Apesar de imaginarmos que o nada é
sempre algo inexistente e de natureza indefinida, na filosofia este assunto já
deu muito o que falar e, em tempos de crises generalizadas com perseguições,
pode fazer sentido voltarmos ao nada para reconhecermos o tudo.
Jean-Paul Sartre foi um pouco mais além
e definiu a nadificação como o ato pelo qual a consciência elimina ou deixa de
lado tudo aquilo que não é objeto de sua intenção imediata, tudo aquilo que não
é visado por ela diretamente. Ocorre pela nadificação, a transformação da coisa
em nada. Este passa a ocupar o lugar do ser agora esquecido ou nadificado. Em
termos concretos, a eliminação da consciência, do projeto socialista, nadificou
o sentido da revolução e nos deixou no atual momento, muito mal.
Com a opção institucional nadificadora
do projeto socialista, a direita, após uma década sem precisar fazer oposição
na política, com a crise capitalista, acordou, e, através do poder judiciário
busca nadificar as contribuições dos últimos mandatos presidenciais para dar
continuidade ao projeto de concentração de renda e riqueza já ou em 2018. Para
a nossa sorte, embora o façam com investigações determinadas, tal qual ocorre
com um animal amarrado que só vai até a divisa do vizinho, não estão ilesos às
contradições. Por isso é ilustrativo o achado filosófico que diz: “Cão que late
amarrado, dorme em cima daquilo que defeca”; e a hora do cão do judiciário e da
Rede Globo deitarem sobre as próprias fezes, pode estar chegando com o abuso da
invasão da casa e a coerção de Lula, levado para depor na polícia Federal no
início do mês de março.
No entanto, os dilemas das forças de
esquerda e populares não se resolvem com o sono da direita sobre as próprias
fezes; isto porque, as forças em risco, sem vigor e vontade de fazerem qualquer ruptura com a
classe do capital, querem manterem-se para realizar as reformas que visam
salvar as finanças do Estado, imaginando que se eternizarão nos cargos
governamentais. É preciso arrancar o coração do Estado para que ele deixe de
ser a força auxiliar do capital. Por isso, devemos ver a crise também pela
ótica positiva da ruptura com os dogmas capitalistas e apresentar saídas fora
dos ajustes nadifiquem o projeto dos
capitalistas e afirmem o nosso.
É incômodo agora, após 12 anos de
governo, constatar que o nada ocupa o lugar do ser, o ser do projeto abandonado;
a causa que movia a superação do capitalismo. A nadificação portanto, é furto
do esforço contrário de desfazer o que se havia construído por décadas de
resistência, lutas e formação de consciências, confiando em um processo
conciliador onde todos ganhariam.
O abandono da consciência crítica,
ignorando que as crises do capitalismo são periódicas e que as economias não
crescem positivamente todos os anos, e se crescessem a ritmos elevados, o
planeta não suportaria, como já não suporta, levou também a desfazer os
treinamentos necessários e conspirativos. A nadificação se deu, portanto, em
todos os sentidos, menos no enfraquecimento do projeto da classe dominante.
Este deve ser o alvo das mobilizações atuais e não apenas a salvação das forças
em perigo de nadificarem-se por terem optado pelo caminho da conciliação.
Se estamos convictos de que temos o
nada, estamos com tudo; isto porque, o nada não é a ausência de tudo, mas a
presença do nada; e nos diz que, não temos um projeto de transição, mas podemos
tê-lo; para isso é necessário nadificar também as ilusões de que as disputas com
a classe dominante passam apenas pela via eleitoral. Saberemos então que 2018
não será a solução do nada, mas a continuação da viagem da conciliação.
Ademar Bogo, filósofo e escritor.
Ademar Bogo, filósofo e escritor.
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