domingo, 5 de maio de 2024

ALIENAÇÃO DE ESQUERDA


O filósofo brasileiro Leandro Konder, publicou em 2009, o livro: “Marxismo e alienação”  e, em uma das partes discutiu, a “Alienação política”, colocando assim o problema: “Cindindo a atividade humana em duas esferas aparentemente autônomas e frequentemente contraditórias – a esfera da vida pública e a esfera da vida privada – a alienação possibilitou o aparecimento dessa ilusão segundo a qual a atividade do indivíduo na esfera da vida particular permitiria um abandono das suas  responsabilidades como cidadão”. (2009, p.183).[1]

Se quisermos identificar para, descobrirmos a causa dessa doença burguesa, iremos encontrar alguns vestígios, em alguns países da Europa, nos séculos que antecederam a Revolução Francesa; mas, principalmente, depois dela, quando as Repúblicas foram organizadas e o Estado capitalista passou a vigorar como instrumento de poder centralizado. Sendo a classe dos produtores também a força dirigente, para agilizar e evitar que os próprios interesses fossem diluídos, fortaleceu-se o conceito de “Democracia representativa”.

O individualismo concorrente e competitivo burguês, somente poderia se sustentar, se o conceito de liberdade hegeliana fosse implementado. Para tanto, as leis deveriam ser a referência para que todos guiassem os próprios passos. Com esse entendimento, facilmente impuseram a alienação política para as massas.

O processo alienador, realiza-se pela presença do mesmo sujeito na produção da sociedade e na manutenção do Estado. No entanto, a denominação real quando se trata de identificá-lo, na primeira, ele é visto como: indivíduo, trabalhador, cliente etc., e, no segundo como cidadão, porque, nas leis estão os direitos estabelecidos.

Com esse dimensionamento restrito, um outro prejuízo cultural foi subdividido e denominado como “obrigações sociais” e “deveres políticos”. Das obrigações, constam desde a importância da participação no trabalho, da religião, da educação escolar etc., e, dos deveres, o pagamento dos impostos, registrar os filhos após o nascimento, (para os homens), prestar serviço militar, votar nas eleições.

Do ponto de vista burguês, a sociedade capitalista funciona muito bem. Orientam-se eles pelas leis do valor, enquanto procuram, por meio da concorrência, afirmarem-se como protagonistas do processo da construção da sociedade civil.  O Estado surge como o garantidor das vontades pessoais coletivizadas. Reclamam de certas restrições, mas jamais defendem a superação deste instrumento de poder.

Apesar das leis sustentadoras do processo econômico, quanto as que comandam o Estado e a política, não serem totalmente compreendidas pela população em geral, a vida segue, orientada, mais pelas conformidades do que pelas normatividades. Sendo que, aqueles que tudo produzem não se sentem donos da própria produção, alienam-se dos objetos, assim como de si mesmos, quando se propõem a transformarem a força-de-trabalho ou o próprio corpo, oferecidos como mercadorias. O não percebimento que sem a participação individual nada se constrói socialmente, faz com que o “público” seja relegado e, apenas os bens privados merecem atenção.

O capital portanto, não é apenas uma foça social, mas também uma produção social feita inicialmente pelas gerações passadas e, a divisão social do trabalho, cada vez mais complexa. Da mesma forma, ocorre com o Estado. A sua formação não passou pela decisão de uma ordem individual. Ele é o resultado imposto pelas necessidades sociais e, por isso, uma criação social.

Para a maioria das pessoas, se o capital pertence aos capitalistas e o Estado às autoridades, resta apenas cumprir com as obrigações e praticar os deveres orientados pelas normas jurídicas, que tudo seguirá em frente, com um Sol nascido para todos.

Quando nos deparamos com os conflitos entre classes, é porque, em algum grau o domínio da alienação, rompeu-se e, embora não exigindo que os meios de produção sejam distribuídos, quer, pelo menos uma melhor remuneração para a mercadoria, força-de-trabalho. Nesse sentido, podemos dizer que os lutadores compreenderam as diferenças entre capital e trabalho, mas não há mudanças estruturais.

O mesmo fenômeno ocorre com o Estado. Quando as forças de esquerda enfrentam as forças de direita, é porque, frações das classes, descobriram que dentro do Estado há um governo que pode alterar certas coisas. No entanto, ao ganharem as eleições, assumem, representativamente o comando das instituições e passam a governar com a mesma estrutura, mantendo-a inclusive como era.

Se Karl Marx e depois Georg Lukács, compreendera que, a alienação, acima de tudo começa na produção e conduz para a reificação ou coisificação do trabalhador, este é o cerne do problema, se levarmos para a política, com o mesmo conceito. Então a esquerda deveria se perguntar, quem construiu o Estado capitalista? E, sendo que o trabalhador, reivindicando aumento de salário não muda o sistema econômico, será que o poder do voto poderia mudar a superestrutura jurídica e política?

Acima de tudo, é importante compreender que a alienação econômica, separa os trabalhadores dos produtos produzidos, tornando-os uma conquista do dono dos meios de produção; se o político eleito é uma “produção” do esforço coletivo do voto, eleito, o candidato, devido à democracia representativa, passa a ser uma conquista dele.

Sendo o mandato e os cargos públicos conquistados, tomados como patrimônios individuais, as forças de esquerda também se acostumaram a governar sem o povo, separando este da conquista e afastando-o do poder central que, se quiser melhorias nos benefícios, terá que reivindicar, sempre respeitando o Estado de direito e a estrutura do poder político. Desse modo, mesmo com outras cores, continua-se reproduzindo a sociedade alienada e, a ordem do partido de esquerda, vira no seu contrário tornando-se o partido da ordem.

Por este roteiro podemos concluir que, os processos eleitorais da forma como estão sendo conduzidos, não elevam o nível de consciência das massas e, além da alienação, efetuada pelo distanciamento das mesmas do exercício do poder, tal qual ocorre na economia, com a dependência dos trabalhadores de um patrão, na política, a dependência cairá sempre de um líder carismático de esquerda ou de direita, tanto faz.

                                                                       Ademar Bogo    



[1] KONDER, Leandro.  Marxismo e alienação: Contribuição para um estudo do conceito marxista de alienação. São Paulo: Expressão Popular, 2009.