistas em busca de aumentarem os seus lucros, substituem
parte da força de trabalho, com as máquinas que farão a produção com maior
velocidade. Aos trabalhadores demitidos, como parte da criação capitalista
obsoleta é jogada fora. Se os direitos sociais pressionam a administração
pública, ao invés de reconhecê-los e atendê-los, os governantes optam pela
eliminação dos mesmos, compreendendo que, se não há direitos, não haverá
cobrança.
Em grande medida, há épocas em que
as mudanças do “estado de coisas” funcionam com certa racionalidade e, há outras
vezes que o impulso que movimenta as coisas, identifica-se com o “estado de
barbárie”. Marx e Engels haviam previsto isto no Manifesto do Partido Comunista
de 1848; não sabemos se com tanta nitidez como vemos na atualidade, quando
disseram que, “de repente a sociedade parece retroceder a um súbito estágio de
barbárie...”. E então começamos a perceber o que o instinto animal de qualquer
ser social, vitima do velho “contrato social”, de que o capitalismo é o sistema
assegurador de que “o homem é o lobo do homem” e, esse sistema sem a presença
do Estado é uma ameaça à própria civilização.
Parece uma heresia, observar que a
presença do Estado é a esperança de alguma garantia de vida no capitalismo em
crise, mas é verdade. O capitalismo ao contrário do comunismo, não sobrevive
sem o Estado e, na medida em que ele é diminuído ou excluído de suas funções,
coloca toda a sociedade em risco. Por isso não se pode confundir que quanto
maior for o desmonte, maiores serão as possibilidades de avançarmos para a
transição socialista, isto porque, em tempos em que as classes sociais e as
massas oprimidas não possuírem força organizada, o movimento em direção à
barbárie ganha maior intensidade.
Se isto é verdadeiro, compreendemos
a razão da insegurança da classe média que insistia anteriormente, justificando
com a falsa moralização e, agora, com a frustração de ter eleito um presidente
“descabeçado”, que os militares assumam de vez o governo. O que não falta
praticamente nada. Resta apenas expressar qual é o grau do totalitarismo a ser
oficializado.
O que significa o estágio perigoso
que caracteriza o estado de barbárie? Primeiramente é a crise de crescimento econômico
que, a curto prazo, não apresenta nenhum sinal de otimismo. Em segundo lugar, é
a natureza da política, principalmente expressa pela prática do poder executivo
que, emergiu do meio mais deplorável, jamais visto na História, quando as
milícias e o crime organizado foi institucionalizado. Depois temos a
insubmissão proposital das polícias, que, por estarem organizadas foram
incentivadas a reagirem contra a reforma da previdência, aceita pacificamente
por toda a população. Por fim o ataque
do próprio presidente às instituições como ocorreu com intervenção recente no Inmetro,
essa medida revela que para o governo não há mais peso nem medidas e, isentos
de fiscalização a indústria e o comércio criarão os seus próprios padrões.
Diante disso, não podemos esperar o
pior, porque é certo que ele virá. No entanto, há duas maneiras de recebê-lo:
com submissão ou com reação. Se a opção primeira se confirma, a recepção do
pior será com discursos em “defesa da democracia”, “imprensa livre”, “eleições
municipais”, “defesa das instituições”, “impeachment do presidente”; isto não
quer dizer que não tenhamos êxito. No entanto, ao concluirmos esse período, nos
depararemos com as massas famintas e desempregadas; o mesmo capitalismo em
crise e todos os direitos vilipendiados. Isto sem considerar que, os militares
podem aceitar desfazerem-se do presidente, mas não deixarão facilmente do
poder.
De outro modo, se optarmos pela espera
com reação, precisamos entender que, não há como fazer a ultrapassagem do atual
“estado de coisas”, sem prever qual é o “estado de coisas” que queremos
produzir. Isso implica compreender que no capitalismo os inimigos somos nós e
que eles não terão condescendência, seja na exclusão do mundo do trabalho, seja
na repressão militar. As diferentes crises e a superação do estado de barbárie
somente poderão surgir com uma nova ordem econômica, social e política. Muitos
dirão que isto é impossível de se fazer agora. E estão com a razão. Mas se não
começarmos a fazer agora, a construção que não tem tempo certo para acabar, ela
jamais acontecerá.
Quando sentirmos medo e insegurança
devemos lembrar do final do texto do Manifesto do Partido Comunista, quando
diz: “Que a classe dominante se sinta ameaçada na iminência de uma revolução
comunista! Que a classe operária nada perderá com ela, a não ser as suas
correntes. Mas terá um mundo a ganhar”. Comecemos, portanto, por assumir
conscientemente que “somos inimigos”, deles, e de todos os que com eles
colaboram.
Ademar
Bogo