O filósofo humanista francês, Teilhard
de Chardin, (1881-1995), jungiu no século passado, com esplêndida capacidade, o
conhecimento biológico e metafísico que podemos transportá-los para a política dos
dias atuais.
Para ele, a vida em si é uma propriedade
universal da matéria cósmica. Nesse sentido, ela esteve desde o início,
submissa às leis que guiaram as mudanças até chegar à evolução humana, quando a
vida recebeu a contribuição da espiritualização do homem e do universo. E qual
é a lei principal que sustentou esse processo evolutivo? Não é outra senão a
lei da “atração” que, metafisicamente falando, poderia também ser denominada de
“lei do amor”. Parecerá espantoso, mas, depois de conhecermos os argumentos do
filósofo, compreenderemos com facilidade, porque estamos ameaçados, na
atualidade, pela lei da “repulsão” que, movida pelo ódio, coloca-se contra a
vida, à igualdade e a integração universal.
Para Chardin, habitualmente, somente
consideramos a face sentimental do amor, porém, na plenitude da realidade
biológica, o “amor” é a afinidade que existe entre um ser e outro ser, considerando,
portanto, que não é privilégio da espécie humana a virtude da atração; com outros
corpos vivos acontece o mesmo, porque, a atração é uma propriedade da vida e
não apenas dos corpos.
O aprendizado principal a ser extraído
dessa tese é que, se não existisse a atração não poderia haver nenhuma forma de
organização e o universo como um todo, seria um composto de átomos
individualizados espalhados, sem nunca terem a possibilidade de formarem um
corpo. Ainda bem que o universo funciona de outro jeito e, um átomo atrai outro
átomo, para formarem as células, estas, reunidas formam tecidos e os tecidos
formam órgãos e os órgãos formam os corpos que se atraem e se relacionam.
A atração entre todos os tipos de seres
cumpre a mesma função que a lei da gravidade. Encarnada nos corpos vivos, “a
lei” transforma-se em “sentimento de união” responsável pelo desejo de ir ao
encontro uns dos outros para formar organizações: familiares, grupais, de
classes e também social quando os objetivos se combinam. Isso tudo é tão
importante, que o filósofo converteu a atração em “amorização”, dizendo que ela
é fundamental para garantir a integração da humanidade.
No entanto, sabemos que a atração não é
a única força que atua sobre ou dentro dos corpos; há também a força da
“repulsão” que age com a mesma intensidade e, em certos momentos também
organiza grupos e classes que se insurgem movidas pelo sentimento de ódio.
Forma-se, nesse sentido, uma dupla polaridade na mesma evolução: de um lado, a
atração movida pela força do amor e, do outro lado, a repulsão movida pela
força do ódio.
A repulsão movida pela força do ódio
quando se torna hegemônica, acentua as atitudes destrutivas de modo tão
evidente que as ofensas substituem as expressões de cordialidade e, a sociedade
é tomada de assalto por um sentimento de inimizade. Os grupos repulsivos são
facções que agem contra todos, inclusive contra os próprios aliados, porque o
ódio é uma força repelente. Ele alimenta-se da prática de atitudes perversas
das forças repulsivas, armadas de ideias nazistas; armas de fogo e do fogo como
arma; agrotóxicos, leis, preconceitos e linguagem bruta, desbocada e ofensiva, lançadas
contra todas as formas de vida e da unidade amorosa entre os seres. Sem
justificativas, abre-se um período de violência destrutiva poucas vezes vistas
nos períodos anteriores da História, quando agiam mais direcionadamente contra
os inimigos humanos, agora, os inimigos são os humanos, as florestas, a
cultura, a educação, as organizações, que embora frágeis, buscam resistir em
torno do princípio da preservação da vida.
A repulsão contaminada pelo ódio cumpre
a função de atuar em meio à crise do capitalismo, para salvaguardar os interesses
dos grupos dominantes e seus aliados que, não suportam os próprios defeitos,
por isso vingam-se contra os direitos sociais, contra a possibilidade de haver
o mínimo de bem-estar social e, por isso também desrespeitam, descuidam e
desarmonizam a convivência entre, as espécies, as nações, as etnias, as
religiões e o entendimento sobre os valores culturais.
Dessa forma buscam fazer funcionar “a
sociedade do espetáculo”, com dois instrumentos poderosos: a imoralidade e a
mentira. Para eles tudo aquilo que fere os seus interesses repulsivos, é visto
como imoralidade, daí então, uma exposição de obras de arte, um livro, uma
personalidade como Paulo Freire ou o conjunto dos professores etc., caem no
crivo da falsa moral que se encarrega de criminalizá-los. O segundo instrumento
é o da mentira repetida e multiplicada, para que os adeptos da repulsão se
alimentem do ódio e tenham sempre alguém do lado oposto para culparem pelos
problemas sociais. Enquanto isso, os verdadeiros culpados que defendem a família,
são os mesmos a desrespeitam; os que defendem os direitos são os mesmos que os
aniquilam; os que defendem a segurança são os mesmos que matam pessoas
inocentes.
As investidas contra a vida em geral,
desencadeadas pelas forças repulsivas, demonstra que a humanidade vive
pressionada por uma permanente “pulsão de morte”. A indiferença e a atração ao descartável,
justifica-se pela repulsão que vigora como força massacrante das possibilidades
de preservação e evolução da vida em todos os sentidos. Viver, já não se trata
de preservar, cuidar e reservar para as gerações que virão, trata-se de fugir
do extermínio, chorar os mortos assassinados pela mão armada das milícias; sofrer penas nas filas do SUS, do INSS e na
busca de trabalho a espera de que a mentira repetida mil vezes, um dia venha a
ser verdade, como estas de que “a economia está crescendo” e que “a oferta de
emprego está aumentando”.
No entanto, enquanto eles mentem os
dados levantados revelam que a economia mundial ameaça entrar em colapso. As
pesquisas feitas pela OXFAN mostram que a renda dos 3,8 bilhões de pessoas mais
pobres do mundo, no ano de 2018, caiu 11%, enquanto que, no mesmo ano, a cada
dois dias surgiu um novo bilionário. Isso traz consequências para a economia
mundial que ameaça entrar em colapso, devido à especulação financeira como
ocorreu em 1929. A relação é muito fácil de ser explicada, significa que, se
diminui o consumo e a riqueza acumulada em dinheiro vai para a especulação,
diminuem os investimentos em produção, com isso deixa-se de gerar empregos e de
arrecadar impostos. O Brasil vive intensamente este dilema. Se por um lado, o
agronegócio, nos últimos anos cresceu e chegou a representar 20% do PIB, a
indústria, segundo noticiam os jornais, nos últimos 3 anos, fechou 17 unidades
por dia. A previsão é que até 2022 seguirá essa decadência. Portanto, o governo
nas mãos das forças repulsivas, não apresenta nenhuma perspectiva de melhora.
Por outro lado, devemos voltar-nos para
a tese inicial da busca da “atração”. Como atrair e atrair-se? Devemos pensar que
um processo de mudanças, precisa prezar pela associação das pessoas que
pretendem valorizar às suas vontades. Há, na espécie humana, uma enorme
fragilidade que acompanha a sua composição e facilmente revela os seus defeitos
chamados de desvios para mal. Atraímo-nos para fazermos o bem e, aos poucos,
parcelas dessa associação, em nome do prestígio e do poder, desviam-se para o
mal nesse sentido, a atração vive entre pressionada por dois tipos de repulsão,
uma que é de fora para dentro, vida de outras forças e classes, ou que vêm de
dentro para dentro, criada no próprio corpo como frações oportunistas.
O
momento é perverso para nós que desejamos a atração. O vazio interno causado pela
insatisfação civilizatória faz com que cada indivíduo busque fora de si os
recursos para a satisfação e o prazer pessoal, por isso, consome e consome-se
sem compreender que não existe a conservação do lado de fora sem a conservação
do lado de dentro do corpo.
Em síntese, o capitalismo constituiu-se
na principal força repulsiva e desagregadora da sociedade e, os capitalistas, cada
vez menos em quantidade, encarnam o capital e apresentam-se como os controladores
da atração dos pobres entre si. Fazem isto de muitas maneiras, mas,
fundamentalmente, atraindo uma parcela de alienados para defenderem as suas
políticas, com ensaios de mobilizações em diversos países do mundo para, em
seguida, penetrarem com as forças de repressão e a legitimarem a ordem
repulsiva pelas vias jurídicas.
Sabemos que não há atração pelo
desinteresse e nem repulsão sem motivos. No entanto, para qualquer iniciativa,
a organização, desde a reunião dos átomos no inicio da humanidade foi a
principal escola. Sem a maioria, as forças da atração não se tornam vitoriosas
e as forças repulsivas não se sustentam no poder. Ambos os lados precisam de
causas para serem defendidos. Levamos vantagem, porque a causa da atração é
sincera, a causa da repulsão é mentirosa e mesquinha.
A atração é então mais do que uma nova
forma de entender a política, é uma necessidade obrigatória a ser satisfeita em
benefício da reprodução da existência, da humanidade, das espécies e da
sociedade estruturada em novas bases. A atração é uma luta permanente, local e
internacional, para salvar a maioria da humanidade e de todas as formas de vida.
Ademar
Bogo
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