Com esse título o filósofo Karel Kosik, praticamente conclui o seu livro, “Dialética do concreto”, e convida a pensar sobre o problema filosófico, “o que é a História?”. Nestes tempos sombrios, responder esta pergunta é enfrentar os dilemas postos, mas, acima de tudo, tentar compreender onde estão ou para onde foram os sujeitos da História?
Diante de tudo o que vemos na política,
nenhuma resposta é fácil. Se não há ponto de fuga, o sujeito da História
precisa reaprender a conjugar o verbo “enfrentar” e, enquanto reaprende,
analisa o substantivo das circunstâncias aonde se alojaram as mais duras e
perversas contradições.
Muitos sujeitos históricos vividos
em outros tempos fizeram-se essa mesma pergunta: “O que é a História?”. As
diversas respostas formuladas nem sempre foram favoráveis ao bem, isto porque,
a História não é “racionalmente determinada”, por isso é que devemos acreditar
que a razão se cria na História. Em grande medida, não se pode predestinar
o futuro. Dizemos, “em grande medida”, porque, também não é pela espontaneidade
ingênua que descobriremos a direção a seguir.
Portanto, as lições que perpassaram as
consciências em todos os tempos e chegaram até nós, nos ensinam que não basta
ter razão é preciso fazer com que essa mesma razão seja vitoriosa. Por sua vez,
uma vitória pode ser parcial se tiver o propósito de vir a ser total, caso
contrário, os restos das derrotas reabilitam-se e retornam impedindo que o
total não se realize. Em política, muitas vitórias podem ser parciais, mas
existem algumas que devem ser definitivas, caso contrário, o discurso envelhece
repetindo a mesma convocação: “Começar de novo”.
Kosik nos diz que, não sabemos quem
somos antes da História e somente nela existimos. Implica dizer: sem fazermos a
nossa História seremos sujeitos sujeitados na História dos outros, aquela a
qual pertencem “os atos de heroísmo e os crimes”. Difícil é saber quando um não
se confunde com o outro. Em certas circunstâncias é mais fácil perceber as
diferenças, porque, os próprios criminosos fazem questão de exaltar os crimes,
exibindo-os como recados intimidadores. Sendo assim, “O sentido da História
está na própria História...”; é preciso compreendê-la para saber qual sentido
devemos dar aos fatos.
Uma coisa é certa, a História não
limita às reduções de algumas supremacias ou a alguns fatos tristes e
constrangedores. “Não é a História que é trágica, mas o trágico está na
História”. Logo, a tragédia representa apenas uma parte da História. A outra
parte é marcada pelas forças que querem ver o dia seguinte. É evidente que a
tragédia de mais de trezentos mil mortos não é nenhuma notícia a ser esquecida
após ser lida. Mas, são essas mortes, pelo menos grande parte delas, que desafiam
os vivos a não se deixarem morrer e nem matar. Isto por que a morte tem causas,
e elas podem ser de ser físicas e também políticas. Morre-se por falta de
remédio e também por falta de governo.
O mesmo ocorre com a liberdade, as carências
que estão nela impedindo as realizações coletivas. A liberdade também é um
movimento que depende da ação para adquirir significado. Livre não é apenas ter
o direito de ir e vir, quando por trás há a redução da autonomia. Como poderia
um pássaro solto ser livre se lhes cortaram as asas? Livre não é o cidadão que
pode votar em um representante. Como poderia ser livre para escolher se os
candidatos já vêm numerados e registrados? “Liberdade é espaço histórico que se
desdobra e se realiza graças à atividade do corpo histórico, isto é a classe”.
Liberdade é, portanto, a possibilidade de conduzir dois corpos: o individual e
o coletivo, representado pela classe social.
O sujeito da História é um sujeito
sem medo, mas é também desvencilhado dos projetos limitados, das ilusões e
imaginações fantasiosas, de que o capitalismo pode ser humanizado e o Estado
garantidor da igualdade. Se assim pensamos, entendemos a liberdade como sendo o
espaço interno das quatro paredes que nos abrigam. Sonhamos com o infinito, mas
não saímos das prisões que construímos para justificarmos que as circunstâncias
não são favoráveis.
Se a História universal não pode ser
determinada, a particular pode, por meio das opções feitas. Se o pássaro engaiolado
acredita que é livre para voar por todos os lados dentro da gaiola, acreditará
ser aquele o tamanho da liberdade possível e jamais se preocupará em achar a
porta de saída. Se acreditamos que as soluções estão na troca de governo, como
o pássaro engaiolado, durante quatro anos não veremos nenhuma porta de saída.
Somos nós os sujeitos que fazemos a
História e a contamos depois de feita. São os outros que fazem a História e
também a contam depois de feita. Essa é a questão: se um lado conta a História,
impede que o outro lado a conte. Podemos por um tempo contar duas Histórias?
Podemos, mas ela sempre dará razão àqueles que melhor se posicionam. Isto
porque, a História é como o Mar, todos os rios, por maiores que sejam, ao
tocarem o oceano são subsumidos.
Não é livre quem teme o golpe de
Estado e, por isso, não age para impedir que ele venha. Não é o medo que impede
que venha o temporal, mas se ele está vindo, ele virá. Cabe preparar-se para
enfrentá-lo. Não é livre quem teme a ditadura e por isso se esgueira nas
franjas da oligarquia, chamando-a de democracia. Enquanto assim se comporta,
milhões de brasileiros e brasileiras que mendigam ajuda emergencial ou se
deitam no piso das próprias salas para escaparem das balas homicidas, a
ditadura já chegou.
Com o problema filosófico “o que é a
História”, respondido, o recado está dado: ou fazemos a História ou os outros a
farão. Os que fazem, contam, os que não fazem são contados.
Ademar
Bogo