O filósofo tcheco, Karel Kosik,
descreveu que “não é o homem que tem preocupação, a preocupação é que possui o
homem”. Por isso ele pode vir a se libertar dela, mas não pode eliminá-la. Em
síntese, a preocupação é o mundo entrando no sujeito, porque, o indivíduo não é aquilo que
ele crê, nem o que o mundo crê, mas parte de uma conexão em que desempenha um
papel na cotidianidade.
A cotidianidade representa a
vivência cotidiana da existência humana. Cada qual procura viver de acordo com
os padrões ditados pelas suas preocupações. É na vida de cada dia que nos
expressamos, cativamos ou revoltamos aqueles que conosco convivem. O cotidiano
é soberano porque é certo que vem e passará. Acima dele há o tempo que passa, marcado pelas
preocupações expressas pelo conjunto das relações sociais efetuadas.
Há dias que apenas vivemos. Há
outros dias que comprometemos os próprios dias vividos. Fazemos ou dizemos
coisas que infectam o ambiente social. Na antiguidade, a cotidianidade era
pacata, a vida de cada um era semelhante à de qualquer outro ser. O amo e o seu
escravo viviam acompanhados; o servo e o seu senhor, no pacato feudo, se viam e
se reviam a todo instante. Serviam e serviam-se como se nada mais existisse. No
capitalismo o dinamismo tomou conta das imaginações e, cada qual passou a
existir segundo as próprias preocupações. É o egoísmo do individualismo
manifestado na cotidianidade da personalidade preocupada, mas é também a
relação da busca da integração, da defesa dos direitos, da organização política
e da formação do ser consciente.
É certo que ainda vivemos cotidianidades
semelhantes. A repetição do dia a dia, para muitos é ainda natural. As coisas
são como são e, em certas preocupações alienadas não há esperança de
modificá-las. Nesse caso, a continuidade da preocupação é a norma da
cotidianidade.
As decepções funcionam como
desautorizações das preocupações. Ao
ser aceita, a negatividade, acostuma-se com ela. No entanto, a História “deixa
de correr solta” quando os fatos constantes surpreendem a ordem do dia. Há
fatos criados circunstancialmente e outros criados propositalmente. O que muda
entre os dois, são as preocupações: o primeiro diz respeito ao que se pode e, o
segundo, ao se quer alcançar. É o grau do engajamento que classifica a preocupação
de cada um em cada momento.
De qualquer modo, tudo é História: o
posto e o contraposto. Vence e fica no livro de memórias quem dos dois marcar
mais. O insignificante também marca pela insignificância, mas a História, ao
avaliar a sua importância, pode valorizá-lo ou não. Não valorizado, a
cotidianidade registra com sua superioridade, o grau da mediocridade despreocupada
que diz e desdiz sem se preocupar, mas, pela importunação, faz surgir a preocupação
que atinge a coletividade.Logo, ao preocupar o coletivo o medíocre pode estar ferindo o próprio umbigo.
Se atentarmos para as preocupações,
podemos descobrir, na cotidianidade, as maluquices mal ditas com status de
verdade. Como esta de que a democracia e a liberdade dependem das armas. Se
assim for, o cotidiano presente, despreocupado, esqueceu-se do passado e, assim
sendo, o poder já é um todo dependente de um “partido armado”.
Esse partido, formado pela minoria,
quer, na cotidianidade,. com as armas, impor a mentira à maioria. Em qualquer
tempo, quando as forças armadas assumem essa posição, é porque já não protegem a
nação, mas grupos privilegiados. Logo, a preocupação, não é com o corrupto, nem
com o aposentado do futuro, mas com o furo no casco do navio que está sendo afundado.
Pode ser que certas mentes inferiores
captem os rumores e, depois como “atos falhos” revelem, na cotidianidade, aquilo que
foi dito de verdade. Daí a dúvida, se tudo aquilo que é falado e depois
renegado são “atos falhos” ou recados? De qualquer modo há de se ficar
preocupados, pois, um poder que, a cada fala pública conota-se a uma confusão, e
precisa de uma nota para desdizer o dito, já não se pode crer sem temer.
Uma mentira muitas vezes reeditada
seria de fato uma verdade ou apenas uma mentira aceita e despreocupada? E as
bobagens ditas com frequência, não teriam elas a mesma intenção de consequência
para levar à acomodação das forças acordadas? Ou, quem sabe então, as bravatas
e as encenações serviriam apenas para atrair as atenções para tornar a cotidianidade
vazia de criatividade?
É incompreensível um poder manter-se
por inteiro, funcionando, com uma parte de ministros verdadeiros e, com outra
parte com ministros “chacoteiros” que, como alunos de um “guru” desconversam as
“políticas do mal”. Outros, desta mesma parte, mergulhados no imenso lamaçal da
corrupção, que já alcança as barrancas onde se abriga o clã, querem impor a sua
moral.Teria o mundo vivido algo igual?
No entanto, para não piorar é
preciso pensar na cotidianidade das esquerdas. O que foi feito, o que se faz e
o que não se desfaz. A questão a ser colocada para as discussões é: onde estão
colocadas as nossas preocupações?
Além de tudo é importante compreender
que o tempo que passa é o mesmo que liberta ou amordaça. Como as preocupações
são desiguais em cada lado, ficar livre ou torna-se amordaçado, depende daquele que
acerta ou erra a fraqueza da força que está do outro lado.
Por outro lado, as preocupações individuais e
coletivas podem pertencer a um tempo de dilemas já passado e superado. No tempo
que reagir favorecia as forças de direita, não renderam colheitas. Tal existência
já não cabe em nenhuma forma de consciência.
É verdade que há existências vivas e
existências mortas. Há preocupações corajosas e covardes. Todas elas ocupam o
tempo que passa. Colocar-se acima da cotidianidade é uma forma de ver o que
pode vir a ser. E o que pode vir a ser daquilo que poderemos ver?
As preocupações podem ser centrais
ou secundárias; alienadas e manipuladas que, pela repetição se incorporam aos
hábitos, e já não servem mais para nada. Por isso, é preciso observar aqueles
que veem no Estado a solução e pensam substituir, na cerca, uma estaca ruim por
mourão mais forte. São os mesmos que correm para salvar os produtores do Norte,aqueles que
sustentaram o golpe. No mais, as preocupações devem prever os futuros castigos
e decifrar quando os “amigos” entregam-se como amantes dos eternos inimigos.
Ademar
Bogo
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