A verdade desde a antiguidade é um
tema ao qual se deu bastante atenção, isto porque, mais do que uma expressão de
convencimento ela é a interpretação da realidade, desvendada, compreendida e
sintetizada. No entanto, as interpretações podem tender para certos interesses
e a verdade pode aparecer como uma formulação alucinada. Na História da Filosofia
a verdade já passou pelo crivo da razão dos naturalistas, dogmáticos, céticos,
realistas, idealistas, positivistas, empiristas, inatistas, estruturalistas,
existencialistas, materialistas e outros, que agora não interessa citá-los.
Essas tendências, acima relacionadas,
nos mostram como a verdade pode ter partido ou posição particular. Portanto,
ela é a expressão de entendimentos determinados que, se não se equivocam na
formulação, podem vir a equivocarem-se na aplicação. Por exemplo, enquanto os
filósofos naturalistas buscavam compreender a natureza, o cosmos e a phisis, com os olhares tomados pelos
mitos, os dogmáticos sempre defenderam que a verdade encontra-se previamente
definida, basta reproduzi-la e, os céticos, negaram a possibilidade de se
chegar à verdade, porque o conhecimento alcançado é sempre relativo.
Se quisermos podemos ir além e
verificarmos que, enquanto os realistas colocam toda a atenção na verdade como
a reprodução do real, defendendo que existe identificação entre as coisas e as
percepções que temos delas, por isso, só é verdadeiro aquilo que é percebido do
jeito daquele que percebe; os idealistas atribuem à verdade aquilo que está no
domínio da ideia. Para eles, o mundo exterior é a repetição daquilo que está no
mundo das ideias e a verdade existe antes de qualquer experiência.
Ainda podemos verificar que os
empiristas acreditam que a verdade somente pode surgir da experimentação. Contrariam
os inatistas que acham que a verdade desperta da rememoração, porque já
nascemos com os conhecimentos que se encontram “adormecidos”, basta acordá-los.
De acordo com o estruturalismo, a verdade aparece por meio do estudo das
relações entre as estruturas, sejam elas físicas, linguísticas ou mentais. O
existencialismo toma como referência a existência, ela “precede a essência” e
tudo pode vir a ser. Assemelha-se com o que ocorre com o materialismo que
considera a verdade expressa pelo movimento das contradições e relaciona as
partes com a totalidade por intermédio da aproximação constante da verdade.
Essas
e outras tendências trazem consigo a seriedade com o estudo, quando queremos explicitar
a verdade e é por essa razão, todas elas se contrapõe à visão alucinatória da
verdade. Ou seja, os alucinados também defendem a verdade no seu modo de ver,
mas, ao invés de fundamentá-la nos estudos, fundamentam-na nos desejos.
A alucinação é antes de tudo uma
perturbação mental que se manifesta pelo aparecimento de sensações atribuídas a
causas que não existem na realidade. Em Freud a alucinação é o caminho para a
realização de um desejo, por isso ela pode ser compreendida pelo estudo dos
sonhos.
O sonho é motivado pela realização
do desejo que está no inconsciente, ativado durante o período do sono, expressando-se
por meio de imagens. Enquanto o corpo fica inerte, o sonho cumpre o papel de
exteriorizar o desejo retido no inconsciente que de outra forma dificilmente
seria alcançado.
A relação entre o sono e o sonho se
dá por meio da regressão que transforma a ideia em imagem daquilo que foi
desejado quando o indivíduo esteve acordado, portanto, antes do momento de
estar sonhando. É por meio dessa regressão que o indivíduo que sonha tem uma
“revivência alucinatória”, ou seja, a força da vontade da realização do desejo
age com tamanha intensidade e modifica os elementos que representam o desejo
guardado. Nesse sentido, as representações, sendo imagens criadas no sonho,
elas não existem na realidade; por isso, o conteúdo do sonhado é de difícil
compreensão quando se desperta do sono.
Temos então, presentes no sonho: o
corpo inerte que, mesmo dormindo guarda em si os desejos do indivíduo e serve
como veículo do sono e, o sonho, que, por intermédio de alucinações expostas
por meio da regressão, forma as imagens que tendem realizar o desejo do
indivíduo que sonha.
O que ocorre com a alucinação é que,
quando dormindo, por meio do sonho, ela ocorre pela substituição do pensamento,
pelas imagens formadas sobre as causas e os objetos não reais, em vista da
realização do desejo que, quando acordado se formaram por meio do pensamento.
Sendo assim, as alucinações podem ocorrer fora do sono e nunca serem sonhadas,
mas se assemelham aos sonhos porque não existe causa real. É a confirmação
daquele dizer: “sonhar acordados”. Isso pode se dar na vida cotidiana de um
profissional que imagina estar sendo perseguido pelos colegas; um diretor de
escola que se vê cercado de ameaças por todos os lados, por indivíduos que
tramam tomar o seu cargo, como também na política, quando os representantes do
governo produzem imagens fictícias daquilo que poderia ser, mas não é.
Ao aplicarmos o raciocínio da
alucinação e a verdade, na análise do comportamento do governo brasileiro que
ora temos, veremos que ele é movido por desejos que não encontram causas reais,
por isso, as decisões que toma assemelham-se às soluções dadas pelos sonhos por
meio de atitudes incompreensíveis forjadas sobre causas inexistentes ou apenas
imaginárias.
Diversas são as causas imaginárias
sobre as quais o governo age, podemos citar as que ele mais destaca: a
influência marxista no ensino superior, que estaria sendo conduzida pelo
pensamento de Paulo Freire; a implantação do socialismo no Brasil pelos governos
petistas; a transformação do Brasil em “uma Venezuela”, etc. São visões
alucinatórias, criadas pelo pensamento, sem nenhuma causa material, mas, como
as imagens produzidas pelos sonhos, são vistas na realização de um desejo ou um
prazer, em alimentá-las como se fossem reais. Nesse sentido, não percebem os
seus agentes que o próprio slogam que
utilizaram na campanha: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”,
pelas revelações das falcatruas, desrespeito à Constituição etc., atua contra
eles mesmos.
O importante nisso tudo é não
esquecermos de que, para que exista o sonho é preciso que exista um corpo, que
possua, quando acordado, desejos a realizar; quando dormindo sonhe e crie
imagens que substituam os pensamentos e que, por meio delas, os desejos sejam realizados.
Sendo assim, devemos ver o corpo em que são formulados os desejos no
pensamento, do tamanho que ele é, e os sonhos que formulam as imagens sem
causas reais, como alucinação dirigida pelos desejos do corpo acordado.
Dito de outra forma, a leitura feita
entre as linhas traçadas pela crise do capital internacional e as medidas
jurídicas e políticas tomadas desde, pelo menos, 2016 para cá, nos revela que o
imperialismo é o sujeito cheio de desejos pelo controle do petróleo, da água doce,
dos minérios e da biodiversidade, presentes em diversos pontos das Américas,
por isso, precisa alucinar alguns governos, que passam a contestar causas
inexistentes e a sonhar por meio de alucinações como se fossem “cidadãos” dos Estados
Unidos da América.
Vemos então que o sonho é a
realização de desejos anteriores, comunicados por meio de imagens que não
correspondem às causas reais e por isso se assemelha à alucinação. O alucinado,
portanto, nada apresenta de novo, apenas age sobre aquilo que já existe porque
o seu desejo remete à regressão. Contudo, como, na atualidade, os pensamentos
repensados nos sonhos do governo brasileiro vêm de fora, a realização do desejo
do imperialismo é real, porque a causa desse desejo é real: enfrentar a crise
do capitalismo com as riquezas naturais dos países vizinhos. Ao contrário do
sonho dos executores internos que sonham formulando imagens sobre causas irreais,
mas fundamentais para manterem ocupados, a situação e a oposição, discutindo
desejos secundários, enquanto ele realiza os desejos principais.
Em síntese, a alucinação pode ser
uma perturbação mental direcionada pelos pensamentos e desejos daqueles que
induzem a pensar cotidianamente. Esse “projeto destrutivo” começou a ser
pensado durante os governos do PT, e, mais intensamente a partir de 2013 quando
tivemos uma demonstração parcial do que estavam refletindo, juntamente com a
operação da “Vaza jato”, que agora revela a importância que o poder judiciário
teve para eleger o atual presidente da República. Sendo assim, o governo atual
pratica a “revivência alucinatória” e governa por meio da regressão sobre os
desejos do passado. Por isso a impressão de que o presidente ainda “não desceu
do palanque” e age contra as universidades, funcionários públicos que não
fecham com as suas ideias e ameaça ou demite ministros que olham para frente. A
alucinação está presa ao desejo destrutivo de 2013 quando, de lá para cá, o
discurso permanece voltado contra tudo aquilo que sinaliza para o socialismo, e
faz agir os teleguiados que sonham o pensamento já pensado por essa longa noite
de sono que estamos presenciando.
Sendo assim, quem deseja lutar
contra a situação atual de crise econômica e política no Brasil, não deve se
fixar no conteúdo dos sonhos comunicado pelo governo, porque eles estão sendo
extraídos de imagens sem causas, apenas imaginadas no passado, devemos sim,
interpretar os pensamentos e os desejos reais do imperialismo, eles funcionam
com imagens verdadeiras e se realizam por meio de intervenções sobre causas
verdadeiras, o resto é alucinação. Combatendo as causas da alucinação, combatem-se
os alucinados.
Ademar
Bogo
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