Em
1989 o jornalista Zuenir Ventura escreveu um livro com este título: “1968: o
ano que não terminou”; nele retratou os fatos relevantes que ocorreram naquele
ano de intensa repressão militar, as reações políticas no Brasil e no mundo, ao
mesmo tempo em que destacou alguns personagens significativos, sujeitos que
interferiram na História.
Nesse malfadado ano de 1968, foi
emitido o Ato Institucional número cinco (AI-5) e, com ele, a repressão contra
“a subversão e as ideologias contrárias às tradições de nosso povo”, foi
intensificada, mas a resposta veio com a luta por liberdade tornando-se tão
importante que ultrapassou a própria defesa dos direitos sociais.
Em síntese, o ano não terminou, como
tantos outros não terminam, porque, as artimanhas estabelecidas pelo regime
militar que violava as leis, ao mesmo tempo as utilizava a seu favor para se
impor e reprimir e, as consequências para os anos seguintes tornaram-se cada
vez mais trágicas.
Estamos chegando ao “final” do ano
de 2019, cinquenta e um anos depois e, se olharmos para frente veremos que o passado
está tão próximo que confunde-se com o futuro. Ele teima em se fazer presente
como uma continuação de um tempo que não quer ficar para trás. Falam no AI-5 rejuvenescendo
a medida, enquanto retiram, com outros
meios os direitos de sociais.
Os engodos democráticos que agradam
a classe média, porque, ao mesmo tempo que ludibria as massas, afastando-as
dos locais acessíveis ao consumo de elite, também fortalece a sensação de que o
Estado assume o comando para estabelecer a ordem, não aquela em que todos são
respeitados, mas aquela que assegura ao capital, o direito de ir e vir por meio
dos investimentos produtivos e especulativos.
O trágico ano de 2019, não poderia
terminar com as festas de final de ano. As consequências do modelo econômico
reavivado pelo fôlego vingativo do neoliberalismo, não conseguiu fazer as
cobranças que queria em um ano só. Quer explorar a nação, eliminar direitos e
governar por meio de um vocabulário desbocado que deveria envergonhar os
capitalistas, pois é deles o projeto em andamento.
Na verdade, os capitalistas sempre
souberam que o cargo de presidente da república, em muitas circunstâncias é
simbólico. Importa para eles aquilo que obtêm como recompensa, mais do que com
aquilo que se fala.
Mas, “o ano não terminou” também,
porque ainda para serem reveladas as profundezas das consequências das
maldades produzidas, que, como doenças virão a vitimar as massas populares e as
classes trabalhadoras, medianamente organizadas. Por outro lado, porque
continua também a ingenuidade e o oportunismo das forças que deveriam reagir,
apesar dos ataques seguem a imaginar que com os instrumentos que servem
para matar, reprimir e governar para garantir a ordem e a segurança ao capital,
também podem servir para trazer bonança, tempos de fartura e liberdade aos
trabalhadores. Com isso, insistem, sem tirarem nenhuma lição, em prepararem-se
para um jogo cujo campeonato já terminou com uma grande derrota.
Basta voltarmos ao passado e olharmos
atentamente para a História, para vermos que a classe dominante sempre agiu por
meio de duas estratégias: reprimir e conciliar. Durante a década de 1930,
Getúlio Vargas, por meio de um golpe de Estado instituiu o Estado Novo que
vigorou entre 1937-1945. O objetivo era
“Reajustar o organismo político às necessidades econômicas do país”, para isso
precisou implementar duras medidas e perseguir os comunistas. Prevendo a
derrota eleitoral nas eleições de 1945, Getúlio Vargas, em 1943, aprovou CLT -
Consolidação das leis do trabalho e concedeu anistia aos comunistas para
disputarem as eleições e contribuírem na elaboração da nova Constituição de
1946.
Essa “euforia” e confiança na
institucionalidade capitalista pouco tempo durou. Em 1964 os militares deram um
novo golpe de Estado e reformularam as leis, as perseguições aos opositores por 21 anos,
quando, novamente, a abertura política permitiu a organização popular, eleições
gerais e, com a participação das forças de esquerda, elaborar a nova
Constituição Federal que, supostamente teria sido a mais avançada de toda a
História do Brasil; não fosse que, desde a sua aprovação até o final deste ano
de 2019, já foram feitas 105 emendas à Constituição, além do golpe
institucional de 2016 e as reformas que seguem reduzindo uma infinidade de
direitos sociais.
Simbolicamente vemos que os
processos políticos no capitalismo são dinamizados pelos interesses dos
capitalistas. Quando se sentem em dificuldades, recuam, fazem crer que são as
leis que precisam ser reformuladas e não as estruturas. Quando querem atingir
os seus objetivos, eles mesmos desrespeitam as leis e jogam fora os esforços
que as lutas levaram décadas para implementá-las. Novas leis, novas medidas
repressivas e mais lutas para reconquistar aquilo que se perdeu. Parece ser assim a vida que virá.
Nesse sentido, no capitalismo, para
os trabalhadores todos os anos “não terminam” porque as consequências de um
ano, uma, ou várias décadas, continuam a vigorar juntamente com as novas máculas
criadas durante os períodos de desrespeito aos direitos sociais e humanos. Sendo
assim, “não existe” ano novo; existe ano começado e quase nunca terminado.
O que de fato pode ser novo, é o
ânimo. Podemos começar o ano com ceticismo e descrença, como também com muita
determinação. Há circunstâncias que permitem mudar o rumo da História e fazer
que o tempo ruim termine. Lembremos que há povos que festejam com lutas. Os
cubanos, por exemplo, em 1º de janeiro de 1959 tomaram o poder e encerraram o ano velho. Portanto, nem
tudo é só mercado, descanso, viagens ou sossego. Nesse sentido, melhor que
medir o tempo com os anos é marcá-lo com as ações.
Fazer planos é importante. Acreditar
que algo bom virá, também. Mas, acima de tudo, precisamos de consciência para
compreendermos que o futuro é sempre a imaginação de gerações que passaram e,
aí, depende com quais delas nos identificamos. Se queremos ser iguais aos
acumuladores de riquezas, egoístas e exploradores, o futuro destrutivo já
chegou é só aproveitar. Mas, se queremos ser iguais aos lutadores, o futuro que
sonharam ainda está por chegar, por isso a luta vai continuar.
Ânimo, coragem e rebeldia, são os
votos para um ano feliz.
Ademar Bogo
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