Sempre que fazemos análises políticas
colocamos os conceitos de Estado, governo e regime político, em um mesmo nível
de responsabilidade. É evidente que a linha que separa cada uma das formas
específicas é muito tênue, mas é de fundamental importância compreendê-la para,
não apenas valorizar cada um dos conceitos estabelecidos, como também para perceber
quais são as contradições que surgem e porque às vezes aquilo que em um momento
parece ser avanço, impulsiona grandiosos retrocessos.
Quando falamos em regimes políticos (democrático,
autoritário ou totalitário) deveríamos visualizar as formas de expressão da
existência do Estado. Como a figura da autoridade governamental no interior de
cada instância está mais próxima do cidadão, a tendência é apegar-nos aos
indivíduos como se neles estivesse a solução para todas as crises.
Nesse emaranhado todo de
diferenciações, escapa sempre a compreensão de que o capital é o sujeito ainda
mais importante no funcionamento do Estado, do regime e do governo, isto
porque, o Estado foi concebido e estruturado como reprodutor e garantidor das
relações capitalistas que, costumeiramente chamamos de “ordem”. Logo, não é
qualquer “ordem” que um regime ou governo, possa mudá-la. Isto porque, o meio
para mantê-la pode ser a democracia, direta ou representativa; o autoritarismo
quando se instala uma ditadura militar ou o totalitarismo, quando um poder é
centralizado nas mãos de um só indivíduo, mas ela continua sempre a mesma.
No caso das democracias, as mais
novas gerações estão acostumadas com a forma representativa, tivemos a
possibilidade de experimentá-la no período em que foi conduzida por
representantes das classes dominantes e, em parte com representantes da classe
trabalhadora, ambas com apoio popular.
Se entendemos que o Estado
capitalista é responsável pela manutenção da ordem capitalista, os governos
devem estar a serviço dessas relações e, nesse sentido, as democracias
representativas que tendem a beneficiar minimamente as populações que não estão
diretamente envolvidas com a reprodução do capital, tendem a não vigorar por
muito tempo e quando ocorrem as inversões de governos, seja pela democracia
representativa ou pelo autoritarismo, no caso, os golpes militares, o objetivo
é sempre reparar “os desvios” provocados contra a ordem dominante. Para que as
correções dos desvios se realizem as instituições do Estado, sob o comando do
governo agem em benefício do capital.
Nesse sentido, o uso ou não da
violência, seja pelo governo “democraticamente” eleito ou por aquele que se
institui por meio de um golpe militar, podendo evoluir de um para o outro,
depende apenas da reação das forças contrárias que dificultem a reparação dos
“desvios” na ordem capitalista.
De acordo com este raciocínio, a
regressão política é basicamente natural. Somente no Brasil podemos citar dois
momentos semelhantes em que as medidas democráticas apontaram para alguns direitos
e ganhos para as classes populares que tais processos foram interrompidos por
dois golpes: o primeiro militar em 1964 e, o segundo, pela via institucional em
2016.
É verdade que as circunstâncias
históricas se apresentam como são e não como queremos que sejam, e, se em
determinados momentos elas permitem as classes trabalhadoras chegarem ao
governo por meio do voto, ela não pode se dar ao luxo de desprezar esse
“presente” da História. Mas, tal qual o “Cavalo de Troia”, com a barriga cheia
de soldados inimigos, deixado de graça pelos gregos aos troianos depois de dez
anos de resistência, é preciso ter claro que no interior da “democracia
representativa” de natureza popular, agem forças contraditórias que empurram o
processo para trás.
Compreendida a ordem política como
uma obrigatoriedade do funcionamento do capitalismo, o acerto dos desvios
cometidos pelos “governos populares” é sempre doloroso, porque significa as
perdas de direitos e aumento dos sacrifícios, quase sempre com a perda de
vidas.
A primeira e principal lição de
alerta contra a ingenuidade política das forças que querem provocar “os desvios
” da ordem, assumindo comando do veículo que os burgueses conduzem, já nos
foi destacada por Karl Marx logo após a
Comuna de Paris de 1871, e que nunca é demais repetir: “Os trabalhadores não
podem tomar a máquina do Estado para si e fazê-la funcionar a seu favor”. Certamente
porque, se o Estado permanecer intacto, ele confirma que o capitalismo como
modo de produção não foi afetado na sua estrutura de funcionamento. E o
capitalismo precisa de um Estado capitalista.
O período vindouro na conjuntura
brasileira, aos olhos das forças de direita será marcado pelo acerto dos
“desvios”, cometidos pelos governos do Partido dos Trabalhadores, pequenos é
verdade, mas intoleráveis para a ordem dominante em crise. Conscientes dessas
dificuldades, nem a intimidação, nem o radicalismo e, muito menos o
reagrupamento das forças em busca de preparar as próximas disputas eleitorais,
devem ser as posições e os caminhos a tomar.
Os fundamentos da crise do regime
político, não os encontraremos na política; por isso não é nela especificamente
que devemos colocar as nossas atenções, mas nas medidas de acertos “dos
desvios” da ordem anterior para favorecer o capital. É a crise do capitalismo
que reproduz a crise de regime político, a crise estatal e de governo e, estes
fundamentos não são locais, mas mundiais.
Há muitas contradições em movimento
mundo afora, a favor da manutenção e também da superação da ordem capitalista.
As circunstâncias encaminham-se a favor das mudanças; cabe àqueles que as
querem, prepararam-se para aproveitá-las. As formas de organização para a luta
e a formação consciência continuam sendo o único remédio para enfrentar e
superar as crises.
Ademar
Bogo