No agravamento das crises é importante olhar para
todos os lados, inclusive para a frente. Há uma passagem ilustrativa de Antônio
Gramsci, produzida entre as paredes frias do cárcere italiano, que ilustra bem
o que devemos pensar. Destaca ele que, se a classe dominante perde o consenso,
ou seja, não é “mais dirigente”, mas somente “dominante”, detentora da força
coercitiva, significa que as grandes massas se separaram das ideologias
tradicionais, não acreditam mais no que antes acreditavam. Então a crise
consiste justamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer:
neste interregno, verificam-se os fenômenos patológicos mais variados.
A situação brasileira nos mostra que
os dois fenômenos estão acobertados pela crise: o primeiro diz respeito à
aparente perda de consenso entre a classe dominante, no que se refere à direção
do país, mas não há nenhum desentendimento sobre o aspecto da dominação. O
capital, os capitalistas e o governo, continuam unidos naquilo que diz respeito
à exploração humana e da natureza.
O outro fenômeno atinge a imaginação
das massas; estas, se já não acreditam mais nas ideologias dos partidos e no
caminho trilhado pela ilusão eleitoral das forças de esquerda, também não tomam
nenhuma nova iniciativa para mudar a pauta da política, apenas opinam. Comprova-se
isso pela pesquisa de um instituto renomado realizada em maio de 2014, a qual demonstra
que 61% dos entrevistados eram contra o voto obrigatório e, 57%, se livre
fosse, não votariam na próxima eleição.
Por que o novo não pode ainda
nascer? Porque está dominado por fenômenos patológicos ou doenças criadas nas
consciências das forças dirigentes, partidárias e populares, que contaminam as
perspectivas com as posições defensivas; por isso, defendem que a obrigação
agora é unir-se para socorrer o velho, para que ele gere empregos e não
perturbe o projeto institucional.
Enquanto as forças partidárias acreditam
que a solução é institucional, mantendo ou dispensando a presidente da
república, o capital e os poderes da república, em nome do desenvolvimento,
devastam o que resta do semiárido brasileiro; alagam a Amazônia com
hidrelétricas; poluem a natureza com agrotóxicos; secam os rios; geram
catástrofes sociais e ambientais soterrando povoados inteiros; estrangulam os
povos nativos e quilombolas; aquecem e poluem o planeta; cavam nas profundezas
da terra o petróleo para mover veículos particulares; aumentam impostos, cortam
benefícios etc.; com todas essas contribuições, o velho não pode ainda morrer e
continua a matar.
Mas até quando vamos acreditar que
as mudanças ocorrerão por consenso? Que a encíclica do Papa sobre a ecologia,
convencerá os capitalistas que os rios que abastecem as cidades vão secar? Que
o petróleo “é do povo brasileiro” e não uma fonte de energia suja insuportável
para planeta? Que o capitalismo será superado pelo próprio progresso e que as
revoluções estão fora de moda?
Precisamos acreditar que o capitalismo
é o velho que ainda não morreu, mas se o deixarmos, mesmo cambaleante,
impossibilitará a continuação da vida no planeta. Decidir-se pelo novo, é
romper com as ideologias de que as soluções virão pelo processo eleitoral e que
a política é coisa para corruptos. É preciso salvar o planeta do capitalismo.
Ver dessa forma, pode até ser um olhar velho e repetido, mas é um chamado novo
para atacarmos o capital em todas as suas frentes de ação, para impedi-lo que
continue com sua escalada desumanizadora.
Ademar Bogo, filósofo e
escritor.
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