No dia 14 de junho último comemoramos 171 anos do nascimento de Castro Alves, quando realizamos uma bela cerimônia na Academia Teixeirense de Letras.
Castro Alves, segundo Jorge Amado, “teve muitos amores”, mas
nenhum deles maior que a liberdade; viveu seu tempo como qualquer tempo de
contradições, plenos de direitos e de defeitos.Transformou a realidade social em
um verdadeiro recital.
Cercado de homens cultos, como Rui Barbosa e Tobias Barreto,
de onde extraíra também a aguçada visão política, jurídica e literária, como
esse ensinamento de Tobias “que é preciso delirar para não enlouquecer”.
A
ética da estética, vista no negro deformada e que jamais poderia ser elevada
naquela condição, cheirava à revolução, aquela da Inconfidência, grávida de
independência e do abolicionismo; defendeu com otimismo, a República, portanto
a vida da pátria democrática, na prática.
É um poeta atual, normal e ao mesmo tempo extraordinário,
perspicaz e revolucionário, maduro e seguro da crítica política.Vai do concreto
ao abstrato, abstraindo dos fatos a essência sem se perder na aparência. Fala
do amor, não como um sofredor, mas como um doador, como diz no poema “Amemos”:
“Amemos, pois! P´ra ti eu tenho nalma
Beijos, prantos, sorrisos, cantos, palmas...
Um abismo de amor...
Sorriso de uma irmã, prantos maternos
Beijos de amante. Cânticos eternos
E as palmas do cantor!”
Faz
versos ao “2 de julho”, com orgulho, ao dizer:
“E hoje o dedo de Deus
escreve ufano
Tremei, tiranos, desta lenda
Livres, erguei o colo
soberano.”
A independência feita pelos pobres e
lutadores buscou a liberdade de verdade; e complementa-se com a expressividade de,
“o povo ao poder” pois, “a praça é do povo, como o céu é do condor, é o antro
onde a liberdade, cria águias em seu calor”.
E então:
“Irmãos da terra da América,
Filhos do solo e da cruz,
Erguei as frontes altivas,
Bebei torrentes de luz...
Ai! Soberba populaça
Rebentos da velha raça
Dos nossos velhos Catões,
Lançai um protesto, é povo,
Protesto que o mundo novo
Manda aos tronos e às nações”.
Se invertêssemos os momentos, teríamos
nos versos, os rebentos, de nossa sociedade maltratada; das riquezas naturais
sendo saqueadas e da dívida pública impagável; um país de governos
irresponsáveis e políticos corruptos sem vergonha, que mancham “do berço esplêndido”
o lençol, o cobertor e a própria fronha, e gozam com fluência, da paciência das
massas miseráveis.
Quem são os escravizados do presente?
São negros, índios, brancos explorados e indigentes; jovens e adolescentes,
assassinados nas periferias; professores, empregadas domésticas e trabalhadores
que a reforma trabalhista lhes tirara muitas garantias.
Se Castro Alves fosse reescrever parte
do “Navio Negreiro”, assim diria o poeta condoreiro na parte V do poema, da
qual tomamos como tema, e emprestamos o nosso olhar humilde e embaçado, ao
poeta dos escravizados:
Senhor Deus dos desgraçados
Que do índio se esqueceu
Não é loucura, é verdade
Que sua terra perdeu?
Óh,
Estado porque não pagas
Esta
dívida tão amarga
Que
é um crime nesta nação.
Por
que a branca propriedade
Goza
de seguridade
Mas
a do nativo não?
Quem
são esses desgraçados
Negros
em sua maioria
Rejeitados
nos empregos
Mortos
nas periferias?
Quantos
estão nas escolas
Tendo
as cotas como esmolas
Para
fingir igualdade?
Por
que este triste tormento
De
só, 26 por cento
Compor
a universidade?
São
os filhos do deserto
Sufocados
na agonia
Que
num amplo campo aberto
São
mortos todos os dias.
São
jovens desempregados
Sem
escola e sem cuidados
Sem
a mínima atenção;
É
a pátria exterminada
Na
sua infância espezinhada
“Sem,
luz, sem lar, sem razão”.
São
mulheres desgraçadas
Que
tudo sofrem também
São
seis milhões de empregadas
Nas
faxinas por vinténs
Carregam
os filhos nos braços
E
andam de pés descalços
Sem
creche e escola infantil
Enquanto
a corrupção
Consome
cada tostão
Do
orçamento do Brasil.
Lá
nas areias infinitas
E
nas águas do país
Muitas
reservas bonitas
Saqueadas
com mãos tão vis
É
o capital estrangeiro
Tirando
dos brasileiros
O
direito ao sucesso;
Adeus
ó soberania!
Adeus
qualquer melhoria
Fica
a “ordem e o progresso”
Depois
do areal extenso
Forjado
na vida adulta
Vem
o sentimento imenso
Com
tudo o que dificulta.
É
a insegurança infinda
Que
a velhice trás ainda
Desconfiança
tardia;
Que
a reforma da imprudência
Feita
sobre a Previdência
Rouba
a aposentadoria.
“Senhor
Deus dos desgraçados
Dizei-me
o senhor deus
Se
eu deliro... ou se é verdade
Tanto
horror perante os céus?
Que
a inconfidência mineira
Volte
a ser tão verdadeira
Como
organização
Que
o povo igual tempestade
Tome
as praças e as cidades
E
faça a sua revolução!
HOMENAGEM À ACADEMIA TEIXEIRENSE DE LETRAS E AO
PATRONO AO QUAL
REPRESENTO.
Da relação direta entre
Castro Alves e a Academia Teixeirense de Letras, na qual o seu nome é honrado.
Eu, como filósofo e escritor, não poderia deixar de estabelecer a comparação
desta, com a Academia de Platão, criada em 387 a. C e fechada pelo imperador
Justiniano em 529, já na nossa era, pois, como o governante atual, proibira o
ensino de Filosofia. Na esperança de que um dia tenhamos a nossa sede
imortalizada, teço aqui as características aproximadas.
Construída no sítio de
Akademus, um herói que também legara o seu nome; a escola tinha a sua
localização nos arredores de Atenas como local de culto às deusas de Apolo. O
local fora escolhido porque ali existia um bosque de oliveiras plantadas em
homenagem a ATENA, a deusa da sabedoria e a outros imortais. Sabe-se que apesar
de Atenas ser uma sociedade escravista e machista, duas mulheres fizeram parte
daquela Academia: ASIOTEIA DE FILOS e LASTÊNIA DE MANTINEIA, portanto, como a
nossa, em que as mulheres se fazem presente com finíssima elaboração e, tal
qual como lá, formamos uma verdadeira comunidade acadêmica.
A única recomendação
para integrar-se a Academia de Platão, era saber matemática; aqui precisamos
saber e honrar as letras e não apenas sabê-las, mas combiná-las por meio das
palavras e dos versos, transformando-as em literatura.
Na entrada da Academia
havia um altar dedicado a EROS o deus do Amor. Nos fundos, seguiam-se caminhos
pelo parque, com estátuas em frente aos túmulos e, ao lado de cada um, uma
árvore frondosa como forma simbólica da presença e da vida prolongada. No
ritual de sepultamento, lia-se o Atestado de Óbito que iniciava sempre pela
pergunta: “Ele viveu com amor?”.
Quando ainda havia
certo senso de justiça e se distribuía a terra neste país, nas áreas
conquistadas pelos descentes de índios, negros e brancos explorados, além de
escolas, construímos cemitérios onde foram e são enterrados os corpos dos sábios
e dos heróis. Da Academia platônica que compreendia toda a área do sítio como
escola, copiamos este ritual de enterrar os mortos e, para cada um, plantamos
uma árvore como sinal da imortalidade.
Daí vem a referência rememorada do patrono do acadêmico da
cadeira 38, Joaquim de Jesus Ribeiro. Um lutador que morreu 40 dias depois de
sua esposa Laura, que, tristonho e amargurado, foi se esquecendo de viver, até
que um dia deixou também de respirar. No Atestado de Óbito oficial constava:
“parada cardíaca”.
Todos sabíamos que lhe havia parado o coração de bater e,
por isso, veio a morrer. Não era esta a causa do fim daquela bela vida. A
ausência da esposa o havia debilitado e por isso veio a falecer. Portanto, a
causa não era de dor, mas de amor. E, ali mesmo no momento de ser sepultado
redigimos o seu atestado.
JOAQUIM MORREU DE AMOR
Joaquim
morre de amor
Por
caso sentiu dor?
Para
onde queria ir
Não
poderia sentir.
A
paixão dentro do peito
Era
mais do que respeito
Era
um jeito tão perfeito
De
dizer o seu amor.
Não
queria a despedida
Por
isso abreviou a vida
E
agora se vai também
A
procura do seu bem
Que
está lá em uma nuvem,
Está
bem, está bem...
Renascerá
nesta planta
Ressurgirá
numa flor,
E
todos nós saberemos
Que
Joaquim, morreu de amor.
Muito
obrigado!
Ademar Bogo
Academia
Teixeirense de Letras
Teixeira de
Freitas 14 de Março de 2018